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João Távora

O burkini e o busílis da questão

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Em boa hora um tribunal francês suspendeu proibição do ‘burkini’ em Villeneuve-Loubet. No entanto as proibições decretadas por vários municípios do sul da França tiveram a virtude de promover no espaço público (redes sociais – entenda-se) a pertinente discussão sobre os costumes muçulmanos e aquilo que a sociedade ocidental está disposta a claudicar no que diz respeito aos valores da dignidade e dos direitos da mulher em nome do multiculturalismo. Só por má-fé ou sectarismo ideológico não se reconhece a barbárie que impera na generalidade das sociedades muçulmanas em relação aos direitos das mulheres, obrigadas a uma posição de maior ou menor subalternidade em relação aos homens. Para tanto não deveria ser necessário referir os exemplos gritantes da Arábia Saudita, da Síria, do Paquistão ou Irão. Infelizmente este importante debate parece não ter obtido prioridade nas televisões e nos media “de referência” em que os comentadores se cingem à reprovação da intromissão do Estado nas liberdades individuais e à teimosa recusa dum confronto entre culturas - inevitável mais tarde ou mais cedo. A defesa da igualdade de direitos das mulheres nos países de cultura judaico-cristã, independentemente da sua origem geográfica étnica ou religiosa, deveria ser a questão prioritária no debate levantado pelo 'burkini'. Infelizmente, pelo contrário, isso é um tabu relativamente ao qual urge insurgirmo-nos.

 

Imagem daqui

No meio da ponte (mas em calções de banho)

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Quanto ao tema do momento, a polémica proibição do uso do 'burkini' nas praias de França, considerado um atentado aos "bons costumes e o secularismo" (!), também eu me sinto compelido a molhar o pão na sopa.

Em primeiro lugar admiro-me com a quantidade de pessoas com posições categóricas num assunto como este que me parece demasiado complexo e intrincado.

Também eu por princípio sou contra as proibições, cuja eficácia é aliás duvidosa. No que refere por exemplo aos meus filhos adolescentes, saudavelmente atreitos a experimentalismos e provocações, reservo a minha intervenção para uma improvável situação limite, que talvez por isso nunca aconteceu.

Outro equívoco em que os laicistas incorrem é classificar esta indumentária como uma expressão religiosa, quando esta é apenas uma matéria do âmbito cultural e de costumes. Em Portugal, há não muitos anos, na cidade ou na aldeia era comum encontrar senhoras viúvas todas de preto muito tapadas com lenço na cabeça, e isso não era sinal de qualquer devoção especial ou de frequentarem a igreja. Os republicanos de 1910 que perseguiam os padres e fecharam as igrejas eram conhecidos pelo seu puritanismo exacerbado no que refere aos costumes.

De qualquer modo reconheço diferenças acentuadas nos dois registos. Não acredito que as muçulmanas em França escapem com facilidade à atracção exercida pela cultura liberal e igualitária no que respeita à sexualidade e ao género que brota e se expressa por todos os poros duma sociedade cosmopolita. Por isso tenho dificuldade em acreditar que seja por sua livre e espontânea vontade que as senhoras se disponham a envergar semelhante indumentária numa praia no calor do Verão. Acontece que o 'burkini' é um sinal de submissão não é um fato de banho, e o seu uso um despropósito tão grande quanto eu estender-me numa toalha à torreira do sol de fato e gravata aqui na Praia da Azarujinha.

Finalmente, parece-me também que estas proibições, mesmo que de forma errada, constituem sinais de uma inversão nas desastrosas políticas multiculturalistas praticadas nos últimos anos numa França acossada por uma gigantesca comunidade muçulmana maioritariamente hostil aos valores e modo de vida liberal do ocidente.

Por tudo o que atrás referi, se me permitem fico no meio da ponte, quanto a uma tomada de posição inequívoca neste candente assunto. E dou Graças a Deus pela pacata comunidade muçulmana que nos coube em sorte em Portugal.  

Velharias

As fitas do 007 com Sean Connery agora em reposição no canal AMC, com aqueles adereços "vintage", automóveis, guarda-roupa de catálogo dos anos 60, são como as minhas memórias, um "filme de época" como se diz agora.

Nós gostamos é de "regimes"

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Pouco tempo depois das presidenciais fui convidado para almoçar por um senhor Inglês, um gentleman que gosta muito do nosso país e que passa o ano entre Chelsea e Lisboa, que me recebeu com elegância e enorme simpatia no Círculo Eça de Queiroz de que é associado com um seu amigo compatriota, ambos muito conhecedores da história de Portugal e da nossa realidade politica. A determinada altura perguntei-lhes o que achavam do nosso regime semipresidencialista, ao que o meu anfitrião respondeu com uma gargalhada e a olhar para a mesa ainda cheia de iguarias: “We don’t like «regimes», João – do you?!”, tendo rematado depois, não disfarçando alguma vaidade “That’s why we still have our Queen!”. 

Nessa altura algo que sempre soubera se me tornou clarividente e não evitei um sentimento de tristeza e de uma certa inveja. Acontece que os ingleses, que inventaram a democracia desenvolveram ao longo dos últimos séculos um sistema de poder tanto quanto possível disseminado, filtrado e orgânico – ainda hoje cabe aos tribunais comuns a criação de leis, por exemplo – puderam conservar a monarquia porque souberam escapar à tentação dos “regimes”, no sentido dum sistema demasiado ortopédico, opressivo (para isso já têm o fog e o frio). Enfim, como eu passo a vida a repetir, "temos aquilo que merecemos".

Cinquenta e cinco anos e uma vida cheia

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Só me preocupa o facto das minhas memórias da juventude se parecem cada vez mais com um filme de época. Obrigado a todos os meus amigos pela companhia nesta viagem. Graças a Deus.

* Fotografia do meu retrato pintado (inacabado) por Agath v. Radey (n. Princesa de Auersperg, 1916 - 1983) em Cascais no Verão de 1974.

A Ponte Sobre-o-Tejo

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Foi um ano depois de eu nascer que se iniciaram as obras de construção da Ponte Sobre-o-Tejo em Lisboa. Tenho difusas reminiscências de atravessar o rio de Cacilheiro, no velho Hillman do meu pai atafulhado de irmãos, e memórias mais sólidas de atravessarmos a ponte no Volkswagen novinho, que o meu pai jurava também ser o meu carro quando eu chegasse aos pedais. Nesses tempos de barbárie e obscurantismo, demorávamos mais de quatro horas a chegar a Milfontes com uma bagageira no tejadilho e a mãe com a minha irmã bebé ao colo no lugar do morto, e nós os quatro restantes no banco de trás, metade do caminho a implicar uns com os outros. Uma autêntica aventura do faroeste.

Curioso é hoje verificarmos o embaraço mal disfarçado com que a Comunicação Social assinala os 50 anos da inauguração da ponte, que para infortúnio da narrativa oficial nasceu oito anos antes do tempo. Desconfio que nas redacções subentendem o caricato que é celebrar 50 anos de uma obra rebaptizada com uma data histórica posterior à sua construção. Às tantas dão-se mal com a história que confundem com propaganda, um guião de lugares comuns, atafulhada de esqueletos nos armários, pois há que evitar a complexidade para não confundir as cabeças volúveis das gentes. Ou simplesmente “há que ignorar”, é mais isso. Hoje uma tal de Katia Delimbeuf assinala num pequeno artigo na revista do Expresso que: “às 15,00hs, passaram os primeiros carros do povo, que a rebaptizou após a revolução de 1974”. Claro que a coisa vinda de uma jornalista é mentira; se fosse da pena dum poeta seria apenas uma tirada de mau gosto. Na verdade o povo nunca seria chamado a baptizar a Ponte Sobre-o-Tejo (como sabiamente sempre se lhe referiu), tanto mais que a coisa poderia dar para o torto, como se verificou aquando daquele desgraçado concurso televisivo sobre “Os Grandes Portugueses”.
Talvez interesse pouco relembrar neste dia de comemoração que a Ponte Salazar foi construída tarde de mais, e notoriamente subdimensionada. A maior parte das recordações remotas que guardo dos seus primeiros anos referem-se a épicos engarrafamentos que enfrentei, a ir ou a vir da Costa da Caparica, que se repetiam diariamente às horas de ponta e especialmente no Verão, só verdadeiramente mitigados aquando da construção da Ponte Vaco da Gama mais de 30 anos depois. Desculpem-me o mau jeito, mas a ponte Salazar também é uma parábola sobre a nossa incapacidade de planeamento a longo prazo. Um embaraço apenas comparável ao expediente das revoluções que nos últimos duzentos anos nos trouxeram a este triste destino.

Não sou de modas…

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Chegados à meia-idade conquistamos uma visão em perspectiva que nos revela a verdadeira importância das modas. Pela minha parte até chegar à da barba de três dias, em matéria de pilosidade masculina, já testemunhei diferentes usos que se banalizaram na paisagem de cada tempo: do cabelo cortado à tijela ou “à Beatle”, à cabeleira e barba hirsutas, comprida até ao peito a encobrir uma fácies cândida “imagine all the people”, passando pela recuperação nos anos 80 da sobriedade insinuante de Morrissey com poupa à James Dean, estou em crer que, com mais ou menos ombros e lantejoulas no casaco, mais ou menos justas as calças, cada moda cumpriu a seu tempo o propósito de alimentar a vital ilusão de corte ou renovação dum sentido existencial de cada geração emergente, que organicamente se impunha com uma assinatura própria à espuma dos dias imparáveis. O problema é que, como bem sabemos, a natureza humana e as suas circunstâncias são realidades essencialmente estáticas. Sobre este complexo assunto, o povo na sua sabedoria arranjou um adágio que mete moscas e excremento. 

Curioso é o burlesco que nos soa um guarda-roupa, por exemplo, quando revisitamos uma antiga (?) série, em voga dos anos oitenta, como a do muito British e europeu “Inspector Morse” ou num ataque de revivalismo revisitamos a sonoridade e paisagem do festival Woodstock, afogada em toneladas de Canábis, pilosidade e devaneios idealistas, daquela miudagem que acreditava sinceramente que a juventude era algo mais do que um efémero acidente do seu imparável processo de envelhecimento. E quanta grosseria e boçalidade não vivia disfarçada por uns óculos escuros, longas barbas, lenço na cabeça e calças à boca-de-sino. O tempo se encarregará de fazer esquecer estes egos estéreis no anonimato da demografia e das estatísticas.
Estou em crer que a moda torna-se num verdadeiro problema quando é motor da política, subjugada ao jogo mediático na conquista das massas consumidoras e democráticas; quando ela se move e se motiva embalada pela espuma dos dias, com causas vácuas de que os nossos vindouros troçarão impiedosamente. Julgo que é exigível às lideranças partidárias, jornalistas e comentadores profissionais um esforço suplementar para a produção de um discurso mais elaborado e perene. Para tanto basta não levantar demasiado os pés da realidade e das prioridades que ela reclama, tendo em conta o bem comum. Que um jornal ou noticiário de hoje não nos pareça daqui a 30 anos um anacrónico guião de um filme pimba.

A ética republicana não chega?

Era mesmo de um "Código de Conduta" aquilo que os nossos governantes estavam a precisar. 

Outra coisa Dr. Santos Silva: se afinal não foi "nada de mais" a conduta dos secretários de Estado, porque devolvem o dinheiro?

Metafísicas

O velho padre da aldeia já andava intrigado com o afluxo de forasteiros que ultimamente rondavam o átrio da sua Igreja com o telemóvel em riste como se de um radar se tratasse. Já ouvira falar daquele "jogo" tão em voga, mas foi quando os irrequietos escuteiros lhe explicaram que não só o edifício estava rodeado por alguns "Pokémons raros" como na torre sineira que se erguia da residência paroquial estava localizada uma "PokéStop" que quase perdia a sua proverbial e evangélica paciência.