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João Távora

A dura realidade

Basta frequentar uma praia suburbana no pico do Verão para perceber que isso da maioria silenciosa não passa de um mito. Daí que não vale a pena aos perdedores engalfinharem-se em masoquista autofagia, resta-nos recolhermo-nos em boa ordem às catacumbas. 

Dois discos que levarei para a ilha deserta

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O que têm em comum dois daqueles que para mim são dos melhores clássicos da pop “The Lamb Lies Down on Broadway” dos Genesis de 1975 e “OK Computer” dos Radiohead de 1997? Para lá dos diferentes contextos e épocas em que foram produzidos e de serem ambos álbuns duplos com mais de uma hora de boa música, tem em comum uma extraordinária densidade e diversidade melódica, um constante confronto entre a rebeldia e a ternura, a revolta com a mansidão, o épico com o ligeiro. Discos que eu levaria de certeza para a tal ilha deserta, e que irei sempre ouvir como se fossem novos.

O que aí vem...

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O governo francês anunciou ontem um projecto de lei sobre bioética onde se propõe que filhos de casais de lésbicas constem com “mãe e mãe” no registo de nascimento, a ser discutido no parlamento já em Setembro.
Pensar que não há muitos anos, tendo em vista o superior interesse da criança foi considerado um avanço civilizacional a obrigatoriedade da identificação do pai de qualquer filho "natural"... Mas irónico mesmo é constatar que a mesma malta que verbera contra as tradições católicas esteja agora plenamente convencida de que um indivíduo pode ser filho de dois pais ou filho de duas mães, a ponto de exigir que isso fique legislado...

Gratidão

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Decorrem hoje precisamente 58 anos, uma semana depois do meu nascimento, que fui baptizado. Foram meus padrinhos o Avô João (Conde de Castro) e a Avó Mimi (Marquesa de Abrantes) no lugar de Nossa Senhora. Agradeço  do fundo do coração aos meus pais e à minha família terem-me proporcionado esta filiação que tanto marcou a minha vida e que foi a minha salvação. 

Se eu soubesse o que sei hoje

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Na segunda metade dos anos setenta, no meu gira-discos, nas festas de garagem ou do liceu, tocavam as mais excêntricas batidas e desconcertantes sentenças bramidas por bandas que fariam corar de vergonha os mais atrevidos millennials que por aí deambulam a consumir “experiências”. Respaldado por uma família bem estruturada, debaixo de um ambiente político ainda dominado pelos militares e pela ortodoxia do conservadorismo comunista, a estética insolente e luxuriosa do Rock e de alguma música contestatária que então ecoava proveniente de Inglaterra e dos EUA, constituíam uma saudável fenda numa cultura profundamente castradora que era o “mainstream“ que sobreveio ao Estado Novo. Naqueles anos loucos, neste jardim à beira mar plantado, havia muros verdadeiramente por derrubar e limites por explorar, a moda explodira cá com 10 anos de atraso. A desconstrução é um processo crítico de reinvenção que funciona quando o objecto combatido é experimentado, sólido e tem pilares firmes. O que é trágico é que hoje já não há instituições tradicionais para desconstruir, não se desconstrói o que está feito em cacos. Se é certo que uma família consegue assimilar um “excêntrico” no seu seio, demasiados excêntricos arruínam uma família e receio que o mesmo suceda com uma cidade ou com uma civilização. Pela parte que me toca, a liberdade que experimento hoje, foi construída com o pão que o diabo amassou, em cima de muitas escolhas equívocas e até de erros crassos. Mas o facto é que quando foi necessário, tive uma alternativa, um caminho de volta, proveram-me um atalho de volta a “casa”.

Aqui chegados, a barafunda de referências que as novas gerações encontram parece-me letal. Os corpos intermédios, fundamentais para darem massa crítica a uma comunidade, os chamados contrapesos, estão cada vez mais fragilizados. Se o esvaziamento do interior, das antigas vilas e aldeias, é compensado pelo crescimento das grandes metrópoles, aí predomina o hiperindividualismo, uma sociedade profundamente fragmentada. Nelas sobrevivem com dificuldade as velhas paróquias, clubes de bairro e as associações culturais. A família, que deveria ser a célula base da sociedade, já viu melhores dias: Portugal é o país com a taxa de divórcios mais alta da Europa com 64,2 divórcios por cada 100 casamentos, os quais como sabemos são pouco fecundos – cada vez nascem menos crianças; os casais são eternos namorados e muitos contentam-se com a companhia de um animal de estimação. Cada vez mais as pessoas nascem e crescem isoladas e sem pertença, formadas para dependerem em tudo do Estado, que tudo regula e a todos domestica, com regras viciadas para a tribalização da comunidade, promovendo toda a sorte de excentricidades e aberrações numa lógica de dividir para reinar.

Lembrei-me disto tudo a propósito do Despacho dos Secretários de Estado da Igualdade e da Educação que saiu na semana passada com medidas administrativas para as escolas promovem a “autodeterminação de género”, com base na tal doutrina que afirma ser o género uma questão de vontade individual e não um desígnio biológico. Pretendem eles em última análise, que haverá tantos géneros quanto pessoas e as suas sensibilidades, ou seja, não há nenhum. Estranho é que este despacho tenha sido publicado enquanto o Tribunal Constitucional aprecia o pedido de fiscalização sucessiva de duas normas da Lei a pedido de 85 deputados liderados por Miguel Morgado.
Que estes caprichos adolescentes tenham sido cantados por bandas dos anos 60 e 70 eu percebo, em função do contexto e da época. Hoje, esta história de quererem fazer da Escola um acampamento do Bloco de Esquerda cheira a esturro, a não ser que eles tenham perdido de vez a vergonha, e queiram mesmo deitar isto tudo abaixo para dar lugar ao tal Homem Novo, criado, domesticado e regulado pelo governo, sem filhos, sem família, sem Deus ou ligação. Todos com um chip na cabeça, que será a única fórmula de controlar a rapaziada num balneário universal.

Imagem: Fonte, Marcel Duchamp (1917)

Por caridade

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Se como cristão não tenho dúvidas que o primeiro dever de uma pessoa decente é o socorro de imigrantes em apuros no mar, com base nesses mesmos princípios parece-me que não é bom que do lado de lá do Mediterrâneo transpareça a ideia de que o mar é uma fronteira aberta e uma via segura para o eldorado europeu. É que, se assim for, não só corremos o risco de nos tornarmos cúmplices das sinistras redes de tráfego humano, como seremos responsáveis para que mais e mais vidas inocentes de homens, mulheres e crianças se percam a meio caminho, afogadas em barcaças putrefactas, ludibriadas por cânticos se sereia homicidas. Definitivamente este é um problema complexo, um drama difícil de resolver, e para o qual se exige um debate racional e desapaixonado, desligado de disputas ideológicas. Por caridade.

Carta de Dom Manuel II a João Ulrich

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Fulwell Park
10. II . 1928

 

 

 

 

Meu caro João Ulrich

Tiro o luto pesado para responder à sua carta que muito agradeço, na qual pede a minha autorização para o casamento da sua filha Maria Emília de Casal Ribeiro Ulrich com o Marquês de Abrantes.

Com vivo prazer dou o meu consentimento, pedindo-lhe que transmita a sua filha os nossos sinceros e affectuosos votos de felicidade.

Sou muito amigo de há muitos anos do Marquês de Abrantes: estou convencido que a sua filha não poderia fazer melhor escolha. Por minha parte rogo a Deus que encha os noivos de bênçãos.

Com as nossos affectuosas lembranças à sua mulher,

Creia-me, meu caro João Ulrich

Um seu muito amigo,

Manuel R.

 

Nota:

Com uma vénia de gratidão à minha prima Filipa Ulrich.

Férias

A minha mulher, que sabe mais disto a dormir que eu acordado, diz que as férias só são férias quando, com a ajuda do sol e da praia, a nossa cabeça é invadida por uma espécie de névoa, que nos tolda a capacidade de concentração na medida em que nos desperta os sonhos (não os de grandes obras, evidentemente). Eu acho que ela tem muita razão e o António Costa também.

Escrito nas estrelas...

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Passaram há dias 12 anos (a idade do meu filho mais novo) que a minha mulher e eu registámos a nossa pequena empresa (parabéns atrasados, Carlota!) com a qual os dois iriamos fazer frente à severa crise económica que, como os sinais indicavam, grassou um pouco mais tarde. Foi uma brutal mudança de vida que nos aconteceu, primeiro um, e depois os dois, a ter de procurar um novo modo de vida. A Páginas e Letras foi a nossa bóia de salvação. Desta experiência acho que podemos com orgulho afirmar que conseguimos o objectivo primordial de assegurarmos a independência económica da família: com mais ou menos dificuldade e alguns sustos de permeio, com os anos a nossa pequena empresa atingiu uma velocidade de cruzeiro que, apesar duma opressiva carga tributária, nos permite hoje o sossego de ter as contas sem excessiva austeridade. Aos amigos mais chegados que mo perguntam, e que porventura tivessem expectativas mais altas, venho respondendo que, se dúvidas houvesse, agora tenho a certeza que não tenho vocação para ser rico – só mesmo para trabalhar... e ser livre. E que agora compreendo bem o porquê de na literatura, que é tão fértil em romances sobre o declínio e falência de famílias poderosas, serem tão raras as histórias de reconquista de poder (e pouco inspiradoras, ao que parece). Confirma-se pois que é definitivamente mais difícil uma família antiga recuperar riqueza do que um camelo passar pelo buraco duma agulha. Vem escrito nas estrelas, é da história do mundo.

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