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João Távora

O silêncio dos inocentes

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O meu amigo Filipe Nunes Vicente por vezes não resiste à sua costela jacobina e agora vem (uma vez mais) reclamar do silêncio da Igreja a propósito da violência doméstica e para tanto propõe-nos uma pesquisa no Google à qual eu me atrevo a sugerir outra: “Patriarcado do Lisboa + Violência Doméstica”. Aí encontrará o Filipe diversas referências ao tema com proveniência de diferentes sectores da hierarquia da Igreja - claro está que, se o Estado decidisse legalizar a violência doméstica, de outro modo tocariam as trombetas. Nesse jogo de retórica o Filipe demonstra algo que já sabíamos: que não frequenta e mal conhece a Igreja dos dias de hoje, lugar em que diariamente se acolhem e socorrem os casos mais dramáticos de pessoas em busca de caminho, de redenção, quantas vezes nossos vizinhos envergonhados. Esses casos tanto podem ser de  agredidos ou agressores: essa é a radicalidade do acolhimento de Jesus Cristo. Ora acontece que é na Igreja, não isenta de erros e limitações na sua actuação capilar e profundamente orgânica, que diariamente se apela à evangelização e à consequente partilha da mensagem de Jesus Cristo de Misericórdia, de Amor e de Perdão aos homens e mulheres de boa vontade. Pusessem em prática as comunidades cristãs os ensinamentos de Cristo e não se encontraria aí exemplos de violência doméstica. Como disse o papa Francisco certo dia, “a Igreja não é um hotel de santos, é antes um hospital de pecadores”. Mas acontece que, se há algum local na sociedade civil em que se empreende um trabalho profundo de prevenção à violência doméstica é entre os cristãos. É na Igreja que se realizam os CPM (Centros de Preparação para o Matrimónio) cada vez mais exigentes, e é também na Igreja onde os casais encontram à sua disposição movimentos de leigos que têm em especial atenção a vida do casal na coerência com a mensagem de Cristo, nomeadamente as Equipas de Nossa Senhora de que faço parte, movimento mundial fundado pelo Padre Henri Caffarel nos anos 40 para uma catequese e caminhada na fé em casal. Por todas estas razões, por causa da intervenção eminentemente orgânica que a igreja promove na vida dos seus fiéis e nas suas comunidades, o comentário do Filipe me parece profundamente injusto. De resto, tenho algumas reservas quanto à exacerbação do conceito de “violência doméstica” em contraste com a “simples” violência física ou psicológica que uma mente perturbada é capaz de praticar contra o seu próximo, seja por motivos passionais ou crendices intelectualizadas. A crueldade humana mascara-se de várias formas - tem de ser veementemente punida e denunciada. Curioso como um crime como o perpetrado em Barcelos produz quase as mesmas consequências práticas que o acto de terrorismo de Londres. Em comum, para além da utilização da faca como arma, têm o facto de ambos provirem de mentes profundamente perturbadas e nos atirarem à cara o potencial malévolo que reside coração do Homem, de qualquer raça ou credo. Isto sim é para mim profundamente inquietante.

Cavalo de Troia

Londres foi abalada por um mais um acto de terrorismo. A sociedade inglesa deveria envergonhar-se por gerar estes fenómenos, de gente desenraizada, coitada, temerosa do desemprego e ameaçada pela cultura dominante que segrega as culturas forasteiras. É o capitalista na sua ânsia do lucro e da riqueza que a montante gera a segregação das religiões minoritárias, a islamofobia, e o egoísmo dos povos contra os migrantes que procuram apenas um espaço para se instalarem com as suas culturas exóticas para depois serem explorados em empregos de baixos salários. Uma austeridade que promove a revolta nos bairros periféricos, que favorece os populismos e os extremismos de direita como Marine Le Pen e Geert Wilders que são uma ameaça à Europa democrática e multiculturalista. Que devia envergonhar-se por deixar crescer no seu seio fenómenos de segregação de culturas minoritárias e exóticas cujos membros, radicalizados pelas contingências, com a revolta se vêm obrigados a enveredarem pela violência, coitados.

Voltar aonde fui feliz

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Foi com imensa emoção que há dias, cerca de 40 anos passados, voltei a entrar na "Casa da Avenida", o 232 da Avenida da Liberdade, ocasião que aproveitei para tirar muitas fotografias de pormenores da sua arquitectura e decoração das áreas comuns que me servirão de apoio à crónica que me encontro a elaborar sobre a sua história centenária. Trata-se sem dúvida de um conceito arquitectónico de transição do “palácio” para o apartamento moderno, como se pode verificar pela organização das casas e pela rica decoração quase aristocrática das generosas áreas comuns – garnde hall de entrada, escadaria e patamares entre os andares. Aqui apresento uma fotografia dos alvores do prédio estreado em 1892, talvez já princípio do século XX, em que apresenta a fachada pintada de forma absolutamente inédita para mim, provavelmente com a pintura original, em que a área rebocada ostenta uma cor escura (Ocre? Azul? Cinza?) que, com o contraste com a cantaria que emoldura as janelas e varandas, proporciona um aspecto muito mais sofisticado ao edifício, mais consentâneo com o requinte do seu interior.

Da decadência

Com a coesão social no ocidente profundamente ameaçada não só pelas ideologias, estes tempos confusos, de perda de valores e de profunda crise económica (sim o paraíso da geringonça é uma espécie de experiência psicadélica que vai passar depressa), somos desafiados a saber ler os sinais mais desconcertantes dos lados mais improváveis. Perigoso é o preconceito que tolda a inteligência e empobrece o pensamento, nesta época conturbada em que mais se exigem respostas sábias. E é um erro tomarem-se por garantidas as "seguranças" que temos hoje.

Lançamento no Porto

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Uma tarde inesquecível com Francisco José Viegas, Álvaro Sequeira Pinto, Jorge Leão e Vasco Lobo Xavier, no Museu Soares dos Reis para apresentação do meu livro "Crónicas Moralistas" na cidade do Porto. A apresentação teve o apoio da Real Associação do Porto, no âmbito do seu protocolo com a Associação dos Amigos do Museu Nacional Soares dos Reis.

Nada de novo

A propaganda política dá-se mal com complexidade, e assim sendo, dá-se mal com a verdade. A verdade é sempre mais fácil de definir em pequenas parcelas que dão bons "soundbites", as meias-verdades com as quais se esgrimem argumentos em política – a essa distorção agora chamam-lhe pós-verdade e populismo.

A guerra nas nossas ruas

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Rua de Stº Antº dos Capuchos em Lisboa

 

Antes de instalar o meu escritório em Cascais na centralíssima e animada Rua Visconde da Luz, ao lado do jardim com o mesmo nome, fui indagar sobre o eminente cascalense que se esconde por detrás do marido traído (para não usar uma terminologia vernacular) por Rosa Montufar Barreiros, amantíssima musa de Almeida Garrett, conhecida pela sua beleza lendária. Afinal não era apenas esse infortúnio que tornara célebre o oficial do exército liberal que nesta vila piscatória construiu uma casa de veraneio e plantou algumas árvores. Dos heróis derrotados dessa guerra civil, em matéria de toponímia sobrou para amostra a Bica d’el Rei D. Miguel, restaurada há pouco ali no Arsenal da Marinha, junto ao rio Tejo.

A verdade é que a maior parte das pessoas é indiferente à origem dos nomes das avenidas, praças, ruas ou fontanários das nossas terras. E no entanto, a toponímia das nossas cidades, vilas e aldeias esconde uma contenda encarniçada que com raras excepções só os vencedores admite, mesmo que eles tenham sido os mais requintados tiranos ou umas completas nulidades.

Está hoje cientificamente provado que o revisionismo de grande parte da toponímia nacional pelos republicanos de 1910 quedou-se como o seu principal legado. Em Lisboa, entre muitíssimas outras renomeações, a Avenida Rainha D. Amélia passou a chamar-se avenida Almirante Reis, o Cândido comandante da revolta que se suicidou espetando um balázio nos miolos dois dias antes da implantação da dita, convencido de que a revolução estava perdida – sem dúvida um grande feito. E temos o pobre Frederico Ressano Garcia, arquitecto das Avenidas Novas em finais do século XIX que dava nome a uma conhecida artéria que rasgava o planalto urbano em direcção ao Campo Grande: o seu nome foi descartado e a arejada avenida forçada a ser da República. Logo ali ao lado, a Avenida António Maria Avelar foi rebaptizada por avenida Cinco de Outubro. Se eu lá morasse tinha logo mudado de casa.

Bem pior é a quantidade de eminências pardas que empestam a toponímia das nossas cidades, como é o caso flagrante de Miguel Bombarda, vulgar psiquiatra e medíocre publicista republicano assassinado por um seu doente em vésperas da revolução de 1910, de que não se lhe conhece obra que se veja mas que bate Luís de Camões, Gil Vicente, Fernando Pessoa ou outra figura pública em qualquer lugarejo deste jardim à beira-mar plantado. Se um marciano aterrasse hoje numa cidade portuguesa pensaria que Miguel Bombarda e Elias Garcia (alguém lhe conhece feito ou obra?) são as mais gradas figuras históricas nacionais.

É curioso como na cidade de Almada se cruzam ruas Catarina Eufémia, Padre Américo, Aliança Povo-MFA, Dr. António José de Almeida, rei D. Carlos, 31 de Janeiro, José Afonso e Padre António Vieira e Sagueiro Maia. Mas a suprema ironia é a história de um militante e resistente monárquico, um bravo da Galiza com papel preponderante nas Incursões Monárquicas e na Monarquia do Norte, que depois do exílio atingiu o final da vida em grande miséria, e foi viver para uma habitação social atribuída por Salazar na… Avenida Defensores de Chaves. Definitivamente o António não era flor que se cheirasse.

Tenho para mim que os nomes de personalidades a atribuir a topónimos deveriam ser submetidos ao crivo do tempo, quer dizer, da história; e as ganas da homenagem dos seus partidários serem contidas por cem anos, ou mais, antes de se tornarem um factor de desvalorização imobiliária, que é o que acontece antes das pessoas comuns se esquecerem quem foi o pilantra com o nome gravado em determinada tabuleta.

Ninguém se incomodará com uma rua Gil Vicente, Rua Alexandre Herculano, Rua Eça de Queirós, Rua D. Pedro V, Praça Luís de Camões ou Calçada Marquês de Abrantes. Entretanto, diante da expansão urbana, deveríamos fazer como os antigos que sabiam dar nomes bonitos partindo do mérito dos próprios locais. Rua da Alfarrobeira, Rua das Gaivotas, Rua dos Mastros, Rua Navegantes, Rua do Poço Novo, Beco das Terras, Rua da Vitória, Rua da Saudade, Rua da Bela Vista, Rua do Alto do Moinho Velho, Rua das Gáveas, Rua da Horta Seca, Travessa da Espera, Rua da Misericórdia, Rua das Mercês ou dos Fiéis de Deus — tudo nomes que irradiam encantamento e que, por isso, estou convencido, têm o condão de ajudar a fazer dos seus habitantes pessoas melhores e mais felizes...

 

Publicado originalmente no jornal i