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João Távora

Paixão

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Salta-nos aos olhos a incapacidade da sociedade do bem-estar por estes dias em acompanhar com um mínimo de profundidade a densa questão filosófica que emana da inquietante Páscoa de Jesus Cristo. Tudo se resolve: com uma escapadela turística refugiamo-nos de qualquer convite ao questionamento da nossa essência e razão de existir, à inquietação, ao espanto. A geração mais bem preparada de sempre mal disfarça a inaptidão de questionar a existência para além do superficial e do plausível – uma hipnótica série de televisão resolve facilmente o tédio de tanto bem-estar. De resto, como referiu a estrela pop Stephen Hawking, "a Filosofia está morta", hoje não é mais do que um caricato e inútil capricho de una quantos excêntricos (e não foi sempre assim?). É um paradoxo: a Salvação vem perdendo procura na medida em que nos vamos dissipando na precariedade do entretenimento, infantilizados no apoucamento da nossa humanidade.
Hoje celebra-se a vitória do cinismo, tarda a ressurreição da esperança – até Domingo.

Fazer História em cima da memória

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Já não é a primeira vez que o deputado socialista Ascenso Simões, um político cujas opiniões invulgarmente livres em tempos ganhavam letra de forma neste jornal, vem à praça pública para, ao mesmo tempo, piscar timidamente o olho à Monarquia e deplorar os monárquicos. Foi esta a difícil pirueta que Ascenso Simões ensaiou no Público de ontem, na sua “Carta Aberta a Dom Duarte Pio”. Curioso como articulista vê monárquicos atávicos e passadistas mas a sua oportuna miopia não lhe dá a conhecer republicanos de um jacobinismo fossilizado na sua própria casa. Da Carta, porém, aproveitam-se ideias interessantes sobre o papel da Família Real Portuguesa e do nosso Príncipe na “república” que temos, a quem cumpre, nas suas palavras “continuar a fazer História em cima da memória”. Essa ideia é aliás defendida por muitos de nós, os mais pragmáticos no movimento monárquico, para quem importa, dada a agenda política tão avessa à questão do regime, afirmar o Senhor Dom Duarte, indisputado Chefe da Casa Real Portuguesa, como “rei dos portugueses”, epíteto cuja aceitação geral diria muito mais de nós, enquanto povo, do que do Senhor Dom Duarte.

Ninguém ignora a discreta mas determinada e persistente intervenção do Duque de Bragança em vários aspectos da nossa vida colectiva. O Senhor Dom Duarte tem dedicado a sua vida, uma vida cheia, ao serviço, à representação nacional, calcorreando o mundo português de lés-a-lés, percorrendo a expensas suas o país inteiro, do mais cosmopolita centro urbano ao mais remoto município. É um homem que vence distâncias, rumando a latitudes longínquas, a paragens onde nenhum político português pôs os pés, para poder estar com as comunidades que falam português ou se sentem parte integrante do nosso mundo lusíada. Fá-lo por sentido de dever, sem esperar qualquer reconhecimento público ou atenção mediática. O Senhor Dom Duarte faz, sempre fez, o que sente ser seu dever, alheio a quaisquer calculismos conjunturais. Não deveríamos nós, portugueses, sempre lestos na crítica, reconhecer a sorte de termos alguém que tão livremente honra a nossa História e cimenta as relações ancestrais entre pessoas de todos os continentes? O Senhor Dom Duarte é rei dos portugueses em razão do seu serviço, por mérito próprio. Poderia ser Rei de Portugal se, nós, portugueses, o quiséssemos. Sê-lo-ia, por virtude nossa.

Como em tempos disse a Ascenso Simões, as Reais Associações em que assenta a Causa Real são grupos heterogéneos, política e socialmente transversais que espelham a diversidade de que é feito o nosso País. O movimento monárquico não se dirige a nenhuma facção ideológica, classe social ou elite cultural. Dirige-se a todos os portugueses que se interessem pelos destinos de Portugal e entendam que só pode “fazer-se história em cima da memória”.

 

Publicado originalmente aqui

A crise no Facebook

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A campanha eleitoral de Obama em 2012, para ganhar a Mitt Romney, utilizou os dados disponíveis pelo FB para identificar 15 milhões de eleitores susceptíveis de votar no candidato. Na altura, bem nos lembramos das loas tecidas às democráticas redes sociais pelos mesmos que hoje rasgam as vestes indignados com o "lapso" ocorrido com os metadados que “permitiram a manipulação” dos eleitores a favor de Trump com anúncios "direccionados". Dá para perceber a razão da crise?

A vantagem da utilização do Facebook em termos comunicacionais é permitir-nos com recursos financeiros razoáveis direccionar a comunicação a um público-alvo determinado, do ponto de vista etário, geográfico e para um certo perfil de interesses. Por exemplo, em tese, o seu algoritmo permite à Juventude Monárquica de Lisboa direccionar as suas publicações para um público “amigável” e circunscreve-las à região da Grande Lisboa e um grupo etário definido com uma margem de erro aceitável. Considerar isto um problema ou uma a ameaça à privacidade das pessoas é uma enorme saloiice, uma paranóia quase infantil.
É evidente que quanto maior forem as empresas mais elas deverão ser escrutinadas, e o Facebook deve ser obrigado a um especial cuidado com a informação que recolhe dos seus utilizadores e a sua utilização deve ser devidamente regulada. Em Portugal, por exemplo, a publicidade nas redes socias e nos media em geral é proibida a partir de 90 dias das eleições.  

A quem serve o alarmismo criado à volta da questão? Pela minha parte não vejo qualquer problema com o tratamento do meu rasto na internet para que eu aceda com mais facilidade a determinados conteúdos ou produtos. Dá ideia que por vontade desta oligarquia puritana voltávamos aos anos 70, em que a propaganda eleitoral se cingia aos dois canais de televisão oficiais e umas românticas noitadas a colar cartazes nas paredes. A quem interessa um poder central a definir o que são notícias verdadeiras ou falsas?

A grande manobra

Se a acção de propaganda do governo agendada para amanhã, que vai por os ministros de enxada na mão a limpar as matas, fosse realizada há quarenta anos, quando só havia dois canais de televisão que como a maior parte dos restantes órgão de comunicação social estavam sob o controlo do Estado, o seu sucesso era garantido: assistiríamos embevecidos a uma comovedora unidade nacional garantida em torno do pequeno ecrã, das rádios e dos jornais que dantes eram patrióticos e agora se chamam "de referência". O que nos vale é a modernidade dos nossos tempos com a diversidade de canais de televisão e rádio e jornais privados e a nossa RTP tão independente, tudo factores que garantirão a indisponibilidade de todos estes meios e os seus jornalistas profissionais para embarcarem numa mera acção de publicidade ao governo de António Costa.

Elevar-se para olhar mais longe - uma reflexão sobre a política de comunicação do Sporting

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Que a presidência de Bruno Carvalho tem reforçado a militância dos adeptos do Sporting isso parece-me um dado que confirmado pelas assistências aos jogos nos últimos anos. Assim como o ruído das claques que durante a última década acedeu às redes de “media social”, que tomou como um prolongamento dos rituais de apoio ao clube nas bancadas – os sportinguistas “fanáticos” andam mais motivados por estes dias, e isso é positivo, digo-o sem qualquer desdém: são eles (nós) que preenchem os lugares no estádio, pagam as quotas, contribuem para a Missão Pavilhão ou outra, compram merchandising para oferecer aos sobrinhos ou afilhados, e alguns ainda compram o Jornal do Sporting no quiosque e, imaginem, participam na vida associativa do clube.

O problema quanto a mim é que o Sporting não é sustentável só com este núcleo duro, chamemos-lhe assim, tem de se elevar para olhar mais longe e reconquistar as margens e periferias, para ser uma marca atractiva num universo mais lato. Acontece que, tão importante quanto os militantes, é o universo de simpatizantes mais ou menos desprendido que não assina canais pagos de desporto e só vão ao futebol muito ocasionalmente, mas que socialmente funciona como que um “farol leonino”: na família ou no trabalho assume a simpatia pelo seu clube mas sem grande compromisso, seja porque o desporto tem um lugar secundário na sua hierarquia de interesses, ou porque não está para se chatear com mais polémicas, intrigas e aborrecimento… e porque não tem grandes expectativas que o clube lhe devolva um pouco de entusiasmo que despendeu algures no passado sendo campeão. É com este última grupo que eu me preocupo mais: para além dos meus filhos eu “eduquei” os meus muitos sobrinhos para serem resilientes sportinguistas. Levei-os ocasionalmente ao futebol, ofereci-lhes o Cachecol que hoje ainda guardam, mas com os anos e anos seguidos de frustrações foram-se desligando. Aqui chegados, queixam-se que o Sporting, não se sagrando campeão, praticamente só dá nas vistas com as polémicas estúpidas que saem nas parangonas dos jornais e que são peroradas nas TVs.
É por tudo isto que estou convicto que o Sporting para sobreviver a longo prazo tem de aumentar e atracção dos simpatizantes mais ou menos desprendidos. É evidente que a conquista do título é a fórmula mais eficaz para tal desiderato. Mas há outras, como por exemplo uma comunicação amigável que os seja capaz de cativar, que não esteja fixada nos escândalos e guerrilhas mais ou menos artificiais que os polemistas, numa violência inaudita berram insanamente na televisão. O futebol não pode expulsar da sua órbitra as pessoas razoáveis, que não o vivem como se essa actividade fora uma guerra sem quartel em que os grunhos são preponderantes.

Desconfio que por estes dias a forte militância sportinguista esteja a mascarar este divórcio que se adivinha crescente e exponencial das pessoas normais com o futebol. Na minha modesta opinião, o Sporting tem de, urgentemente, elevar-se da lama comunicacional em que é tentado a chafurdar e acautelar uma política que não afaste definitivamente da sua órbita os simples simpatizantes. Ou começar a pensar nisso, pelo menos.

 

Publicado originalmente aqui

Populismo

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Ontem no Parlamento, António Costa, numa atitude de desbragado populismo à boa maneira de Vasco Gonçalves, desafiou os deputados a juntarem-se ao povo e oferecerem um dia de limpeza das matas com o Presidente da República "numa grande acção de limpeza da floresta nos próximos dias 24 e 25 de Março". 

Está criada a ideia que a limpeza das matas é uma missão heróica que será um assunto encerrado numa data determinada pelo governo. Isso é mera propaganda para entreter os pobres de espírito. Acontece que as matas crescem continuamente e a sua limpeza terá de ser uma rotina. O esforço não pode ser hercúleo, tem de ser sustentável. Certo é que para já resta-nos rezar a São Pedro por um Verão ameno, que este ano as condições meteorológicas sejam clementes para com o interior abandonado e um governo de incompetentes. 

 

Imagem daqui

A "verdade factual" de Pacheco Pereira

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Tenho algumas dúvidas quanto à objectividade das conclusões de Pacheco Pereira neste artigo quando reflecte sobre o triste encerramento e decadência das livrarias e as suas causas. Há números que indiquem a redução das vendas de livros e da actividade editorial? Parece-me que não: a facilidade que as novas tecnologias proporciona para a produção e distribuição de obras especializadas para públicos muito específicos constitui no meu entender um grande avanço. Na minha casa, em que se consomem bastantes livros, estamos a adquiri-los maioritariamente online, seja pela Amazon ou pela Wook, por exemplo. Recentemente, fiz a pesquisa de um livro antigo no Google, e fui parar a um site de um alfarrabista, onde o adquiri - não precisei de me deslocar à loja (que nem sei se existe). Pacheco Pereira dá-se ao direito de "achar coisas" nos jornais e televisão, e eu atrevo-me ao mesmo aqui neste modesto blog: a minha intuição leva-me a diferentes conclusões das suas. Pela minha experiência de vida, hoje como ontem, tenho a viva impressão que resulta impossível incutir sólidos hábitos de leitura (tenho 4 filhos e sou um de 5 irmãos) a quem não tem apetência para tal - e não é por falta de dedicação à "causa". Julgo que o problema do Pacheco Pereira está no desconforto causado pela desilusão com a ausência de efeitos na erudição das massas por via da alta taxa de escolarização. Acontece que o sonho de democratizar a erudição resultou numa falácia porque ela provém mais de dons que nascem com as pessoas que por outros factores, e o ensino democrático pouco mais poderá fazer do que mitigar os danos da boçalidade natural das gentes. É verdade que nunca como hoje a alienação pelo entretenimento esteve tão acessível, ou mesmo invasiva, principalmente através dos videojogos e das redes sociais. Mas apesar de tudo tendo a acreditar que nunca como hoje se leu tanto (em termos meramente quantitativos, evidentemente) justamente por causa do acesso extremamente facilitado aos mais variados conteúdos na Internet - que também os há de qualidade, sejamos justos. Melhor que nada. Quanto à valorização do “conhecimento, do silêncio, do tempo lento, da leitura e da 'verdade factual'” (o que será isso de 'verdade factual' afinal?) desconfio que será sempre apanágio de uma pequena minoria de privilegiados por Deus (ou pela natureza). Ontem como hoje ou amanhã, desfrutar de Schubert ou Dostoievski será privilégio de muito poucos. E já todos percebemos que os escritos de Pacheco Pereira por este caminho estão longe de se tornarem clássicos. Escusa é de se armar aos cucos, que não lhe fica bem.