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João Távora

Uma crise sem precedentes

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O arcebispo Carlo Maria Vigano, divulgou há dias uma carta com gravíssimas acusações ao Papa Francisco, de ter anulado sanções contra o cardeal McCarrick que terá abusado de jovens seminaristas e sacerdotes, assim como acusa vários bispos americanos e os Jesuítas de apoiarem a agenda LGBT. Trata-se obviamente de um acto desesperado de guerra que visa atingir mortalmente o sucessor de Pedro que, como seria de esperar, hoje se escusou a defender-se na Praça de São Pedro.

Acontece que na Igreja sempre conviveram facções, houve luta pelo poder e nela concorreram ambições, vaidades e pessoas diferentes, algumas certamente homossexuais, com inaudita capacidade de intriga. É da natureza dos homens e das suas organizações, não é difícil imaginar.

Mais grave que tudo isso são os comportamentos repugnantes denunciados um pouco por esse mundo fora, a inacção ou conivência da hierarquia com esse tipo crimes que nunca deveriam ter acontecido pelas mãos de homens de Deus. E nesse sentido importa perceber como foram possíveis tais actos, e qual a ”fragilidade” que é porta aberta a tais escândalos. Não importa se foram poucos em termos relativos ou espalhados no tempo, importa que a Casa de Deus (paróquias, escolas, santuários, etc.) tem de ser um local sagrado e de santidade – como caminho do pecador para o exemplo de Jesus Cristo.

O que me angustia por estes dias é como explicar as notícias que hoje são manchete a uma criança. Não basta dizer que o assunto é complexo: irónico é como o Papa Francisco que pela primeira vez em décadas conseguiu trazer alguma “boa imprensa” ao Vaticano, poder ver-se agora cilindrado na voragem mediática por causa de um arcebispo reaccionário (sim, reaccionário, que conservador sou eu!).  

Irónico é constatar que a maior crise que a Igreja hoje enfrenta, apesar dos encarniçados inimigos que há duzentos anos a sitiam e afrontam, acontece afinal por responsabilidade própria. Como já avisara o Papa Bento XVI aquando da sua visita a Portugal em 2010 “A maior perseguição à Igreja não vem de inimigos de fora, mas nasce do pecado da Igreja”.

Nesta hora difícil, o Papa, pastor desta nossa Igreja peregrina que é legado de Pedro e esposa de Jesus, eleito para nos guiar neste tempo, com a inspiração e poder do Espírito Santo, necessita de muita oração dos católicos por todo o mundo a quem se impõe que se unam à sua volta. Para levar de vencida mais esta crise e devolver-lhe o prestígio e a autoridade que é exigível aos que professam a mensagem e exemplo de Cristo.

Luta de classes

Há uns anos luta de classes ficou seriamente comprometida quando o meu pai comprou um Volkswagen. Agora a empregada lá de casa é freguesa do cabeleireiro da minha mulher, os jogadores de futebol chamam-se Simão, Diogo ou Gonçalo e depois até há uma Cátia na TV que se apresenta como "Tia". Já perceberam a utilidade política dos migrantes?

A parte interessada

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"Quem é que quereria investir centenas de milhares de euros, endividando-se, para apostar num negócio sem segurança jurídica, e no qual o mais certo é ter chatices e perder dinheiro?"

 

Pode parecer estranho, mas esta transcrição é de uma crónica da Fernanda Câncio publicada ontem no Diário de Notícias que eu assinaria por baixo. Infelizmente a racionalidade e lucidez que presidiram à sua redacção explicam-se, não pela capacidade analítica da jornalista, mas pelo facto assumido de “ser parte interessada” no assunto em equação.  
Serve este exemplo para aferir que só um bom jornalista consegue ter uma análise isenta dos factos, sendo ou não sendo “parte interessada”…  ou o seu contrário. Nunca percebi porque no “seu” jornal encarregaram tantas vezes a Fernanda Câncio de reportagens ou artigos sobre a Igreja Católica que ela assumidamente execra, a não ser que isso se torne numa motivação para a rapariga fazer malabarismos retóricos e dessa forma satisfazer um público anticlerical que precisa de ver confirmados os seus preconceitos num jornal do regime. Da mesma forma com motivações de sinal inverso, a perspicaz "jornalista" (chamemos-lhe assim), foi absolutamente incapaz de detectar na forma de vida do aldrabão do seu ex-namorado, à época 1º Ministro, qualquer indício das desonestidades que praticava. Uma vez mais isso justifica-se pelo facto de Fernanda Câncio ser então “parte Interessada”, como mais recentemente tornou-se “parte interessada” em descartar-se do capítulo da biografia de José Sócrates em que foi activamente figurante.
Ser “parte interessada” é legítimo a qualquer pessoa, até ao mais insuspeito jornalista – nada contra os “interesses” que a todos movem. Certo é que ele se distinguirá da mediania na medida em que, pela leitura dos seus trabalhos, nos seja difícil ou impossível detectar quais os seus “interesses” ou “causas” e deles nos mantenha distantes. Mas o que acho mais grave é como a mediocridade de quem só consegue fazer uma análise jornalística através dos seus mesquinhos (no sentido de particulares) preconceitos – a maior parte das vezes reveladores de um provincianismo e ignorância confrangedores – tenha alcançado o estatuto de vedeta num jornal centenário como o Diário de Notícias... a lutar pela sobrevivência.

 

Foto: Jornal de Negócios

Aquecimento Global

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Há dias escrevi uma crónica humorística em que me atrevi a brincar com o tema da Meteorologia e do Aquecimento Global. Em consequência disso recebi diversas mensagens indignadas, acusações de "Trumpismo" (a mim que até sou monárquico) e comentários ofensivos que foram devidamente apagados e os seus autores banidos da minha página do Facebook. Àqueles que possam ter dúvidas, informo que só professo uma religião. Que não tenho dúvidas que ao longo da História o Homem já assistiu a vários Aquecimentos e Arrefecimentos Globais e que, se Deus quiser sobreviveremos a este. Que é do meridiano bom senso que o Ser Humano deverá respeitar a Criação e reduzir urgentemente as emissões de Carbono. De resto, sem querer ser alarmista, duvido que o Homem consiga fazer algo que altere significativamente as tendências do clima. Teremos de fazer como os nossos sábios antepassados e aprender a viver com ele.

Vamos conversar sobre o tempo?

Poucos climas há tão encantadores como o de Portugal. O Inverno é neste país menos áspero que nos países do norte, mesmo menos áspero que a região central de França. A neve só cai nos cumes dos montes. Gozam-se dias admiráveis que rivalizam com os nossos mais amenos dias de Primavera. No Verão, a temperatura é muito mais elevada do que em Espanha. E passam-se aí às vezes calores de abrasar, mal moderados pelos ventos quentes do Oceano Atlântico; mas encontram-se ali tantos sítios maravilhosos, onde reina uma Primavera eterna.  

Maria Rattazzi,

Portugal de Relance,

1880

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À hora que escrevo esta crónica deve estar o estimado leitor em casa, de cócoras debaixo da mesa de jantar para se proteger dos raios UV, com uma garrafa de água gelada numa mão uma peça de fruta fresca na outra, com ar condicionado no máximo e a avó fechada no WC dentro de uma banheira de água fria, enquanto a televisão sintonizada num canal de notícias emite alertas vermelhos e o repórter questiona os incautos transeuntes sobre que acham do onda de calor - todos temos direito à nossa importante opinião. A Comunicação Social há uma semana antecipa em parangonas que com a chegada do mês de agosto chegarão dias de inclemente canícula.

Triste sina esta de ser da geração em que "o tempo" se tornou conversa séria. Tempos houve em que esse era tema de quem não tinha nada para dizer. Aqui chegados, até eu sou bem ensinado e concedo que o assunto é importantíssimo, numa sociedade em que ao Estado deixou de competir a boa governança da coisa pública e em troca de votos se advogou responsável pela felicidade das suas mal-agradecidas gentes - uma causa obviamente perdida. Em boa verdade fomos todos transformados em Princesas da Ervilha, que merecemos ser educados para o nosso bem-estar, com o aconselhamento da periodicidade conveniente para um retemperador copo-d’água e dos benefícios de nos recolhermos numa revigorante sombrinha quando confrontados com temperaturas altas. Bom é saber que entidades oficiais cuidam de nós, venerandos e obrigados. De resto nesta altura do campeonato, ao sol só trabalham os vendedores de bolas de Berlim, alguns operários da construção civil, os agricultores e uns quantos maduros voluntários a montar festivais de Verão e bailaricos de província – a luta de classes é um assunto quase encerrado.

Em tempos que já lá vão era da sabedoria popular que para o bem-estar da família nestes dias tórridos em casa corriam-se as cortinas e fechavam-se gelosias. Bem sei que corriam tempos em que o sol era um parceiro de duvidoso estatuto: todos os homens usavam chapéu e donzela reputada tinha a tez clara, andava de sombrinha, e só ia á praia mediante receita médica. A pele tisnada não era um bom indicador social, mas sim indício da actividade laboral na pesca, construção civil ou na lavoura. De resto eu sou do tempo em que só os estrangeiros e uma certa elite se entretinha a passar o estio nas nossas paradisíacas praias, besuntados de bronzeador (uma mistela gordurosa à base de tintura de iodo) e pomada Caladril em cima das feridas do nariz e das bochechas. Nos anos sessenta, enquanto Sir Paul McCartney e Sir Miguel Sousa Tavares se deleitavam no paraíso virgem Algarvio, em Milfontes no Baixo Alentejo, onde eu assisti à chegada do homem à lua, a praia no Verão era uma extravagância de dúzia-e-meia de famílias veraneantes que os autóctones exploravam legitimamente e que só acediam ao Domingo para piqueniques tribais, todos vestidos de cima a baixo, homens de chapéu e as senhoras de lenço na cabeça e as viúvas de preto, a distribuírem caldeirada de um grande tacho para a prole de pele alva até aos braços. A democracia demorou a chegar aos banhos.

Voltando ao tema quente da actualidade, quer-me parecer que os portugueses da metrópole (uns mais que outros, bem se vê…) sempre tiveram de enfrentar períodos tórridos durante o Verão, como dizia Maria Rattazzi nos anos 80 do Século XIX. Há que colocar a questão sob perspectiva e sem alarmismo. A minha memória não chega tão longe, mas lembro-me na infância de umas tardes tórridas no 3º andar de Campo d’ Ourique que perturbavam particularmente o génio do volumoso Senhor Marquês, meu saudoso Pai. Recordo-me como arfava nesses dias abrigando-se a escrever fanaticamente atrás de uma ventoinha que, de caminho desaustinava e sublevava também as folhas de papel manuscritas, por entre golos de água fresca que sofregamente consumia de uma garrafa de vidro para seu uso exclusivo. E lembro-me de um célebre dia 13 de Junho, julgo que em 1980, num "Passeio de Domingo" do Centro Nacional de Cultura, em que perto de 100 associados navegaram pelo Tejo acima numa barcaça dos fuzileiros, sob temperaturas perto dos 50º sem uma sombra digna desse nome até Escaroupim, perto de Salvaterra de Magos, onde pernoitámos em tendas cedidas pela marinha – íamos morrendo todos. E do saboroso que pode se tornar uma cerveja morna, já que a excursão tinha o patrocínio da Cerveja Sagres "Europa", novidade na altura em que a CEE era um mito exótico e mobilizador.

Como se verifica pelo atrás descrito, o Tempo pode ser afinal um bom motivo de conversa. E se não tivermos assuntos sérios com que nos preocuparmos, uns dias com dois graus em Lisboa, um nevão em Vila Real de Trás os Montes, ou acima dos trinta na Capital abrem noticiários e convidam-se meteorologistas e sociólogos a dissertar sobre as alterações climáticas e o fim eminente do Mundo como o conhecemos. Nada que por estes dias umas Ameijoas à Bulhão Pato e uma garrafa de Vinho Verde gelado não resolvam. E depois, como nos está prometido um dérbi para a 3ª jornada do campeonato no final de Agosto, descansem os meus amigos animação não nos vai faltar. Como dizem os ingleses, “Stick to the weather”!

 

Nota: agradeço ao Eurico de Barros a inspiração para a ilustração desta crónica.