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João Távora

Lançamento de “Os apelidos portugueses - Um panorama histórico” de Carlos Bobone

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A notícia de que o Carlos Bobone decidiu partilhar um pouco da sua imensa erudição e conhecimento em forma de Livro é para mim, seu amigo de longa data, uma das grandes notícias do ano.

Tendo tido eu o privilégio de o acompanhar no projecto do Centenário da República que durante 3 anos foi dinamizado com muitos dos seus ensaios e crónicas com vista à desconstrução da propaganda nas celebrações da revolução de 1910, fui testemunha da preocupação do Carlos, não em exibir a sua imensa sabedoria, mas com o cuidado de imprimir uma grande clareza nos seus textos, sempre com a tónica assente nas singularidades que dão colorido à informação, sem jamais comprometer um sério compromisso com a verdade, sempre complexa, como bem sabemos. Estes são sinais que alimentam a minha curiosidade a respeito do seu livro “Os apelidos portugueses - Um panorama histórico” a ser lançado amanhã 5ª feira às 18,00hs no Salão Nobre do Palácio da Independência, na certeza de que se trata de uma obra de grande exigência intelectual e científica, digna de um distinto historiador.

Comunicado da Casa Real Portuguesa

O Senhor Dom Duarte Pio enviou de Dili um comunicado a propósito da tragédia de Pedrógão Grande cuja divulgação e partilha me parece de grande pertinência:

 

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 Comunicado

 

Em visita de trabalho ao interior de Timor-Leste, só tardiamente tive conhecimento dos incêndios que destruíram tantas vidas e bens na região de Leiria. Com a minha Família peço a Deus que acompanhe as Almas das vítimas e dê esperança aos sobreviventes.
Mas depois da ajuda imediata a quem precisa, teremos que tomar, com conhecimento científico e coragem política, as medidas necessárias para combater eficazmente estas tragédias que todos os anos atingem as populações e destroem as nossas florestas.
Há anos que são conhecidas as causas e as soluções, mas as medidas de fundo não são aplicadas...
O combate continua a ser heroicamente conduzido pelas nossas Corporações de Bombeiros, enquanto a maioria se lamenta mas não atua.
Temos a obrigação de agir já, com iniciativas cívicas e políticas, práticas e eficientes.
É preciso convencer os Governantes, por nós eleitos, a acabar com este estado de desordem do território e de abandono do mundo rural, bem como de frequente impunidade dos criminosos.
Nós somos capazes de grandes feitos perante situações dramáticas; desta vez a morte e sofrimento de tanta gente não pode ser em vão!

 

Dom Duarte de Bragança
Dili, 18 de Junho de 2017

Dito de forma simples: é uma vergonha um país que deixa morrer 64 pessoas num incêndio florestal

Na sua entrevista à TVI, o cândido do António Costa - cujo governo tinha apontado "zero mortes" como principal objectivo do Dispositivo Especial de Combate a incêndios - além de afirmar-se convicto de que tudo decorreu regulamente na gestão da tragédia de Pedrógão Grande e que a sua ministra é apenas uma vítima do duro cargo que exerce, disse sem se rir, que não se pode exigir que se faça em pouIos dias aquilo que não se fez em décadas, como se ele não estivesse tido um papel político preponderante nessas décadas, desde logo ministro Estado e da Administração Interna do governo Sócrates. Nem que seja por isso exige-se-lhe um pouco de pudor.

Algumas notas sobre a tragédia de Pedrógão Grande

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1. O registo emocional em que muita gente prefere permanecer no que à tragédia de Pedrógão Grande diz respeito não é  bom conselheiro: sabemos bem que mais fácil é arranjar um bode expiatório, um alcoólico incendiário para cima de quem canalizar a fúria e a indignação, mas isso não serve para nada – não alivia a dor dos vivos nem ressuscita as vidas tombadas. 

2. Dar ênfase à questão da ignição que deu origem ao fogo, se foi um raio ou um maluquinho, é uma forma de evitar a questão principal, que é a de perceber porque é que Portugal é campeão em fogos florestais para que - de uma vez por todas - se concentrem as políticas na prevenção, promovendo reformas para um ordenamento do território de acordo com o clima que nos coube em sorte.

 

3. “Hoje, através da actuação da Autoridade Nacional de Protecção Civil, verificamos uma enorme evolução em termos da segurança da população e da salvaguarda do património, com melhorias significativas em termos de capacidade de resposta operacional, mas também com o necessário aprofundamento das políticas de prevenção, investindo-se no planeamento de emergência, na minimização de riscos e nos sistemas de alerta e de aviso às populações.” Estas palavras eram proferidas pela ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa em Março do Ano passado por ocasião do 15º aniversário da Tragédia de Entre-os-Rios. Passado pouco mais de um ano, esse "país das maravilhas" não resistiu à realidade das coisas. 

 

4. Numa democracia avançada todos os factos de uma tragédia desta envergadura têm de ser escrutinados e tiradas as consequências, não é preciso esperar três dias para se questionar tudo o que houver para questionar. Para que é que serve um Estado que não sabe, não consegue, proteger os seus cidadãos? Como bem refere aqui o nosso Henrique Pereira dos Santos, “Aquilo a que na maior parte das vezes se chama “imprevisibilidade” em matéria de fogos é, na verdade, ignorância. Uma das armas mais letais que existem.

 

5. A par da assinalável mobilização da sociedade civil no apoio material às populações afectadas pela tragédia e aos bombeiros acredito na importância da oração. As minhas orações por estes dias vão para as vítimas e para as famílias enlutadas.

 

Fotografia - Observador

 

Triste destino, trágico fado

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Pensar que é só no futebol que se estabelecem relações promiscuas e tráficos de influências para obtenção de vantagens evitando as regras e os canais institucionalizados seria uma ingenuidade. Para já, a reversão de 50% do capital da TAP para o Estado permite a distribuição de mais uns cargos pelos amigos do regime, e a família de Carlos César é apenas a ponta do iceberg de uma cultura de paternalismo e dependência de que não nos conseguimos libertar. O chico-espertismo perpassa de geração em geração. Por isso adjectiva-se a ética de “republicana”: é uma ética esvaziada, dependente e servil, condicionada pela casta que dela se apropriou e se perpetua na orla do poder, com a mão na malga para sorver do grande tacho, qual caricatura do antigo Rafael Bordalo Pinheiro.  Neste Portugal eternamente socialista pouco valor terá o mérito, o engenho e a iniciativa que estão condenados a ser vistos pelos olhos mesquinhos da inveja e do cobrador de impostos. Afinal a glória tem sempre um atalho, é alcançável com um mero telefonema ou um email dirigido à pessoa certa. Com as relações certas. Por isso estamos condenados à pobreza e à pedinchice. Triste destino, trágico fado o nosso.

Uma conversa no Largo do Caldas

CONVERSAS DO CALDAS

JOÃO TÁVORA

 

João António de Castro de Lencastre e Távora nasceu a 15 de agosto de 1961, em Lisboa. Empresário na área da comunicação e do marketing, cofundador da Sinapse Media – Agência de Comunicação. Presidente da Direção da Real Associação de Lisboa. Militante de base do CDS em Cascais.

João Távora começou a sua vida política muito cedo, aos 14 anos. Em termos partidários, primeiro no Partido da Democracia Cristã (PDC), fundado por Sanches Osório, instituição política que teve vida curta, como é conhecido, por ter sido ilegalizado no contexto do PREC. O pai de João Távora, Luiz de Lencastre e Távora, já falecido em 1993, era um militante ativo do CDS, passava então muito do seu tempo no Largo do Caldas e terá tido a sua influência na proximidade que o filho ganhou ao partido. Esclarece-nos que “foi mais do que isso, comecei a ganhar um gosto genuíno pelas cores e pelas causas do CDS”. Desde o primeiro momento fez questão de ser muito ativo, de ter uma militância forte, frequentador assíduo do núcleo do CDS de Campo de Ourique, “participei nas campanhas, distribuí panfletos, colei cartazes, isso tudo, sobretudo nos anos quentes de 1975 e 76”.

O seu percurso profissional e a intensificação da sua militância monárquica motivaram o desvio da participação político-partidária, que mais tarde, contudo, acabou num regresso ao CDS em 2008. O nosso convidado trabalhou entre 2002 e 2007 como responsável pelo desenvolvimento e gestão da comunicação do grupo hoteleiro Tivoli, e a partir de 2007 na gestão de comunicação de um projeto de mediação de imobiliário de luxo. Contudo, encerrada esta etapa, em 2010 inicia outra, sendo cofundador da Sinapse Media, que dirige até hoje. Presta serviços de comunicação empresarial e marketing, sobretudo a micro e pequenas empresas, tentando contribuir para o sucesso de pequenos negócios. Colaborou ainda profissionalmente com o IDL-Instituto Amaro da Costa, no sentido da divulgação das suas atividades, através de reportagens fotográficas, gravação e transmissão vídeo de conferências e debates que “dada a qualidade dos seus intervenientes e a excelência dos conteúdos seria uma pena ficarem confinadas às paredes da sede na Rua do Patrocínio”.

Por falar em Amaro da Costa, esta personalidade é uma referência para João Távora. Quando era mais novo ia assistir a sessões no Parlamento para poder apreciar a qualidade de tribuno e parlamentar daquela figura emblemática do CDS e da política portuguesa.”Nunca tive o dom da oratória, talvez por isso admiro imenso quem o tem”, menciona o nosso convidado. “Talvez o único fora do CDS que lhe fizesse frente a esse nível fosse Mário Soares”, mas Amaro da Costa era “na rapidez de raciocínio, na lucidez das respostas, uma pessoa única, sobretudo numa época de confronto muito aceso”, sublinha João Távora. Estabelece uma comparação com Diogo Freitas do Amaral que considera uma pessoa “mais pacificadora, mais moderada no tom” e o “Adelino era uma pessoa com um rasgo excecional”, remata.

Em 2006 começou a sua atividade na blogosfera, e ainda a mantem. Foi convidado para um blog composto sobretudo por jornalistas, sendo o único não jornalista de profissão, o “Corta-fitas” http://corta-fitas.blogs.sapo.pt/. De pendor liberal e conservador, de direita, João Távora, e também Duarte Calvão, “são os únicos sobreviventes daquela nau” que tentam levar, certamente, a bom porto. Para além do comentário político, utiliza a escrita livre e não profissional em comentários de carácter mais intimista, sobre diversos temas da vida em geral, uns mais ensaísticos, outros mais biográficos. Considera que “uma visão política deve pressupor uma visão pessoal do mundo”, “quem me conheça como um conservador ou um liberal deve saber que por detrás disso está uma vivência, uma sensibilidade perante a vida, e isso põe verdade nas nossas opções”, afirma com convicção. “Passa a ser mais do que um mero panfleto”, “é algo com um fundamento e que ultrapassa o meramente político”, conclui. Dá ainda mais uma nota, “gosto da palavra propaganda”, relembra a conotação algo negativa, associada ao Estado Novo, mas é uma “atividade nobre que é mostrarmos o lado mais nobre das coisas”.

Falámos de uma certa “tormenta” que a blogosfera política atravessou quando surgiram novas plataformas de comunicação, redes sociais como o facebook. João Távora reconhece que “muita gente deixou a blogosfera, mas os blogs que resistiram tornaram-se mais fortes”, sendo um dado concreto “o elevado número de visualizações”. Fala do Corta-fitas que revela mais de mil leitores em média diária, “por isso continua a valer a pena”, deduz. Em ocasiões concretas, em temas muito específicos chega, inclusivamente, a aumentar exponencialmente para o dobro ou o triplo, segundo as informações do convidado desta “conversa do Caldas”.

Diz-nos que “é preciso ter cuidado com as ideologias. Eu estou num meio-termo”. É da opinião que faz sentido que as ideias políticas tenham uma base ideológica, mas quando esta “choca com a realidade, e muitas vezes choca, não devemos ser escravos da ideologia”. “Deve ser algo instrumental e não um fim em si mesmo”, concorda o autor das “Crónicas Moralistas” com esta deixa. Reconhece que “não tenho grandes expectativas nas grandes ideologias, muito pelo contrário, mas é bom podermos catalogar as coisas e organizar a realidade”.

Dá o exemplo da coligação do anterior governo, na altura em que iniciou funções foi possível alimentar expectativas na liberalização do país, “uma libertação da força sufocante que ainda tem o Estado”, mas que acabou por não ser completamente possível pois a realidade, bem dura naquela ocasião, impôs-se. Em matéria económica assume-se claramente como um liberal, considera que há ”um excesso de Estado, é demasiadamente forte e paternalista”. Reconhece que é uma questão que não se muda de um dia para o outro, é algo geracional, é “preciso educar as pessoas à participação, para perceberem que têm na suas mãos as ferramentas para servir o Estado e não servirem-se dele”. Ambiciona esse país “mais liberto, que reconheça as liberalidades”. Defende menos Estado, melhor Estado, um “Estado subsidiário”, completando que nesse aspeto é ”muito democrata-cristão”. Refere que por vezes é acusado de ser de direita radical, o que não corresponde à verdade, quer muito “uma sociedade mais autónoma e mais livre”.

Mudámos um pouco a agulha da conversa e aflorámos a questão da chefia de Estado e de regime Monarquia versus República. João Távora exclama que “o país não é republicano de todo”. Aponta a mobilização popular em grandes acontecimentos como o casamento do Senhor D. Duarte Pio, em Lisboa, ou o batizado do Príncipe da Beira, D. Afonso, em Braga. Contudo, por outro lado, admite que o país não se mobiliza muito por causas. Apesar disso, “as pessoas simpatizam com a Casa Real”. No imediato, mais do que perceber se há mais republicanos ou monárquicos, “embora haja estudos que apontam números próximos dos 40% de pessoas que são assumidamente republicanas, e cerca de perto de 30 % que se assumem como monárquicas, há uma fatia no meio que é considerável e que diz simpatizar com a Casa Real e não são avessas à Monarquia”. João Távora transmite-nos que mais do que saber isso com exatidão é mais relevante “ter uma Casa Real ativa e viva, com geração e sem contestação, haver na sociedade civil grupos e organizações que a apoiem e constituir uma reserva moral para o nosso percurso histórico”. “Seria um desperdício enorme deixar morrer essa ideia”, completa.

Lançou a ideia, e conta assim que lhe for possível dedicar-se mais a ela, da criação de núcleos monárquicos nos partidos. Faz saber que há monárquicos, ou simpatizantes da Casa Real Portuguesa, em vários quadrantes políticos e partidários, inclusivamente no PS e no PCP, cujos autarcas têm recebido muito bem o Senhor D. Duarte e a sua família por diversas ocasiões nos municípios que gerem. Reconhece que no seio destes será difícil fazer progredir a ideia referida, sendo mesmo “impossível no PCP pois não será permitido”. No entanto, insiste em fazer ver aos partidos que é um capital, um património que o país tem.

Em críticas dirigidas ao sistema republicano de chefia de Estado, nomeadamente este semipresidencialismo vigente, apontou-lhe diversas fragilidades como o conflito que potencia com o regime parlamentar, apelidou-o de “assustadoramente autofágico” e considerou “aberrante” a atitude do então Presidente da República, Jorge Sampaio, quando dissolveu o Parlamento onde existia uma maioria.

Reportou-se ao XXIII Congresso da Causa Real, que ocorreu no passado dia 3 de junho, em Braga. Esta instituição agrega as várias reais associações espalhadas pelos distritos do país, e é presidida neste momento por António Souza-Cardoso. Um dos momentos foi protagonizado por Nuno Melo, vice-presidente e eurodeputado do CDS, Paulo Teixeira Pinto e Ascenso Simões numa conferência/debate sobre a “Utilidade para Portugal da institucionalização do papel representativo da Casa Real Portuguesa”. Este último, deputado socialista, deu, no entendimento de João Távora, “uma lição de monarquismo a muitos monárquicos”. O dirigente associativo monárquico elogiou todas as participações, de figuras oriundas de vários espectros políticos, bem como a riqueza do debate subsequente.

A Real Associação de Lisboa, com cerca de três mil associados, “tem um pendor muito popular e é muito pouco elitista”, características facilmente aferíveis nas atividades da Real e nos seus participantes. João Távora reserva as tardes de quartas-feiras para atendimento aos associados e mais uma vez o que mencionámos anteriormente confirma-se na diversidade de estratos sociais que de perto acompanham a vida da associação. Tem sede no Largo de Camões, em Lisboa, e o seu presidente endereça um convite a todos para uma visita.

Destaca a iniciativa promovida pela Causa Real pela inclusão da Casa Real Portuguesa no protocolo de Estado. Conta já com mais de dez mil assinaturas, sendo já suficientes para os propósitos formais, mas irá prosseguir a fase de recolha e a tentativa de chamar mais personalidades e figuras públicas para este objetivo. Seguir-se-á a avaliação política e a eventual evolução para a apresentação da petição no Parlamento. “Serve para fazer justiça ao papel da Casa Real Portuguesa”, exclama João Távora. Na prática já é dado destaque ao chefe da Casa Real Portuguesa, é bem acolhido, mas na participação em cerimónias e atos oficiais é preciso arranjar-se subterfúgios pois nada está previsto e definido formalmente, explica-nos o presidente da Real Associação de Lisboa. Deixa a pergunta “qual é o medo de por isso no papel?“. “O Senhor D. Duarte que tem uma agenda de 2ª a domingo, anda pelos PALOP, por outros países da CPLP como Timor-Leste, a promover causas sociais, a língua e a cultura portuguesas, a dignificar o nome de Portugal”, clarifica João Távora.

Em relação ao atual governo, que tem beneficiado de uma conjuntura favorável, bem como o próprio Presidente da República, que excecionalmente tem conseguido algum equilíbrio e contribuído para uma certa estabilidade, que poderá não durar sempre se as condições mudarem, lembra João Távora. Foca-se na prática política pela positiva, com propostas úteis e necessárias, de forma construtiva, que o CDS e a sua presidente, Assunção Cristas, têm feito na oposição, num papel não muito fácil, reconhece o nosso convidado.

Residente e eleitor em Cascais, faz uma apreciação bastante positiva do trabalho do CDS no concelho, nomeadamente do vereador Frederico Pinho de Almeida e do presidente da Junta de Freguesia de Cascais e Estoril, Pedro Morais Soares, também secretário-geral do CDS. Prefere, no entanto, destacar a candidatura de Assunção Cristas à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, cidade onde João Távora nasceu, cresceu e viveu grande parte da sua vida. “Atitude corajosa, num desafio exigente e difícil, que marca presença quando outros se escondem e que revela um amor à minha cidade que me deixa bastante confortável”, foi a forma encontrada pelo alfacinha João Távora para comentar a candidatura de Assunção Cristas. Manifesta o seu incómodo por defrontar-se com uma cidade que ainda está abandonada, pouco amiga das pessoas, “uma cidade mais abrasiva e agreste”. Ainda há muito por fazer a vários níveis, nomeadamente na reabilitação urbana, concorda o convidado desta conversa.“Não estão a correr só com os automóveis do centro, estão a correr com as pessoas, o que é muito grave”, afirma. “Cada vez é mais antipático viver-se em Lisboa”, refere ainda. Se por um lado reconhece a importância do turismo e do acolhimento aos visitantes, por outro não hesita em dizer que Lisboa “não pode ser um cenário de Hollywood”.

Já na reta final falámos do Sporting, seu clube de eleição, gosto herdado dos seus pais e tios. Adepto que sofre, sempre que pode vai ao estádio. Falámos também de música. Revela-nos ser colecionador de discos de vinil, aprecia música popular, pop/rock, também clássica, enfim é um homem de um gosto musical bastante eclético. Os seus discos de vinil são peças de coleção que ouve, quer o mais atual, o “vinil reabilitado”, quer discos que possui e que têm mais de cem anos. É um explorador da música portuguesa do início do séc. XX, de registos fonográficos ainda do período monárquico que se delicia a ouvir no gramofone, no fonógrafo e noutros equipamentos que utiliza para a audição desses suportes mais antigos. Como fizemos menção, concilia estas preferências com um gosto por música mais moderna, destacando como autores da sua vida Peter Gabriel, Neil Young, Leonard Cohen, David Bowie, os Radiohead.

Com o João Távora a dar-nos música, no bom sentido evidentemente, terminámos mais uma das “Conversas do Caldas”.

 

Entrevista por André Dores para a Folha CDS de 13 de Junho de 2017

A vida bloqueada num ecrã de 4 polegadas

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Leio hoje no jornal i que, segundo um estudo do projecto FAQtos desenvolvido no INOV – INESC do Instituto Superior Técnico, a maioria dos jovens portugueses desde os 10 anos já têm telemóvel. Responsável pela educação de quatro filhos em que se inclui uma criança dessa idade, confesso que esta noticia me choca. Acontece que procuro remar contra essa maré até ao limite das minhas forças pois tenho para mim que este fenómeno significa um retrocesso civilizacional com consequências incalculáveis para o desenvolvimento humano das novas gerações. Um dia destes na televisão ouvia um professor de educação física reclamar como, após finalmente instalada uma oferta de infra-estruturas desportivas por todo o território nacional, aqui chegados se tornava cada vez mais difícil seduzir os jovens para a actividade desportiva; de como ele nos últimos vinte anos testemunhava uma mudança radical na paisagem dos recreios escolares: daquela antiga em que os alunos povoavam todos os espaços possíveis improvisando campos de futebol com balizas feitas com as mochilas, à dos nossos dias em que a grande maioria se entretém nos intervalos e horas vagas solitariamente a consultar o seu telemóvel.

Quem conhece as potencialidades de entretenimento (de alienação) dos modernos dispositivos, com jogos e aplicações espantosamente atractivos e viciantes sabe bem o potencial nefasto que eles significam para as crianças incautas. Uma alternativa à relação com a realidade e às relações humanas com as suas frustrações naturais, que assim são substituídas por "realidades alternativas" e relacionamentos virtuais, superficiais, ilusórios. Sei que mais tarde ou mais cedo terei que ceder às expectativas do miúdo, que anseia por ter um telemóvel como se isso significasse a sua redenção e a sua passagem para o mundo dos mais crescidos. Mas antes disso acontecer, cabe-me limitar-lhe tanto quanto possível os potenciais danos, permitindo-lhe o convívio com os amigos sem intermediação tecnológica: joguem à bola, brinquem com brinquedos, disputem videojogos em grupo, vejam filmes e partilhem leituras com os pais. Até ao limite das minhas forças. Temo muito pelo futuro destas gerações “mais bem preparadas de sempre” cheias de "tecnologia" mas que não sabem trabalhar num Excel nem nunca leram um livro.

O pior cego é aquele que não quer ver

Não pode deixar de causar-nos profunda consternação o facto que sucedeu na quarta-feira quando os jogadores da selecção da Arábia Saudita num confronto da fase de qualificação para o Mundial 2018 com a Austrália em Adelaide desrespeitaram ostensivamente o minuto de silêncio em memória das vitimas do ataque terrorista (duas delas eram australianas) sucedido no dia anterior em Londres. Curioso como a realização da TV evita cirurgicamente transmitir essas desconcertantes imagens, focando-se nas bancadas e em ângulos em que a câmara apenas capta os jogadores australianos. Curioso que esta foi uma atitude tomada pelos jogadores por sua livre vontade, dado que a cerimónia estava combinada entre a organização e as respectivas federações. Não seria a intenção dos jogadores sauditas corresponderem às expectativas dos seus compatriotas que seguiam a transmissão em directo?
Até quando no ocidente vamos enfiar a cabeça na areia como as avestruzes e contar que os "muçulmanos moderados" sejam complacentes e evitem o confronto com a nossa civilização? O pior cego é aquele que não quer ver.

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A irmandade

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Quis o destino e os meus pais que eu tivesse crescido com um irmão e três irmãs. Não sendo eu o mais velho, quando era pequeno sentia a obrigação de ajudar a tomar conta desse rebanho caótico em que nos tornávamos nas idas ao jardim Zoológico, à Feira Popular ou de comboio para uma praia da Linha do Estoril com a minha mãe. Sorte a nossa, apesar de franzina como era, ela não deixava os créditos em mãos alheias, e hoje estou em crer que foi com a ajuda divina nunca apanhámos mais do que um pequeno susto nas nossas múltiplas expedições de lazer. E lembro-me bem como ela tinha de negociar duro com o motorista para viajarmos os seis num só táxi, num tempo em que não se usavam cintos de segurança. 

Deus plantou quatro irmãos na minha vida, e no princípio eram eles os principais povoadores do meu mundo de brincadeiras e que me ajudavam a relativizar os sucessos e frustrações vividos fora de casa. Éramos cinco, conhecidos pelas outras casas da família pelos “Abrantes”. Todos em escadinha, pouco mais de um ano diferença entre cada um, não me perguntem como, mas cabíamos num Volkswagen carocha com o meu pai ao volante e a minha mãe com a mais pequena ao colo no lugar do morto. Foi nesses preparos que viajámos algumas vezes para férias de Lisboa para Milfontes.

Os meus irmãos eram o barulho à minha volta, o choro e o riso, horas e horas de brincadeiras, provocações, lutas e disputas que preenchiam o imenso tempo livre que tinham as crianças do meu tempo. Mas foram os tempos difíceis de uma crise complicada que vivemos a seguir ao 25 de Abril que nos obrigaram a crescer mais depressa e nos entrelaçaram para sempre. Por essa altura a treinar a democracia em casa, habituámo-nos a dizer uns aos outros o que nos passava pela cabeça – a sinceridade é um perigo - e foi devagarinho que a vida cuidou, com algumas zangas de premeio, de nos ensinar a preservar melhor os espaços de cada um. Mas julgo que foi também por causa dessa cumplicidade excessiva que os nossos conflitos sempre se resolveram, com a ajuda do tempo e com pedidos de desculpas, mais ou menos hesitantes, mais ou menos a contragosto. Ao contrário do que nos querem fazer crer os versos e as fotografias idílicas partilhadas nas redes sociais no “Dia dos irmãos”, desconfio que ser irmão é das coisas mais difíceis que existem: se na infância a nossa “fraternidade” lúdica era muitas vezes interrompida por zaragatas épicas, com a adolescência e mais tarde na idade adulta, o nosso olhar, mesmo que inocente, começou a conter o peso da nossa história e as suas susceptibilidades. Se a relação chegada entre irmãos é tida como o modelo para a solidariedade entre as pessoas, é dessas relações que sempre nasceram discórdias de dimensão bíblica – veja-se o caso de Caim que se deixou dominar pela corrosão do ciúme e da inveja, assassinando cruelmente o seu irmão Abel. Ao contrário do que está socialmente estabelecido, não é fácil amar como irmãos, muito menos para os ditos. Ser irmão é um regime muito perigoso e desafiante: um dia convivemos descaradamente no ninho, perdemos a cerimónia enquanto nos cresciam as penas, vimo-nos por dentro uns aos outros – somos feitos da mesma massa. As zangas quando acontecem são brutais. Ser irmão fora dos tempos de crise que nos unem em entreajuda, exige um particular cuidado e sensibilidade.

Mas há uma atracção fatal que nos mantém unidos, e quando nos encontramos os cinco, somos bem mais do que testemunhas das décadas que nos vêm amarrotando. Certo é que todos somos parte integrante do que cada um se fez e do rumo que tomou. E que esse sentimento de pertença nos leva a marcar presença e dizer “pronto” sempre que  surge alguma urgência ou aflição - as raízes acabam sempre por falar mais alto.