CONVERSAS DO CALDAS
JOÃO TÁVORA
João António de Castro de Lencastre e Távora nasceu a 15 de agosto de 1961, em Lisboa. Empresário na área da comunicação e do marketing, cofundador da Sinapse Media – Agência de Comunicação. Presidente da Direção da Real Associação de Lisboa. Militante de base do CDS em Cascais.
João Távora começou a sua vida política muito cedo, aos 14 anos. Em termos partidários, primeiro no Partido da Democracia Cristã (PDC), fundado por Sanches Osório, instituição política que teve vida curta, como é conhecido, por ter sido ilegalizado no contexto do PREC. O pai de João Távora, Luiz de Lencastre e Távora, já falecido em 1993, era um militante ativo do CDS, passava então muito do seu tempo no Largo do Caldas e terá tido a sua influência na proximidade que o filho ganhou ao partido. Esclarece-nos que “foi mais do que isso, comecei a ganhar um gosto genuíno pelas cores e pelas causas do CDS”. Desde o primeiro momento fez questão de ser muito ativo, de ter uma militância forte, frequentador assíduo do núcleo do CDS de Campo de Ourique, “participei nas campanhas, distribuí panfletos, colei cartazes, isso tudo, sobretudo nos anos quentes de 1975 e 76”.
O seu percurso profissional e a intensificação da sua militância monárquica motivaram o desvio da participação político-partidária, que mais tarde, contudo, acabou num regresso ao CDS em 2008. O nosso convidado trabalhou entre 2002 e 2007 como responsável pelo desenvolvimento e gestão da comunicação do grupo hoteleiro Tivoli, e a partir de 2007 na gestão de comunicação de um projeto de mediação de imobiliário de luxo. Contudo, encerrada esta etapa, em 2010 inicia outra, sendo cofundador da Sinapse Media, que dirige até hoje. Presta serviços de comunicação empresarial e marketing, sobretudo a micro e pequenas empresas, tentando contribuir para o sucesso de pequenos negócios. Colaborou ainda profissionalmente com o IDL-Instituto Amaro da Costa, no sentido da divulgação das suas atividades, através de reportagens fotográficas, gravação e transmissão vídeo de conferências e debates que “dada a qualidade dos seus intervenientes e a excelência dos conteúdos seria uma pena ficarem confinadas às paredes da sede na Rua do Patrocínio”.
Por falar em Amaro da Costa, esta personalidade é uma referência para João Távora. Quando era mais novo ia assistir a sessões no Parlamento para poder apreciar a qualidade de tribuno e parlamentar daquela figura emblemática do CDS e da política portuguesa.”Nunca tive o dom da oratória, talvez por isso admiro imenso quem o tem”, menciona o nosso convidado. “Talvez o único fora do CDS que lhe fizesse frente a esse nível fosse Mário Soares”, mas Amaro da Costa era “na rapidez de raciocínio, na lucidez das respostas, uma pessoa única, sobretudo numa época de confronto muito aceso”, sublinha João Távora. Estabelece uma comparação com Diogo Freitas do Amaral que considera uma pessoa “mais pacificadora, mais moderada no tom” e o “Adelino era uma pessoa com um rasgo excecional”, remata.
Em 2006 começou a sua atividade na blogosfera, e ainda a mantem. Foi convidado para um blog composto sobretudo por jornalistas, sendo o único não jornalista de profissão, o “Corta-fitas” http://corta-fitas.blogs.sapo.pt/. De pendor liberal e conservador, de direita, João Távora, e também Duarte Calvão, “são os únicos sobreviventes daquela nau” que tentam levar, certamente, a bom porto. Para além do comentário político, utiliza a escrita livre e não profissional em comentários de carácter mais intimista, sobre diversos temas da vida em geral, uns mais ensaísticos, outros mais biográficos. Considera que “uma visão política deve pressupor uma visão pessoal do mundo”, “quem me conheça como um conservador ou um liberal deve saber que por detrás disso está uma vivência, uma sensibilidade perante a vida, e isso põe verdade nas nossas opções”, afirma com convicção. “Passa a ser mais do que um mero panfleto”, “é algo com um fundamento e que ultrapassa o meramente político”, conclui. Dá ainda mais uma nota, “gosto da palavra propaganda”, relembra a conotação algo negativa, associada ao Estado Novo, mas é uma “atividade nobre que é mostrarmos o lado mais nobre das coisas”.
Falámos de uma certa “tormenta” que a blogosfera política atravessou quando surgiram novas plataformas de comunicação, redes sociais como o facebook. João Távora reconhece que “muita gente deixou a blogosfera, mas os blogs que resistiram tornaram-se mais fortes”, sendo um dado concreto “o elevado número de visualizações”. Fala do Corta-fitas que revela mais de mil leitores em média diária, “por isso continua a valer a pena”, deduz. Em ocasiões concretas, em temas muito específicos chega, inclusivamente, a aumentar exponencialmente para o dobro ou o triplo, segundo as informações do convidado desta “conversa do Caldas”.
Diz-nos que “é preciso ter cuidado com as ideologias. Eu estou num meio-termo”. É da opinião que faz sentido que as ideias políticas tenham uma base ideológica, mas quando esta “choca com a realidade, e muitas vezes choca, não devemos ser escravos da ideologia”. “Deve ser algo instrumental e não um fim em si mesmo”, concorda o autor das “Crónicas Moralistas” com esta deixa. Reconhece que “não tenho grandes expectativas nas grandes ideologias, muito pelo contrário, mas é bom podermos catalogar as coisas e organizar a realidade”.
Dá o exemplo da coligação do anterior governo, na altura em que iniciou funções foi possível alimentar expectativas na liberalização do país, “uma libertação da força sufocante que ainda tem o Estado”, mas que acabou por não ser completamente possível pois a realidade, bem dura naquela ocasião, impôs-se. Em matéria económica assume-se claramente como um liberal, considera que há ”um excesso de Estado, é demasiadamente forte e paternalista”. Reconhece que é uma questão que não se muda de um dia para o outro, é algo geracional, é “preciso educar as pessoas à participação, para perceberem que têm na suas mãos as ferramentas para servir o Estado e não servirem-se dele”. Ambiciona esse país “mais liberto, que reconheça as liberalidades”. Defende menos Estado, melhor Estado, um “Estado subsidiário”, completando que nesse aspeto é ”muito democrata-cristão”. Refere que por vezes é acusado de ser de direita radical, o que não corresponde à verdade, quer muito “uma sociedade mais autónoma e mais livre”.
Mudámos um pouco a agulha da conversa e aflorámos a questão da chefia de Estado e de regime Monarquia versus República. João Távora exclama que “o país não é republicano de todo”. Aponta a mobilização popular em grandes acontecimentos como o casamento do Senhor D. Duarte Pio, em Lisboa, ou o batizado do Príncipe da Beira, D. Afonso, em Braga. Contudo, por outro lado, admite que o país não se mobiliza muito por causas. Apesar disso, “as pessoas simpatizam com a Casa Real”. No imediato, mais do que perceber se há mais republicanos ou monárquicos, “embora haja estudos que apontam números próximos dos 40% de pessoas que são assumidamente republicanas, e cerca de perto de 30 % que se assumem como monárquicas, há uma fatia no meio que é considerável e que diz simpatizar com a Casa Real e não são avessas à Monarquia”. João Távora transmite-nos que mais do que saber isso com exatidão é mais relevante “ter uma Casa Real ativa e viva, com geração e sem contestação, haver na sociedade civil grupos e organizações que a apoiem e constituir uma reserva moral para o nosso percurso histórico”. “Seria um desperdício enorme deixar morrer essa ideia”, completa.
Lançou a ideia, e conta assim que lhe for possível dedicar-se mais a ela, da criação de núcleos monárquicos nos partidos. Faz saber que há monárquicos, ou simpatizantes da Casa Real Portuguesa, em vários quadrantes políticos e partidários, inclusivamente no PS e no PCP, cujos autarcas têm recebido muito bem o Senhor D. Duarte e a sua família por diversas ocasiões nos municípios que gerem. Reconhece que no seio destes será difícil fazer progredir a ideia referida, sendo mesmo “impossível no PCP pois não será permitido”. No entanto, insiste em fazer ver aos partidos que é um capital, um património que o país tem.
Em críticas dirigidas ao sistema republicano de chefia de Estado, nomeadamente este semipresidencialismo vigente, apontou-lhe diversas fragilidades como o conflito que potencia com o regime parlamentar, apelidou-o de “assustadoramente autofágico” e considerou “aberrante” a atitude do então Presidente da República, Jorge Sampaio, quando dissolveu o Parlamento onde existia uma maioria.
Reportou-se ao XXIII Congresso da Causa Real, que ocorreu no passado dia 3 de junho, em Braga. Esta instituição agrega as várias reais associações espalhadas pelos distritos do país, e é presidida neste momento por António Souza-Cardoso. Um dos momentos foi protagonizado por Nuno Melo, vice-presidente e eurodeputado do CDS, Paulo Teixeira Pinto e Ascenso Simões numa conferência/debate sobre a “Utilidade para Portugal da institucionalização do papel representativo da Casa Real Portuguesa”. Este último, deputado socialista, deu, no entendimento de João Távora, “uma lição de monarquismo a muitos monárquicos”. O dirigente associativo monárquico elogiou todas as participações, de figuras oriundas de vários espectros políticos, bem como a riqueza do debate subsequente.
A Real Associação de Lisboa, com cerca de três mil associados, “tem um pendor muito popular e é muito pouco elitista”, características facilmente aferíveis nas atividades da Real e nos seus participantes. João Távora reserva as tardes de quartas-feiras para atendimento aos associados e mais uma vez o que mencionámos anteriormente confirma-se na diversidade de estratos sociais que de perto acompanham a vida da associação. Tem sede no Largo de Camões, em Lisboa, e o seu presidente endereça um convite a todos para uma visita.
Destaca a iniciativa promovida pela Causa Real pela inclusão da Casa Real Portuguesa no protocolo de Estado. Conta já com mais de dez mil assinaturas, sendo já suficientes para os propósitos formais, mas irá prosseguir a fase de recolha e a tentativa de chamar mais personalidades e figuras públicas para este objetivo. Seguir-se-á a avaliação política e a eventual evolução para a apresentação da petição no Parlamento. “Serve para fazer justiça ao papel da Casa Real Portuguesa”, exclama João Távora. Na prática já é dado destaque ao chefe da Casa Real Portuguesa, é bem acolhido, mas na participação em cerimónias e atos oficiais é preciso arranjar-se subterfúgios pois nada está previsto e definido formalmente, explica-nos o presidente da Real Associação de Lisboa. Deixa a pergunta “qual é o medo de por isso no papel?“. “O Senhor D. Duarte que tem uma agenda de 2ª a domingo, anda pelos PALOP, por outros países da CPLP como Timor-Leste, a promover causas sociais, a língua e a cultura portuguesas, a dignificar o nome de Portugal”, clarifica João Távora.
Em relação ao atual governo, que tem beneficiado de uma conjuntura favorável, bem como o próprio Presidente da República, que excecionalmente tem conseguido algum equilíbrio e contribuído para uma certa estabilidade, que poderá não durar sempre se as condições mudarem, lembra João Távora. Foca-se na prática política pela positiva, com propostas úteis e necessárias, de forma construtiva, que o CDS e a sua presidente, Assunção Cristas, têm feito na oposição, num papel não muito fácil, reconhece o nosso convidado.
Residente e eleitor em Cascais, faz uma apreciação bastante positiva do trabalho do CDS no concelho, nomeadamente do vereador Frederico Pinho de Almeida e do presidente da Junta de Freguesia de Cascais e Estoril, Pedro Morais Soares, também secretário-geral do CDS. Prefere, no entanto, destacar a candidatura de Assunção Cristas à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, cidade onde João Távora nasceu, cresceu e viveu grande parte da sua vida. “Atitude corajosa, num desafio exigente e difícil, que marca presença quando outros se escondem e que revela um amor à minha cidade que me deixa bastante confortável”, foi a forma encontrada pelo alfacinha João Távora para comentar a candidatura de Assunção Cristas. Manifesta o seu incómodo por defrontar-se com uma cidade que ainda está abandonada, pouco amiga das pessoas, “uma cidade mais abrasiva e agreste”. Ainda há muito por fazer a vários níveis, nomeadamente na reabilitação urbana, concorda o convidado desta conversa.“Não estão a correr só com os automóveis do centro, estão a correr com as pessoas, o que é muito grave”, afirma. “Cada vez é mais antipático viver-se em Lisboa”, refere ainda. Se por um lado reconhece a importância do turismo e do acolhimento aos visitantes, por outro não hesita em dizer que Lisboa “não pode ser um cenário de Hollywood”.
Já na reta final falámos do Sporting, seu clube de eleição, gosto herdado dos seus pais e tios. Adepto que sofre, sempre que pode vai ao estádio. Falámos também de música. Revela-nos ser colecionador de discos de vinil, aprecia música popular, pop/rock, também clássica, enfim é um homem de um gosto musical bastante eclético. Os seus discos de vinil são peças de coleção que ouve, quer o mais atual, o “vinil reabilitado”, quer discos que possui e que têm mais de cem anos. É um explorador da música portuguesa do início do séc. XX, de registos fonográficos ainda do período monárquico que se delicia a ouvir no gramofone, no fonógrafo e noutros equipamentos que utiliza para a audição desses suportes mais antigos. Como fizemos menção, concilia estas preferências com um gosto por música mais moderna, destacando como autores da sua vida Peter Gabriel, Neil Young, Leonard Cohen, David Bowie, os Radiohead.
Com o João Távora a dar-nos música, no bom sentido evidentemente, terminámos mais uma das “Conversas do Caldas”.
Entrevista por André Dores para a Folha CDS de 13 de Junho de 2017