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João Távora

A nova ordem

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Se os exames do primeiro ciclo provocam ansiedade e acentuam a discriminação das crianças desfavorecidas, o que dizer dos erros ortográficos? O meu filhote pequeno que o diga, as lágrimas vêem-lhe aos olhos sempre que lhe corrigimos um. A caligrafia, essa é uma causa perdida. Não será a escrita afinal um elemento opressivo da livre expressão e criatividade da miudagem, um obstáculo à sua afirmação entre iguais? Consta que alguns sistemas de ensino já adoptaram esta filosofia igualitarista, em prol da felicidade e bem-estar dos fedelhos. Como se a felicidade não fosse acima de tudo um dom ou uma aprendizagem empreendida por cada pessoa no seu interior justamente na superação das dificuldades. No mesmo sentido a “retenção”, uma designação benigna e simpática atribuída ao antigo “chumbo” que tanto pesou como ameaça nas cabeças de alunos cábulas como eu, há muito está em vias de ser banida como instrumento pedagógico. Porque não se lembraram ainda estas sumidades de libertar de vez a comunidade da repressão da matemática? Afinal é a aritmética a base ideológica da austeridade, e as contas de multiplicar a ferramenta preferida do capitalismo. Depois, o resultado exacto e indiscutível de uma conta de diminuir pode significar uma violência traumática para o inocente infante. Claro que os números podem servir sempre para a recriação da criançada, disponibilizados em peluche para serem apertados com muito carinho ou arremessados uns aos outros como numa luta de almofadas. De caminho, sugiram-se também medidas preventivas em relação à capacidade de concentração, definitivamente um atributo a reprimir entre os alunos, por ser profundamente discriminatória quanto aos resultados da aprendizagem. Pior ainda se essa qualidade for associada à eloquência e à criatividade - não estaríamos nós na iminente ameaça de um perigoso cidadão autónomo e livre?

O caminho para o socialismo e o outro

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Às vezes o meu pequenote lá deixa escapar os comentários que a voluntariosa professora na intimidade da sala de aula partilha com os meninos, não só sobre os mais diversos assuntos da actualidade, mas também sobre as aterradoras consequências das alterações climáticas: a água que vai acabar, os animaizinhos que vão desaparecer etc., tudo por nossa incúria ou maldade (frequenta um pequeno e solidário colégio católico gerido pelas bondosas irmãs da congregação do Amor de Deus). Cuidado redobrado teremos que ter agora com a legislação aprovada pela frente de esquerda, para o ensino obrigatório às nossas criancinhas do esplendoroso "Caminho para o Socialismo" recomendado na Constituição da República Portuguesa. Já não basta toda a sorte de mitologia urbana que nós os pais nos vemos obrigados a  "desensinar" em casa. Mas vendo bem, numa perspectiva egoísta é indiferente, eles vão extinguir os exames burgueses e elitistas... os meus filhos num ambiente doméstico de exigência, sentido crítico e conhecimento digamos que... "por osmose", são uns privilegiados.

 

Morte no sofá

Esta nossa sociedade securitária e hipermediatizada "a mais escolarizada de sempre", que baniu qualquer perspectiva da realidade que ultrapasse as medidas dum ecrã de televisão ou telemóvel, está mais vulnerável que nunca. Mais dois ou três ataques terroristas a ocidentais e concentrados no tempo, o pessoal enterra-se definitivamente no sofá.

O ovo da serpente

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Acontece que a guerra é sempre a pior opção, excepto quando se revela a única forma de assegurar a paz. Imagine-se o que seria se os pacifistas britânicos, já muito activos nos anos 30 do século XX, levavam a deles a melhor e a Inglaterra abestia-se de intervir contra a Alemanha de Hitler?

Mas se há dúvidas quanto a saber se a intensificação dos bombardeamentos na Síria serva para mais que uma catarse para aliviar o orgulho ferido dos franceses, estou convicto que um combate muito mais longo e difícil tem de ser empreendido dentro de portas onde se instalou o inimigo, qual ovo da serpente. Segundo uma pesquiza da ICM Research em 2014 para a agência russa Rossiya Segodnya, 16% dos franceses tinha uma opinião algo favorável (13%) ou muito favorável (3%) do ISIS. Mesmo não dando grande credibilidade a este estudo, a realidade demonstra que as políticas do “multiculturalismo”, que a França, com republicano denodo, vem praticando nas últimas décadas, revelam-se hoje um enorme fracasso de trágicas consequências. Talvez porque o que define uma Nação não resulte de qualquer “engenharia social”, mas duma pertença a um território comum, como uma língua, uma história e aos seus valores fundacionais – enfim, uma identidade.

 

Publicado originalmente no Diário Económico

Rezar por Paris

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Faz-me uma imensa impressão, no doloroso rescaldo dos ataques terroristas em Paris transmitidos pelas televisões, a quase total ausência de imagens de manifestações de devoção cristã, sejam celebrações religiosas ou exibição dos seus símbolos. 

Erradicado Jesus Cristo do espaço público, fico com a impressão que o que sobra nos nossos dias é uma Europa imensamente frágil, esvaziada do transcendente, espoliada de Esperança. À mercê da mais vil perversidade.

Bom era que reaprendessem os europeus a transformar cada "minuto de silêncio" num tempo de oração sincera, que devolvesse algum sentido à dor lancinante da perda, que aplacasse a ameaça do medo. Creio que está aí o resgate de uma Europa fortalecida. 

A grande golpada

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Em relação à tomada do poder pelas esquerdas unidas, Nuno Garoupa, numa nota publicada no Facebook refere que o sistema político português "parlamentarizou-se", naquilo que interpreta como um processo que vem de trás por via da eliminação progressiva do centro. Descontada o exagero da metáfora, talvez seja isso. Mas tal significa que podemos concluir que ao tempo do XVI governo de Santana Lopes, quando a coligação possuía uma sólida maioria absoluta e Jorge Sampaio, do alto da sua cátedra em Belém, dissolve parlamento deu-se o fenómeno da "presidencialização" do regime? Aqui entre nós, o que seria se Cavaco Silva impusesse a sua autoridade não dando posse a António Costa?
Já percebemos que o nosso semipresidencialismo presta-se a toda a sorte de equívocos, e interessa saber qual a facção que por norma se presta a manipular e conspirar nos limites do sistema. Para os mais distraídos (que não eu) a esquerda terá por estes dias perdido a inocência e a aura poética com que gosta de se travestir entre golpadas e revoluções. O País esse continua adiado, sequestrado pelas anquilosadas oligarquias de sempre. Somos assim, temos o que merecemos.

O triunfo do cinismo e a tragédia que se seguirá

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Inquieta-me o cinismo de uma certa "direita", que talvez inebriada com os vapores de um copo de Gin exótico da noite lisboeta, se mostra levianamente conformada com a solução da Frente de Esquerda, com a tese disso ser a vacina que nos livrará dela por muitos anos. O problema são os danos e a dor que tal provocará a todos aqueles (e ainda são muitos) que não vivem de rendas garantidas e cujo trabalho depende de uma actividade económica estimulada pela confiança. Desconfio até que este sentimento se tenha apoderado dalguns estrategas da coligação, dispostos a ceder o poder por uns meses, apostando num retorno triunfal a breve trecho. Tudo isto me faz lembrar o que acontecia passados uns meses sobre o 25 de Abril, quando em pleno assalto do Partido Comunista ao poder, a maior parte dos democratas inebriados dançando ao som das canções de protesto, escarneciam dos avisos e aflições daqueles mais expostos ou experimentados. Até se encontrarem atónitos poucos meses mais tarde, expropriados do seu ganha-pão, cercados por uma manifestação, sequestrado num congresso ou universidade, ou presos em Caxias sem culpa formada. Lamento, meus amigos, mas suspeito que o que nos espera não será muito menos do que uma tragédia grega: duzentos anos de História permitem-me conhecer o ódio e a intolerância daqueles de quem que o "Governo de Esquerda" dependerá. O perigo hoje obviamente já não é o comunismo... são os comunistas perigosos.

No centro do centro está o nada

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 Respondendo a alguma direita que começa a sentir-se sem representação nestas eleições presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa disse ontem que candidato presidencial não é um candidato à liderança de um "partido ou de uma coligação ou facção" e que um Presidente da República "não é o presidente de um partido, facção ou coligação". Ora acontece que um candidato presidencial é sempre representante de uma facção, a da sua forma de ver o mundo, do seu curriculum e vida pública. O "Professor" não pode renegar a sua natureza, esconder que é um conservador católico, europeísta, e que defende uma economia de mercado. A concorrer às eleições, o professor terá que cativar um certo eleitorado que não se reveja nas outras candidaturas. Na sua fanática deriva em busca do centro “monárquico” (que é uma paradoxo face ao sistema republicano), ao esvaziar um discurso, da alma e da estética que sensibiliza os seus apoiantes naturais, Marcelo arrisca-se a paralisar-se no meio da ponte. Ou escravizar-se à pureza do nada.   

Wishful thinking

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Ainda há uma possibilidade do governo da coligação passar com a abstenção do PS. Porque uma aliança PS, BE e PCP é, como comprovam as dificuldades no acordo, contranatura. Acontece que espaço eleitoral dos partidos de protesto é por natureza limitado mas “garantido”. Ora o BE e o PCP sabem que se o abandonarem para sustentação de um governo António Costa inevitavelmente “austeritário”, outros lhe tomarão o lugar. Pior: até ao último minuto haverá a tentação dos dois entre eles tirarem partido um do outro para se apoderem desse “espaço garantido”. Ou seja, um ou outro saltará fora na primeira oportunidade da última hora. António Costa foi claro ao garantir uma postura “responsável”, só aprovando uma moção de censura se tiver alternativa. Assim se compreende o discurso radical socialista: para não perderem a esquerda, recusam o ónus do falhanço da aliança, e vão assumir o protagonismo deste jogo de sombras para, chegando à 25ª hora, lavarem as mãos perante o alívio da depauperada classe média. Assim, Costa ainda se safa no congresso exibindo o troféu desta sua congeminação, reclamando que o falhanço foi culpa dos radicais.  

Publicado originalmente no Diário Económico