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João Távora

A pastelaria Suíça e o futuro da cidade

Pastelaria Suiça, esplanada.jpg

Confesso que me faz um pouco de confusão o coro de lamentos e indignação a propósito do anúncio do fecho da pastelaria Suíça no Rossio, oriundo provavelmente da parte de quem nunca lá pôs os pés. Eu não tenho pena nenhuma: acontece que há muitos anos que aquele espaço perdera o charme de outrora, o seu serviço e oferta eram absolutamente indiferenciados, bastante medíocres. É assim a vida de muitos negócios: com o passar dos anos entram em decadência e fecham. Curioso foi ouvir esta manhã o testemunho de um velho engraxador da Rua da Palma a uma reportagem da Rádio Renascença que se queixava disto agora ser só "estrangeirada". O populismo nacionalista tem muita freguesia na nossa praça. 
Mas quem se lembra da ruína que a baixa pombalina atingiu há 10 ou 15 anos, não só desertificada de habitantes mas com os serviços em debandada? Ser um conservador não é o mesmo de ser resistente à novidade, muito menos gostar de decadência e do cheiro a ranço das “mercearias tradicionais” onde a proximidade era pretexto para explorar os fregueses incautos e reformados carentes. Ou exigir chapelarias, cutelarias e tabernas abertas a cada esquina ao som de pregões de aguadeiros e varinas. São incontáveis os negócios e as lojas que fecharam nas nossas cidades fruto da mudança dos tempos. Assim como são incontáveis os negócios que os novos contextos proporcionaram aos mais atentos empreendedores. Um conservador gosta desta dinâmica pois são essas mudanças que vão evitar a ruína e viabilizar a continuidade da sua cidade. E a propósito, já repararam nas dezenas ou centenas de novas lojas elegantes e nos sofisticados cafés, bares, restaurantes de conceituados chefes nacionais e estrangeiros que animam por estes dias as ruas de Lisboa? 

Sem dúvida que a grande revolução que está a reabilitar os centros das nossas velhas cidades traz efeitos colaterais perniciosos que é necessário precaver politicamente. Mas trazer o sentimentalismo e o saudosismo para alimentar a discussão é a melhor forma de meter a cabeça na areia e não enfrentar os desafios que o problema comporta. E de servir obscuras agendas políticas.

 

Fotografia Arquivo Municipal de Lisboa

Depois da tempestade

Tudo indica que Bruno de Carvalho passou à história, e passou a fazer parte do mais negro passado do Sporting. Do seu legado desastroso, para lá do desmantelamento da equipa de futebol profissional e o desastre económico que isso significa, o maior flagelo foi divisão infligida entre os adeptos com a luta de classes que trouxe a terreiro para alimentar uma guerra civil num clube que sempre foi profundamente democrático e interclassista: o Sporting fundado pela burguesia endinheirada do final da monarquia construiu o seu sucesso aglutinando no seu seio e à sua volta pessoas das mais diversas origens sociais e culturais durante mais de cinco gerações. Trazer o preconceito social e estratagemas bolcheviques para a conquista e manutenção do poder foi o mais hediondo crime de Bruno de Carvalho. A liderança que assumir a direcção dos destinos do Sporting tem um trabalho hercúleo pela frente para manter o universo Sporting coeso e a marca atractiva às novas gerações. De todas as classes, culturas e geografias.  

Apanhar os cacos, fazer das misérias grandeza

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Não podemos subestimar o poder destruidor da crise que se abateu sobre o Sporting nos últimos meses e que teve o seu auge no hediondo assalto a Alcochete no mês de Maio passado. Mas é importante insistir que todo este interminável pesadelo tem um responsável, tem uma face e tem um nome: é o presidente, chama-se Bruno de Carvalho e foi instituído de poderes pela maioria dos associados para defender os interesses do clube. Com os resultados que se conhecem: a poucas semanas do início da nova época, os melhores jogadores estão em debandada, o clube descapitalizado, sem capacidade de contratação e de atrair um treinador conceituado ou empolgar os adeptos para renovarem os seus lugares no Estádio para a temporada que se aproxima e se adivinha penosa. Em minha defesa tenho a dizer que nunca votei nele: o seu discurso e estilo, desde a primeira hora me assustaram; senti que fugiam dos padrões estéticos de um clube fundado com valores aristocráticos de lealdade, honradez e razoabilidade. É de resto um indicador da insanidade desta crise quando não tenho maneira de explicar com a cabeça erguida ao meu filho mais novo os recentes acontecimentos com que os colegas da escola o confrontam e zombam. 

Por tudo isto tem sido angustiante para mim acompanhar o espectáculo do afundamento do Sporting e da sua matriz cultural, património imaterial que foi arduamente edificado ao longo de cinco gerações. Um pesadelo de que não me consigo libertar. Não é por acaso que na linguagem corrente os adeptos se confessam pertença a um clube, “Eu sou do clube x” e não o contrário – há aqui uma estranha relação de subordinação (só Bruno de Carvalho não entende esta escala de valores). São assim misteriosas as leis emanadas pelo coração, e é esse o seu fascínio. Para mais até conheço a genealogia do meu sportinguismo que desde os anos trinta se alastrou através da família e que culminou com as minhas idas ao futebol pela mão do meu saudoso Tio Manel no início dos anos 70, sportinguismo que contagiei aos meus filhos que desde pequenitos incondicionalmente me acompanharam nesta ingrata paixão.
Um aspecto importante que não posso deixar de referir nesta crónica é a minha suspeita de que a grave crise no Reino do Leão está a mascarar uma outra bem mais séria, que é a adopção pelos clubes de um discurso fanático e irracional para promover a militância mas que expulsa o simples simpatizante. Esta estratégia a longo prazo condenará o futebol a um nicho de maníacos descerebrados que são as claques. O fanatismo expulsa os simples adeptos, que não têm pachorra para o triste espectáculo de insano confronto e troca de insultos que tomou conta das notícias e dos intermináveis debates televisivos que destroem a reputação do futebol. E se, como parte dessa política de “ganhar a todo o custo” se vier a confirmar que existem movimentações obscuras de tráfico de influências e corrupção?
Termino com uma mensagem de esperança, porque uma luz ao fundo do túnel se parece acender quando o inenarrável presidente, do meio de uma espiral neurótica de descontrolo emocional (que não tem pudor de exibir diariamente nas redes sociais ou televisões) vem aceitar como inevitável a Assembleia Geral do próximo sábado dia 23 que promete devolver aos sócios o poder sobre os destinos do clube. Com essa reunião magna teremos a oportunidade de darmos início à reedificação do Sporting do rasto de escombros que é o legado de Bruno de Carvalho. Será por certo uma dura a travessia do deserto e um desafio a fazermos das misérias grandezas. Porque somos grandes, somos resistentes, porque temos de saber merecer o Sporting que nos foi legado. E sabem que mais? Estou convencido de que voltaremos a sorrir.

 

Publicado originalmente no Ponto SJ, o portal dos Jesuítas em Portugal,

A velhice e o prenúncio de uma tragédia

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A propósito do debate sobre a Eutanásia muito se falou do problema que o aumento da esperança de vida representa nos nossos dias. O enfoque no meu entender deveria coloca-se no drama da fracturação e decadência das estruturas sociais que sempre enquadraram afectivamente e apoiaram logisticamente a pessoa envelhecida. Refiro-me à família alargada e às pequenas comunidades (em que se inclui a Igreja) que tinham essa função. Ao contrário do que nos querem fazer crer, sempre existiram pessoas fragilizadas pela idade extremamente avançada. O "envelhecimento da população" é um fenómeno estatístico. Do ponto de vista humanista, ou seja, na perspectiva da pessoa idosa em si, esse problema tem pouca relevância: “os velhos” não são um corpo social com consciência própria, cada um é uma pessoa com a sua história na plenitude da dignidade que lhe é devida. A grande tragédia que nos ameaça está na quebra dos antigos laços de solidariedade por parte da comunidade atomizada, de uma sociedade utilitária que coloca os “direitos” de cada um acima dos deveres para com os outros. A realização de cada um pelo cuidado ao próximo até ao limite. Mais que um problema para o Estado, a assistência à velhice é um problema a ser assumido por cada um de nós para com o seu próximo. Mas acontece que o amor cristão (amai o próximo como a ti mesmo) foi descartado, substituído pelo conceito romântico que tem por base a conquista do desejo do “eu” a que agora se quer atribuir direitos sobre execução da sua morte. O caldo cultural da modernidade é a coisa mais difícil de resolver e compromete definitivamente os equilíbrios afectivos que estruturam uma sociedade saudável e solidária. Não há cuidados paliativos que disfarcem esta desgraça que deixamos como legado aos nossos filhos.

Portugalidade

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A razão por que um monárquico não poderá ficar indiferente à invasão desregulada de migrantes no espaço europeu é porque a coroa será a primeira instituição a ressentir-se duma fragilização do tecido social das velhas nações, como comunidades de história e língua.

Foi isso que me chamou a atenção na esplêndida série “The Crown” da Netflix que relata a história do reinado de Isabel II, com a exibição de imagens do início da década de 50, das viagens da Família Real para passar o Natal em Sandringham, em que se vê o povo a acorrer em massa às plataformas das estações para acenar à passagem do comboio real. Este entusiamo, que emana da pátria profunda, só é possível por uma sólida identificação da população com os seus monarcas, na cumplicidade dos acontecimentos partilhados desde os confins da História.

De facto, as nações europeias vivem em cima de uma bomba relógio com o prenúncio de uma crise demográfica que só vem sendo mitigada através do escancaramento das fronteiras, uma estratégia que deve pouco ao altruísmo, mas antes à cegueira economicista da burocracia que nos governa. Assim, sem tempo para a aculturação das novas populações que à Europa afluem com costumes e línguas muito diferentes, as redes comunitárias vêem-se ameaçadas, relativizando-se o chão comum, promovendo-se a desconfiança e acicatando-se veleidades nacionalistas.

Ironicamente, Portugal, histórico palco de cruzamento de povos e culturas diferentes, onde sempre prevaleceu uma assinalável capacidade de assimilação, se não escapa à crise demográfica, vai estando imune à invasão massiva de migrantes que aflige outros países europeus. Mas não evita a agressividade da massificação cultural deste mundo globalizado, razão que deve motivar os monárquicos portugueses a concentrar esforços na defesa da nossa língua, património cultural e histórico. Porque só uma casa com identidade e carisma próprios está capacitada para bem receber novos hóspedes e visitantes. E se é verdade que temos de nos preparar com inteligência para essa luta pela afirmação identitária, em bom rigor temos razões para nos orgulharmos do Senhor Dom Duarte e da Família Real, que se vêm afirmando resolutos defensores dos mais perenes valores da portugalidade. Aqui, no extremo ocidental da Europa, e nos quatro cantos do Mundo.  

 

O meu editorial para o Correio Real nº 17 em distribuição em Junho. 

Contra-corrente

A realidade não se deixa afectar pela forma condicionada como a interpretamos. Ela "é" apesar do nosso olhar... e isso é bom.