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João Távora

E as saudades que deixou?

Jamais poderia esquecer aquelas fases entre leituras e escritas em que o meu Pai se sentava no seu coçado cadeirão da sala para, em cima de um gigantesco livro de brasões que lhe servia de tabuleiro, se dedicar furiosamente àquela paciência de cartas que, quando bem sucedida, acaba com os naipes organizadinhos por ordem crescente. Suspeito que era a forma como materializava simbolicamente uma ordem lógica para o mundo, com o qual viveu quase sempre em conflito. 

Elogio ao ilustríssimo e excelentíssimo Senhor Marquês de Abrantes D. Rodrigo Annes de Sá

pelo Marquês de Valença D. Francisco de Portugal *

1745

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"De tenra idade ficou sem pai o ilustríssimo e excelentíssimo Senhor Marquês de Abrantes. Grande ocasião para se apoderar o vício da sua vontade e a ignorância do seu entendimento. Mas a providência de Deus quando tira intempestivamente os pais aos filhos é quando eles podem, sem o seu auxílio, amar a virtude ou quando as mães são varonis e capazes de suprir a falta dos pais, como foi a do Senhor Marquês de Abrantes, que imitou a famosa Cornélia educando seus filhos com as artes e ciência próprias de um menino tão ilustre. Aprendeu muitas o Senhor Marquês de Abrantes, e todas as que aprendeu soube-as com tal perfeição que as podia ensinar. Teve por Mestres da língua latina Ignacio da Silva, insigne Gramático e Filosofo do seu tempo; de Matemática Francisco Pimentel e seu irmão Manuel Pimentel, que foram tão cientes como o grande Pedro Nunes, e se Manuel Pimentel quisesse publicar novos sistemas, seriam os seus tão engenhosos e mais pios que os de Copérnico.

Aplicou-se muito às Filosofias modernas, mas não lhe prejudicaram as suas novidades, por se defender umas vezes com o escudo da religião, outras com o antídoto da prudência, e porque afirma o incomparável Santo Agostinho que as opiniões novas com a mesma utilidade perturbam os homens. Os latinos com grande fundamento chamam à novidade insolência, pois tanto custa sofrer as coisas insolentes como as insólitas.
Não sei quem foram os mestres que teve o Senhor Marquês de Abrantes da língua Francesa e Italiana mas deviam ser excelentes, porque o discípulo as entendia os seus mistérios e falava com bom assento e propriedade. Da língua materna, de que ainda se faz menos caso que da Latina, porque ainda nos prezamos menos de Portugueses que de eruditos, sei que foram os sermões do Padre António Vieira e certamente que quem quiser falar esta língua com elegância e majestade só o conseguirá fazendo com as obras deste insigne orador, o mesmo que fez Demóstenes com a história de Tucídides, que a copiou oito vezes da sua mão.

Mas tornando à Matemática em que foi sumamente versado o Senhor Marquês de Abrantes, posso dizer o que ouvi ao doutíssimo Manuel Pimentel que tivera muitas notícias de todas as partes desta ciência. Ele, pela sua aplicação, engenho e subtileza era capaz de fabricar outra pomba, que voasse como a de Arquitas, outra cabeça, que falasse como a de Alberto Magno, outros espelhos ustorios com que queimasse navios como as de Arquimedes, e outra esfera de cristal em que se vissem os diferentes movimentos dos círculos, obra do mesmo admirável matemático. Isto em quanto à mecânica.

Em quanto à mais sublime parte desta ciência, a Astronomia, compreendeu-a o Senhor Marquês de Abrantes de forte, que podia fazer novos descobrimentos nos Planetas. Do estudo da Geografia e Hidrografia teve cabal notícia podendo fazer mapas por onde se guiassem os caminhantes e roteiros, por onde se governassem os pilotos. Foi tão bom engenheiro que seu grande Mestre Francisco Pimentel me confessou que tinha chegado à última perfeição daquela arte e para que lhe não faltasse alguma, riscava com incrível primor as plantas das praças e dos palácios, pois na Arquitectura não foi menos eminente que na militar.

Na História, como mestra da vida, fez um inexplicável progresso, porque a percebeu completamente em todas as suas partes, sabendo que a variedade dos sucessos, conhecendo a genealogia dos homens, lembrando-se do lugar em se obraram as ações e repetindo o tempo em que aconteceram. Não parava aqui a sua vasta e profunda erudição: passava a ser um dos maiores antiquários do seu século, ciente nas medalhas de Cônsules e Imperadores Romanos e versado em todas as raridades dos mais curiosos Museus da Europa. Deste conhecimento entrava no das pinturas, dizendo logo à primeira vista dos quadros quais eram as cópias ou originais e qual a graduação dos pintores. Empregou-se laboriosamente na crítica, mas usou dela com notável moderação à maneira dos remédios opiados que em pouca quantidade são lenitivo das dores e em letargo dos sentidos.

No tempo em que o Senhor Marquês de Abrantes andava já na memória do seu príncipe, de que era fácil passar para a sua vontade, sucedeu romper-se a guerra com Castela. Aqui se lhe abriu um dilatado campo para a ambição da sua glória, porque soube ter aquele sangue marcial, que herdou dos seus ilustres avós e que adquiriu mais espíritos belicosos nas suas veias, tinha todas as partes necessárias para o exercício de soldado. Com tais auspícios para a vida e profissão militar, foi à campanha o Senhor Marquês de Abrantes com o posto de Coronel de Infantaria, onde mostrou aos generais em varias ocasiões, que pediam valor, confiança e desafogo, que seria outro Camilo para conservar a sua pátria e, segundo Fábio, para vender sem derramar sangue.

Deixada a guerra por um motivo não só justo, mas honroso, continuou o Senhor Marquês de Abrantes os seus estudos, fazendo-se cada vez mais erudito com a notícia das matemáticas, mais prudente com a reflexão da História, mais subtil com a especulação das Filosofias e mais universal com o exame das antiguidades. Um dos primeiros acertos do governo do nosso Monarca foi nomear o Senhor Marquês de Abrantes por Gentil-homem da Câmara e Embaixador de Roma; mas seja-me licito dizer, que este acerto não só foi um dos primeiros mas um dos maiores da feliz escolha do nosso Príncipe. Quem era mais digno que o Senhor Marquês de Abrantes para exercitar uma ocupação que é o distintivo da intima confiança, que fazem os reis dos vassalos, e quem era mais merecedor de residir numa Corte, que é a cabeça do mundo, senão quem era a maior cabeça do reino? A opinião, a fama que o Senhor Marquês de Abrantes deixou na Cúria, será inveja duvidarem-no os presentes, mas não será temeridade negarem-no os vindouros.

O favor, o agrado e a distinção que achou o Senhor Marquês de Abrantes nas palavras e acções dos Papa Clemente XI excede os limites do crédito, ainda empregando o pensamento na grande pessoa que era e na maior, que representava o ministro. Mas cada um ama o seu semelhante, sendo muito para admirar e agradecer, que confessem que tem semelhantes no génio os que são dessemelhantes na fortuna. Como este maravilhoso Pontífice era enriquecido de muita erudição e engenho, muito prático nas letras humanas e sagradas, muito dotado da eloquência Romana nos seus discursos, muito ameno nas suas práticas e muito sentencioso e pronto nas suas respostas, como se não havia de agradar inteiramente do Senhor Marquês de Abrantes, que era ornado dos mesmos atributos? Eu ouvi a uma pessoa de muita verdade, que este Pontífice desejando sempre a companhia do Senhor Marquês de Abrantes se afligia algumas vezes quando ele lhe falava em negócios de Portugal sem lhe dar muito tempo para responder com madura consideração. Bem posso dizer sem temor de parecer encarecido ou apaixonado, que os argumentos do Senhor Marquês de Abrantes eram dificultosos de soltar ao maior talento e impossíveis de retorquir à maior agudeza. Não teve melhor dialéctica Crisipo que o Senhor Marquês de Abrantes, nem foram mais para assustar os discursos de Carnéades em Roma, que as negociações deste Ministro naquela Corte, oficina da mais misteriosa politica.

Ele conseguiu naquele Pontificado grandes honras e privilégios para a sua pátria, ele executou o gosto do seu Príncipe sem aqueles perigos que costuma encontrar esse gosto quando depende da vontade igualmente soberana. Uns negócios ficou-os do benefício do tempo, outros da sua industria, alguns do seu carácter, muitos da sua confiança, não poucos da sua grandeza e todos da sua fortuna; porque o Senhor Marquês tinha tanta, que bem podia dizer no mais alterado dos negócios o que disse a César ao piloto, que o levava na sua embarcação e que a via combater de uma furiosa tempestade que se animasse pois ia com ele a fortuna de César.

Conseguidos gloriosamente todos os negócios na Cúria deixando um nome imortal do seu merecimento e uma saudade inconsolável da sua presença voltou para a Corte o Senhor Marquês de Abrantes a receber os louvores e estimações do seu Príncipe, prémio, que não tem equivalente em toda a dilatada esfera da sua liberalidade. Disputarão pois as palavras honrosas com as obras magníficas, não se lembrando a memória dos portugueses de despacho nem mais generoso nos Reis, nem mais bem merecido nos vassalos. Não houve negócio de grande consequência, que o nosso, ou o seu Príncipe resolvesse sem consultar primeiro o Senhor Marquês de Abrantes. Mas para que roubo a gloria este Conselheiro, e limito o favor deste monarca? Que digo só sem consultar primeiro o Senhor Marquês de Abrantes, quando os seus votos e opiniões eram sempre as que abraçava e preferia o nosso Príncipe. Parece-me  que o amor não me cega com a sua venda, antes que me alumia com a sua tocha, que nenhum Rei escolheu para a confiança do seu gabinete pessoa mais própria de tão alto emprego que Senhor Marquês de Abrantes. Que é necessário para encher a quase imensidade desse lugar? Esplendor? Examinem os malédicos a sua origem? Fidelidade? Sejam os mesmos fiscais dos seus pensamentos. Veneração? Pese-se em qualquer balança o seu respeito. Zelo? Julguem-no os poucos que o têm ou os muitos que o estranham. Independência? Compare-se a deste Valido com o desinteresse de outros privados. Gravidade? Faça-se o mesmo paralelo com os antigos mais rígidos nesta virtude. Ciência? Pondere-se a agudeza de Filosofo junta com a prática de político, que faltou aos sete Sábios da Grécia.

Se a inveja não sentira igualmente os elogios dos vivos, que os epitáfios dos mortos, bem me atrevera eu a mostrar, que o Senhor Marquês de Abrantes foi um estadista proporcionado a todos os negócios, um conselheiro adequado para todas as empresas e um valido consumado para todos os príncipes. O nosso, que vai por todos sem sombra de adulação à superioridade do seu engenho o Senhor Marquês de Abrantes pela gloria dos Portugueses, pelo socorro das conquistas, pela vantagem do comercio, pelo credito das armas, pelo argumento das artes e pela opulência do reino. Estes desejos lhe ocupavam o tempo, estas esperanças lhe interrompiam o sono, estes pensamentos lhe debilitavam as potencias, estas ideias lhe arruinavam a saúde e estes cuidados lhe apressavam a morte.

Quem foi, senão o Senhor Marquês de Abrantes o que com ardente zelo da fé representou ao nosso Príncipe quisesse refrear o fatal progresso das armas Otomanas, que soberba e atrevidamente ameaçavam a cristandade com a furiosa torrente de tantos bárbaros belicosos? As dúvidas e questões que encontrou esta religiosa proposição, é preciso, que eu as passe em silêncio por não ofender os pios ouvidos. Mas o nosso devoto, e magnânimo Príncipe abraçou tão afectuosamente a opinião do Senhor Marquês de Abrantes, que em virtude dela mandou um dos mais formidáveis socorros, que saíram do porto de Lisboa, escurecendo com esta ajuda militar a que deu a seu aflito genro D. Afonso IV alcançada pelos rogos de uma filha em quem competiam as lágrimas com formosura.

Instituiu o nosso discreto e augusto mecenas a Academia da História Eclesiástica e Secular, e elegeu para um dos Censores deste erudito Congresso ao Senhor Marquês de Abrantes como coluna de pórfido e a mais polidamente lavrada para o templo da sabedoria. O que o Senhor Marquês de Abrantes obrou nas ocasiões de Director não o fez explicar com palavras, ainda que as tivera tão expressivas e elegantes como as de Plínio. Só digo, que nem Catão conseguiu mais autoridade no senado com os seus votos, nem Cícero mereceu no mesmo lugar maior silêncio e admiração dos ouvintes com o rio caudaloso ou raio fulminante da sua eloquência.

A expectação da Corte e dos companheiros, que mereceu o Senhor Marquês de Abrantes no ilustre oficio de Vedor da Fazenda, apenas a pode declarar o hipérbole de Joseph da Cunha Brochado, que vem a ser, que o Senhor Marquês de Abrantes compreendera pasmosamente os muitos vários e dificultosos negócios daquele tribunal, não em dias, se não em instantes. Todas as acções deste Ministro respiravam uma majestade, que nunca chegava a altivez e o zelo do bem púbico nunca o fez inimigo capital do favor, e menos da clemência, como se disse não sei de antigo, por dentro Nero, por fora Catão.

Quando se ajustaram as ditosas alianças dos nossos príncipes com os de Castela, foi logo escolhido o Senhor Marquês de Abrantes para instrumento desta maior felicidade da monarquia e em nenhuma pessoa entra as muitas, que também mereciam este carácter, assentava melhor a nomeação do nosso príncipe. O Senhor Marquês de Abrantes era o mais próprio para esta embaixada não só pelo que tenho referido das suas virtudes e talento, mas por se haver exercitado na Corte de Roma e pedia a função de Castela, que fosse ensaiado o embaixador na política, e policia dos Romanos para as praticar com a discrição e entendimento dos espanhóis. As inauditas e incomparáveis acções de grandeza e sumptuosidade que o Senhor Marquês de Abrantes fez nos dois mais pomposos teatros de Roma e Madrid mal se podem expressar na estreiteza de um panegírico: o mais que se pode dizer debuxando, e não colorindo o retrato da sua liberalidade e magnificência, é que a entrada, a residência, e a despedida do Senhor Marquês de Abrantes excederão a fecundíssima ideia das nações mais generosas e luzidas da Europa.

Voltou segunda vez para a pátria o Senhor Marquês de Abrantes autorizado, mas não presumido com a Ordem do Tusão de Ouro oferecia pela insigne magnificência do Rei Católico, porque esta generosa dádiva não podia desvanecer aquele dilatado coração, que não poderão despojar da modéstia, e comedimento as honras do parentesco do seu mesmo Augusto Monarca.

Voltou, torno a dizer, cheio de despojos da inveja, e de triunfos da competência: não me expliquei como devia: restitui-se com impaciente saudade à desejada presença do seu adorado Alexandre este melhor Hefestião, e ainda que o nosso Príncipe tinha benevolência para mais agrados, e ânimo para mais benefícios, a fortuna cega, indiscreta, e mudável não teve coração para mais favores: cansou-se de ser propicia contra o seu génio, envergonhou-se de ser justa contra o seu costume e arrependeu-se de ter constante contra a sua natureza e fazendo com a Parca uma aliança bárbara, cruel e sanguinolenta, cortou os preciosos fios daquela vida digna de se eternizar com a sua fama.

Esta lastimosa e irreparável perda, este violento, penetrante, incurável golpe se sentirá e chorará com lágrimas, suspiros e clamores em quanto durar o amor da pátria, em quanto se conversar a veneração das virtudes, enquanto se respeitar a grandeza dos heróis, enquanto se e adorar o glorioso e imortal nome do nosso Príncipe, enfim enquanto os rios para o mar correrem."

 

* Transcrição da brochura original publicada em 1745 pelo Marquês de Valença D. Francisco de Portugal 

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 Com especial agardecimento ao meu bom amigo Carlos Bobone Livraria Bizantina 

 

Animalismo

Depois de uma indignada conversa dos crescidos à mesa sobre o projecto do PAN de acabar com as charretes e carroças, pergunta-me o pequenote na sua inocência:
- Ó pai, acha que eles vão obrigar as pessoas a carregar os cavalos às costas?

Emídio Navarro

No sábado passado ao fim da tarde estive quase meia hora na Avenida Emídio Navarro na vila de Cascais com um calor tórrido e o sol de frente à procura do antigo número 22, a casa onde os meus avós maternos passavam a época estival, para tirar uma fotografia. Em vão: tendo a numeração sido alterada há uns anos e a falta de uma referência arquitectónica relevante tornou a minha tentativa um logro. Nenhuma das fotografias que tirei orientado por solícitos e desconfiados autóctones acertou no alvo - até a daquela vivenda que eu intuí como certa. O falhanço foi mais tarde sentenciado de viva voz pela minha mãe depois de inspeccionar os retratos no meu telemóvel.
Daqui se depreende como a investigação histórica é uma ciência difícil e como é perigosa a tentação de deduzirmos uma determinada solução e promulgarmos um erro.

Tristezas não pagam dívidas

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Diz-se por aí que a vitória portuguesa do Euro 2016 em França vai impulsionar a economia em seiscentos mil euros, ao que parece quase todos gastos em tascas e esplanadas. Contas feitas a festa nem é cara, dá para cerca de um milhão de portugueses beberem ume mini e comerem um pires de tremoços. Quanto a mim era bem melhor que o ministério das finanças se dignasse a abrir os cordões à bolsa e acelerasse a devolução do IRS que tanta falta me faz. 

Sem dados concretos para uma avaliação científica da questão, fica-me a impressão que, devido aos (merecidos) festejos e à consequente ressaca acabamos por “ficar em casa”. Tenho sinais claros de que a semana de trabalho custou mais a arrancar do que é habitual: na minúscula empresa que dirijo, anteontem foram desmarcadas duas importantes reuniões com clientes.
De resto, há algum tempo que perdi a esperança que a extrema competitividade e sucesso da indústria do futebol nacional, tão intensamente difundida entre os adeptos pelos profusos programas e jornais desportivos, serva de exemplo para reverter cultura de acomodação e conformismo tão atreita aos portugueses.
Certo é que as tristezas não pagam dívidas e convenhamos que uma alegria destas experimenta-se uma vez na vida e agora é tempo de festejar: o triunfo dos portugueses em Paris ficará gravada na história do futebol e os seus heróis serão celebrados pelos nossos netos e bisnetos.
Finalmente, e para que conste, escreva-se na pedra que nossa vitória não resulta de um acto ou personalidade genial mas foi-o duma determinação individual incomensurável e dum enorme espírito colectivo dum grupo bem liderado, por um homem de fé. Uma bela parábola para todos nós.

 

Pubicado originalmente no Diário Económico

Algumas notas sobre a vitória da Selecção Nacional em Paris

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A nossa vitória não resulta de um acto ou personalidade genial mas foi-o duma determinação individual incomensurável e dum enorme espírito colectivo dum grupo bem liderado. Uma bela parábola para os portugueses.

 

Para aqueles que tinham dúvidas, Rui Patrício confirmou que é um guarda-redes ao nível dos melhores do mundo.

 

Ainda a tempo o seleccionador percebeu a vantagem de utilizar William Carvalho, Adrien Silva e João Mário, um trio que apesar de não ter revelado a habitual eficácia atacante conferiu uma robustez e fiabilidade de movimentos ao meio-campo português. 

 

Fernando Santos revelou-se um verdadeiro líder: sóbrio, discreto e corajoso, conseguiu unir a sua equipa não à sua volta, mas alinhada na sua estratégia e focada no objectivo da vitória. Um homem com uma fé inabalável.

 

Payet, a estrela francesa que prometia ser a revelação deste campeonato europeu, conseguiu o seu maior momento de glória aos oito minutos da final em Paris ao lesionar Cristiano Ronaldo que assim se viu impedido de jogar o jogo da sua vida. O resultado foi o reforço da tenacidade dos seus companheiros. 

 

Receio que a qualidade prestação dos jogadores do Sporting neste torneio resulte num assédio que desestabilize as suas merecidas férias e prejudique a preparação da equipa. Tudo por um bem maior.

 

Se a selecção nacional é acusada de ter chegado às eliminatórias quase só com empates, que dizer daquele português que apenas com uma derrota se sentou ufano no camarote presidencial em Saint Dennis?

 

Desde a fundação de Portugal que a Mãe de Jesus é chamada apadrinhar os mais nobres feitos nacionais - os outros não. Um sinal de que este País apesar de tudo resiste como um local aprazível.  

 

Uma vitória destas vive-se uma vez na vida, ficará gravada na história do futebol e os seus heróis serão celebrados pelos nossos netos e bisnetos. Festejemos hoje e tomemos o seu exemplo, para regressarmos aos nossos afazeres com mais entrega e determinação. Portugal pode ser muito mais. 

A História é feita de pessoas

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Permitam-me contar esta notícia de forma um pouco subjectiva, ou simplesmente do meu ponto de vista: O quadro de D. Rodrigo Annes de Sá Almeida e Meneses, o embaixador de D. João V que a 8 de Julho de 1716 foi recebido em Roma pelo Papa Clemente XI, muito provavelmente da autoria de Vieira Lusitano de quem foi protector, foi um dos principais protagonistas da magnífica Exposição com que o Museu Nacional dos Coches celebrou ontem a passagem de trezentos anos sobre o acontecimento. Assim, foi com grande orgulho que ontem à tarde eu e os meus irmãos reencontrámos este velho companheiro da nossa infância e juventude que, na parede da sala de nossa casa, da sua imponente moldura dourada nos seguia com um olhar sisudo e atento à nossa passagem. Daquele senhor, o primeiro marquês de Abrantes, nascido em 19 de Outubro de 1676, sabemos ter sido um grande mecenas e homem de artes e da cultura, e também que é da sua autoria o desenho dos magníficos Coches de Aparato mandados construir em Itália, com os quais empreendeu esse importante serviço à Pátria, visando conseguir do Papa o prestígio dum patriarcado para Lisboa.

Entregue em depósito ao Museu Nacional dos Coches pela minha família, é com enorme alegria que o encontramos finalmente exposto ao público, à vista de todos quanto visitem esta magnífica exposição que nos desvenda uma época e uma história… feita de pessoas como nós.

 

Ver reportagem fotográfica aqui.

Redenção

Estranhos são estes dias quentes e luminosos do Julho português, vividos entre a euforia duma improvável final do Europeu de futebol em Paris e a humilhação a que estamos sujeitos na mesma Europa por um endividamento descomunal que não sabemos por cobro. Salvaguardadas as distâncias dos dois eventos, acontece que, numa como noutra coisa, a redenção depende principalmente do que soubermos e estivermos dispostos a fazer. Essa é a grande lição que o futebol nos pode dar: o principal adversário somos nós próprios.

En su sitio

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Será amanhã oficialmente inaugurada a exposição comemorativa dos 300 anos da Embaixada de D. João V ao Papa Clemente XI, liderada por D. Rodrigo Annes de Sá Almeida e Meneses a 8 de Julho de 1716 no Museu dos Coches. Esta será a ocasião para a primeiríssima exibição pública do quadro a óleo do grande diplomata e homem de cultura, o 1º Marquês de Abrantes, ao lado do magnifico Coche de Aparato chamado "dos Oceanos" em que se fez transportar para tão importante empresa. Este quadro que foi recentemente entregue em depósito ao Museu Nacional dos Coches pela minha família, poderá agora, restaurado devidamente enquadrado, ser visto pelo grande público a partir de sábado.
Um acontecimento que nos deixa, à minha mãe, a mim e aos meus irmãos, particularmente contentes e também com uma ponta de orgulho.

Pessoas que nunca acabam

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"As pessoas que mais admiro são aquelas que nunca acabam." Escreveu Almada Negreiros citado um dia destes num programa de rádio. A frase deixou-me a pensar, chegado que estou à meia-idade, fase em que o cinismo nos exige alguma luta, pois a descrença é tentação perante uma existência que ameaça encolher-se à dimensão das repetições que esmorecem o espanto. O cinismo não é mais que o império da realidade descarnada do amor… ou a arrogância de tomarmos o outro pela ofuscada lente do nosso cansaço. 

Acontece que, como o amor, o espanto, o susto ou encanto pelos misteriosos interstícios da existência, tudo isso depende mais do nosso olhar e da sua capacidade de regeneração. E depois, ninguém se redime à conta do seu semelhante, que isso é o mais vil estado de servidão. Há olhares que são insaciáveis buracos negros onde “uma pessoa que nunca mais acaba” se perde insignificante no vazio.
Eu também prefiro as pessoas que nunca mais acabam, de alma grande e densa, mas desconfio que essas são aquelas a que nos ligamos pela vontade. Cujo encanto sobrevive à rotina e renasce mesmo depois de estafado. Porque cremos. Com a conivência do nosso olhar.