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João Távora

A Nobreza de Portugal

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Foi já há alguns meses que me dispus a apoiar a Catarina Guerreiro  na sua intenção de escrever um artigo sobre a nobreza em Portugal nos nossos dias e não me arrependi: tirando as manchetes que pretendem causar sensação ao público com alguns clichés (que há sempre alguém disposto a confirmá-los) o artigo (é só um artigo para uma revista generalista, não um ensaio cientifico) está bastante bem concebido e o texto denota a seriedade da abordagem da jornalista. Claro que é um tema que se presta sempre a melindres de várias espécies e em barricadas opostas, mas prefiro assim do que contribuir para que o tema se torne definitivamente num tabu, nesta cultura igualitária que receia olhar de frente para a diversidade que a compõe. Claro que não se pode confundir a "nobreza" com elites. O bom senso ou a erudição não são qualidades de sangue: não se é aristocrata por nascimento ou vontade, mas é-o quem desse modo interpreta o sentido da vida. . O meio em que nasci e a educação que tive apontaram-me um caminho de exigência e serviço a que eu tento corresponder com a ajuda de Deus. Isso não obsta a que pessoas de diferentes e não menos honradas origens sejam muito mais dotadas e abnegadas que eu. Mas tudo isso não me impede de assumir o legado histórico que sou portador e que os meus pais me transmitiram. Em tempos em que a nação portuguesa se alicerçava em grandes famílias estavam lá os meus antepassados, protagonistas da nossa História a burilar com os seus feitos este milagre improvável que é Portugal. E para passar o benigno significado do meu nome aos meus filhos não me é legítimo circunscrever o assunto à esfera do privado como se de uma maldição se tratasse. De resto, como escrevi aqui em tempos, “a mais valiosa herança familiar é essencialmente imaterial, chega a cada um plasmada nos seus apelidos - a origem familiar como uma dinâmica microcultura (…). Uma herança que recoloca as ambições e expectativas a cada geração, sempre em superiores níveis de exigência e solidariedade. Democratizado o consumo e franqueadas as portas da mobilidade social é o sentido da pertença a um “nome”, um valor impulsionador de civilização, que se exige cultivar nas novas gerações.” Foi para transmitir esta ideia que decidi dar a cara nesta reportagem.

As minhas causas

Perguntam-me como, confrontado com a "realidade", não desisto. A tentação da descrença é grande. Ajuda-me o facto de, como cristão, não estar autorizado a isso. E os meus filhos, o mais pequeno com 11 anos, cujos olhos brilham como os meus um dia brilharam de espanto e esperança. E depois, repare-se como a razoabilidade, o compromisso e o bom-senso estão tão mal cotados por estes dias. Porque é mais cómoda a ingenuidade cândida ou o catastrofismo cínico: tudo isso nos isenta de responsabilidades. Reconheço sem dificuldade a insignificância dos meus intentos perante o curso da História, mas dá-me gozo a luta - liberta-me.

De pequenino que se torce o pepino

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Sobre a discussão do beijo coercivo dos netos aos avós levantada por um descabelado participante do programa Prós e Contras que eu faço empenho em não ver mas cuja intervenção me chegou pelas redes sociais, tenho a dizer que, tirando casos extremos, cada um educa os seus filhos como achar melhor, na certeza de que dessas opções um dia haverá consequências e contas a saldar. Os cientistas sociais que se metam na sua vida.

Mas visto que o tema, para lá dos insultos que gerou de um lado e de outro, para espanto meu foi levado a sério por gente que reputo de séria, também eu quero molhar o pão na sopa e aqui dar asas à minha nada modesta opinião: sendo certo que a formação de um individuo saudável, cortês e autónomo obriga à prática de doses industriais de coercividade nas criancinhas (por exemplo para acordar cedo para ir à escola, não tirar macacos do nariz ou arrumar os brinquedos depois de os usar) decretar aos petizes a obrigação de cumprimentarem com beijinho os elementos da família chegada é definitivamente um preço barato para a promoção de um agregado familiar harmonioso e (se for o caso) um treino de renúncia que vai ser útil ao infante durante toda a sua vida, em que terá de prescindir da sua vontade e reprimir a expressão de certas emoções e pensamentos para não se tornar num pária social. É que a tão exaltada "sinceridade" o mais das vezes não é tanto uma qualidade pessoal, antes uma forma de desleixo, um perigoso preceito com valor inflacionado, que só nos serve para comprar conflitos inúteis e tornar-nos mais sós e infelizes. Além disso estou convencido que um mundo melhor só é possível amando-nos uns aos outros, que sabemos muito bem é uma atitude que não vem com os nossos instintos ou apetites. E é de pequenino que se torce o pepino.

Dia de greve

Para a minha filha se deslocar diariamente do Estoril para a Cidade Universitária pago um passe de estudante de 54,00€ de comboio e metro. Hoje por causa da greve ela teve que adquirir um cartão "Zapping" (estranho nome estrangeiro) para apanhar o autocarro em Alcântara. Lá se foi o desconto prometido do Costa e receio que não tenha chegado a horas à faculdade. 
Isto para dizer que não nos podemos deixar enlear nos artifícios socialistas e prescindir de atender à raiz dos nossos principais problemas: há décadas que somos reféns do socialismo, um país sequestrado pela força de (alguns) sindicatos e do peso de um Estado que consome os parcos recursos da nossa economia. E a conversão do povo aos transportes públicos exige que os resgatemos ao Partido Comunista.

É importante manifestarmos a nossa zanga sem temores ou tibiezas.

O obscurantismo instrumental

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O mundo está realmente perigoso. É de leitura obrigatória este artigo do insuspeito Luís Aguiar-Conraria sobre o modo como certas fraudes passaram por artigos científicos em revistas especializadas desde que correspondam a determinada ideologia ou vitimizações em voga. Se isto se passa com revistas académicas científicas, como não hão-de as redacções dos jornais papar todas as "novidades" e "estudos" das causas a que são tão atreitas? Andamos nós a queixarmo-nos das notícias falsas e boçalidades difundidas nas redes sociais...

Depois vem a reclamação duma tal "Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância"  que incita as autoridades portuguesas em matéria de manuais escolares a "repensar o ensino da história e, em particular, a história das ex-colónias" por forma a incluir temas como a “discriminação e a violência cometidas contra os povos indígenas". Tudo isto porque o ar do tempo exige, como insinua no Expresso do sábado passado Joseph C. Miller, que a historiografia deve reflectir a realidade política do seu tempo, que na Europa é de uma sociedade multicultural de acolhimento de diferentes povos, no lugar do velho conceito de "Pátria Cultural", lugar de história, heróis e valores que constituem o nosso “Chão Comum” e penhor do nosso desenvolvimento que é tão atractivo para os forasteiros (nada contra!). Onde é que fica o propósito da busca de uma verdade tanto quanto possível objectiva no meio disto é que resta saber. Que as chamadas “Ciências Humanas” são espaço privilegiado para o relativismo e propaganda já sabíamos, mas é preciso não exagerar para não se transformarem em instrumento do obscurantismo, sabe-se lá com que agenda.

Eleições e comunicação

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É público como Bolsonaro foi segregado pelos media tradicionais e desprezado pelos politólogos, peritos e de mais elites que tomam conta dos media brasileiros, de como os seus opositores, apoiados nas televisões e jornais de referência, acabaram por cair na asneira de transformar as eleições presidenciais no Brasil num plebiscito ao personagem que de tanta depreciação acabou por alcançar 47% do eleitorado à primeira volta. Foi assim que Trump conquistou a Casa Branca. Interessa-me particularmente este assunto na perspectiva do fenómeno comunicacional de que é fruto, o da perda abismal de influência da comunicação social perante a ascensão das libertárias redes sociais, qual concurso de “soundbites” imediatistas e emocionais que democraticamente todos se arrogam difundir, partilhar e ampliar numa caótica e atomizada rede de influenciadores oficiosos e sem escrutínio. É assim que a comunicação política hoje exige nova abordagem, diferentes estratégias, ferramentas e actores profissionais, porque a ampliação ou silenciamento da mensagem já não depende do controlo dos tradicionais “mediadores” e ela se vem tornando formalmente cada vez mais democrática – literalmente entregue às mãos do povo. O que me preocupa este fenómeno é como sendo democrático pode potenciar a intolerância: pela necessidade de simplificação das ideias e torna-las emotivas para concorrer nas redes sociais, o discurso perde densidade, racionalidade e sofisticação que é o espaço por excelência para os consensos e para a tolerância que exige a boa governança do bem comum numa sociedade liberal. 

Quem me conhece sabe como o meu pensamento político nunca foi mainstream e de como desde a génese deste fenómeno da auto-edição nascido com os blogs no apogeu da Internet não deixei de aproveitar o movimento para difundir ideias pouco populares às agendas do jornalismo “de referência” que sempre gostou de servir a oligarquia e alimentar os seus populismos. Mas tal não impede de admitir que devemos suspeitar deste admirável mundo novo, de como ele nos exige prudência, repensar fórmulas de contrapesos que nos defendam dos aventureirismos autoritários emergentes de maiorias inorgânicas e indomáveis bem manipuladas. Os revolucionários (todos, republicanos ou socialistas) sabem bem do que estou a falar.

 

Publicado originalmente aqui. 

A fractura exposta por Cristiano Ronaldo

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Há um elefante gigantesco e malcheiroso no meio da sala para o qual a opinião publicada continuar a evitar olhar: são os prejuízos reputacionais que o caso Ronaldo infringe nas entidades que dele se vêm servindo para se projectar há mais de uma década. O que é facto é que independentemente da possibilidade de condenação ou não do craque por violação de Kathryn Mayorga, o caso descrito pelo Der Spiegel é demasiado feio para o país que durante mais de uma década da sua fama tanto se promoveu dele sair incólume. Isso ajuda a explicar as declarações complacentes (a raiar a irresponsabilidade) de Marcelo Rebelo de Sousa e o silêncio daqueles que viam no “melhor do mundo” o representante duma nova geração para competir com Eusébio no Panteão do heroísmo nacional e internacional - lembrem-se do jovem indonésio Martunis sobrevivente ao tsunami e de outros milhares para quem o ídolo se arrisca a desfazer rapidamente em barro enlameado. 

Independentemente do modo como Cristiano Ronaldo se saia deste imbróglio de dimensão global, nele já se vislumbram perdedores evidentes e um deles é o patriotismo pacóvio. E pelo andar da carruagem receio que o aeroporto da Madeira ainda venha a mudar de nome e o museu do Sporting tenha de ser reconfigurado. É assim a vida hipermediatizada destes nossos ingratos tempos: é chato mas o Eusébio viveu noutra época e a idolatria nos nossos dias dá inevitavelmente nisto.

 

Populismos

Personagens como Bolsonaro ou Trump (salvaguardadas as devidas diferenças) interessam principalmente à esquerda radical que as propagandeia fanaticamente e com elas alimenta um discurso básico e maniqueísta com que domina a agenda política. Já esteve mais longe uma “proibição” de se ser conservador ou de direita, e a erudição não é bem-vinda à arena política porque não é bom combustível para a fogueira das redes sociais. O populismo sustenta outro populismo e o que sobra é histerismo no lugar dum debate sério e livre que aborde os verdadeiros anseios e medos do eleitorado num mundo em profunda e perigosa mutação. A democracia sendo o menos mau é definitivamente o mais frágil dos regimes.