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João Távora

Ecologia e democracia

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Perante um tão sólido consenso da comunidade científica no que refere ao aquecimento global, independentemente das dúvidas que me afligem quanto à eficácia das medidas de mitigação do problema mesmo a longo prazo, estou convicto que tudo o que fizermos para bem cuidarmos da nossa casa comum será pouco e isso talvez valha o sobressalto. Mas o que mais me causa aflição é o terreno fértil que esta agenda encerra para despertar os revolucionários das catacumbas a voltarem à carga com os seus perversos sonhos de despotismo e tirania, na domesticação dum Homem Novo. Quando cheios de ódio nos ameaçam que o Capitalismo é incompatível com a Ecologia, eles já não estão a disfarçar as suas intenções, mortinhos por nos imporem um modo de vida – do número de filhos à ementa alimentar, dos automóveis às viagens de avião, passando pelo uso da Internet; o menu de potenciais proibições é um autêntico programa de terror. O meu receio é que, como dizia hoje alguém na telefonia, não tarda estaremos todos a debater a compatibilidade da Ecologia com a Democracia – pois já percebemos que com a liberdade não será muita.

Foto daqui

Liberdade condicional

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É um costume pouco democrático mas o facto é que há demasiados políticos e "fazedores de opinião" sempre prontos a moralizarem sobre as formas mais ou menos legítimas de fazer política, na ânsia de limitarem a disputa e o espectro das ideias, sobre o que deve ou não ser tema de debate ou de campanha, quais as temáticas verdadeiramente elevadas ou rasteiras, populistas ou sofisticadas. Nessa lógica, recordemos que em tempos se pretendiam proscritos da agenda os temas económicos, que eram afinal meras "contas de mercearia", porque havia "mais vida para além do deficit". Por estes dias não são poucos os que consideram que os casos judiciais devem ficar de fora de discussão até que as decisões transitem em julgado, uma esperteza saloia para promover a impunidade dos protagonistas visados. Mas a temática que mais incomoda a intelligentzia regimental e de modo crescente à medida que as eleições se aproximam, são sem dúvida as chamadas questões de costumes que se eclipsaram dos debates. Como se houvesse questão mais determinante para o sucesso de uma civilização que a dos costumes. Curioso como as propostas dos partidos sobre o aborto (um assunto que o regime pretende arrumado e bem escondido das nossas consciências), a eutanásia, a adopção de crianças por homossexuais, o casamento, a família, a autodeterminação de género (o que quer que isso seja), as barrigas de aluguer, a liberdade religiosa ou até o multiculturalismo, acabam censurados dos discursos partidários, condicionados por um estranho puritanismo higiénico. O que há afinal de mais importante para uma comunidade do que os "costumes" em que as suas relações assentam, aquilo que ninguém quer debater e muito menos levar a votos? No fim, somos todos pela igualdade, social-democratas, ecologistas e anda toda a gente a brincar às alternativas. Depois queixem-se da abstenção. 

A nossa salvação

A democracia, o mais frágil dos sistemas políticos, definitivamente sofre da atracção pelo abismo: na ânsia da disputa dos eleitorados, não satisfeitos com a armadilha da promessa da felicidade (o que é isso da felicidade?!) os políticos arrogam-se agora do poder de salvar o planeta. Todos sabemos como acabaram os salvadores da pátria, agora sujeitamo-nos aos salvadores do planeta? O melhor será rezarmos pelas nossas almas, que estamos feitos seja pela doença, seja pela cura.

Quem tem dúvidas contra quem é preciso votar no dia 6 de Outubro? 

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A razão pela qual António Costa anuncia alto em bom som a eliminação da carne de porco nas acções de campanha do seu partido e de qualquer tipo de carne nas ementas da presidência do Conselho de Ministros nada tem a ver com preocupações ecológicas – mal estaremos nós quando interesses obscuros se sobrepuserem à alimentação saudável do ser humano. Trata-se apenas do mais vil populismo em acção, no total desprezo pelo interior do país e pelo mundo rural que não rende muitos votos. E isso é preciso denunciar.

Uma espécie de parábola

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Foi já no século passado, quando em tempos trabelhei num conhecido hotel de Lisboa, que tive o privilégio de conhecer o Sr. Mendes*, beirão com um espírito imenso que exercia as funções de porteiro da noite. O Sr. Mendes tinha imigrado para Lisboa nos anos sessenta oriundo de uma terriola perto de Castelo Branco, e antes de ingressar nesse hotel como mandarete – o início da carreira de quase todos os hoteleiros na época - tivera uma curta passagem na mercearia dum tio, experiência que serviu para se ambientar às ameaças da buliçosa Lisboa, cidade que ao mesmo tempo fascinava e assustava o cândido rapaz de 16 anos. Entre outras histórias – o turno da noite num Hotel, entre o fecho de contas das secções e os primeiros checkouts da madrugada muitas vezes permitia alguma distensão – o Sr. Mendes contou-me a grande aventura que fora o primeiro dia de folga depois de chegar a Lisboa. Para tanto, em vez de ir ao cinema como lhe tinham aconselhado os colegas, planeou e cumpriu um programa para ele absolutamente inédito: passar o dia na praia. Assim fez. Comprou ao tio um cacho de bananas (uma fruta à época pouco acessível e por cujo sabor exótico se deixara seduzir), apanhou a camionete na Praça de Espanha e foi passar o dia à Costa da Caparica. Foi nessa jornada memorável que, contava ele, aprendeu o que era a dor dum escaldão épico e o dissabor duma brutal indigestão de bananas. Foi assim a modos que trágico o seu debute na capital madrasta, que segundo ele, terá originado no dia seguinte, uma das poucas faltas que deu ao trabalho ao longo da vida.
Recordo-me também de uma observação que o Sr. Mendes fazia quando, guloso e com água na boca, ao descobrir que o cozinheiro deixara preparados uns suculentos bifes para a ceia da equipa da noite: “Destes, Sr. Távora, antes de chegar a Lisboa, só os via a passar à porta da casa da minha mãe, a puxar uma carroça - passávamos muitas privações”.
Lembrei-me destas histórias hoje ao saber que a Cantina da Universidade de Coimbra irá deixar de incluir carne de vaca na ementa. Estamos entregues a imbecis. 

* Nome fictício

Para que servem os novos partidos?

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Apesar de no nosso sistema eleitoral a dispersão da direita em facções mais definidas significar inevitavelmente a perda da sua representatividade parlamentar, como referi aqui há dias a outro propósito, considero saudável o surgimento dos novos partidos a concurso nas eleições de 6 de Outubro. Neste julgamento onde não incluo o partido de Pedro Santana Lopes, que mais do que uma corrente ideológica representa apenas o candidato derrotado das directas do PSD que decide correr por fora, refiro-me ao Iniciativa Liberal e ao Chega.
Começando pelo último, tenho para mim que o partido do André Ventura poderá ter a virtude de vir a acolher a direita reaccionária (na verdadeira acepção do termo) que desde o 25 de Abril, apesar de não gostar muito de eleições, se sente órfã de representação. O Chega poderá ser útil para se perceber o real peso dessa facção em Portugal, que não é mais do que o avesso do espelho do Partido Comunista: de ruptura, nacionalista, anticapitalista e securitária. Já a Iniciativa Liberal traz para o concurso, também de forma descomplexada, o liberalismo puro e duro, uma utopia que numa nação centralista e paternalista como a portuguesa ainda tem mau nome. Talvez por isso sujeito a um sucesso limitado, o partido de Carlos Guimarães Pinto tem a virtude de trazer para a discussão pública os limites da intervenção do Estado e do individualismo, ou da maturidade da sociedade civil para tomar conta dos próprios desígnios.
Ao contrário do que possa parecer, o PSD, o CDS (e o país em última análise) têm muito a ganhar com o alargamento do debate que estes novos partidos potenciam. Certo é que a direita, se quiser um dia quiser voltar ao poder para fazer obra, terá de ter capacidade para de novo juntar todas partes que sejam compatíveis, não se esqueçam disso.

O milagre das mercearias finas

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Uma prova de que o saudosismo o mais das vezes é fruto da falta de memória ou da imaginação fértil é o que acontece por estes dias em que o conceito de "Mercearia" está na moda, associado erradamente a qualidade e sofisticação. De facto, por todo o lado hoje florescem lojas com produtos “gourmet” que estranhamente ostentam a designação de “mercearias” que ao tempo da minha juventude não eram mais do que pequenas e obscuras lojas, o mais das vezes contiguas à residência do proprietário, que cheiravam a ranço e tinham um pouco de tudo o que não fosse fresco, e onde se aproveitava a familiaridade com o freguês para lhe conceder crédito, vender o refugo e carregar nos preços.

Na imagem: cena na Mercearia do Evaristo, do filme O Pátio das Cantigas realização de Ribeirinho em 1942. 

Vocês conseguem dormir descansados?

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Com a chegada dos ultraliberais da IL do Carlos Guimarães Pinto  à disputa eleitoral (facto que a par com o novo partido de direita radical de André Ventura para todos os efeitos me parece uma boa notícia), encontro num comentário a este texto de Pedro Borges de Lemos a controvérsia sobre uma suposta incompatibilidade do liberalismo com o comunitarismo. Serão os corpos intermédios e o associativismo forças antiliberais? A minha resposta é que não. Porque sendo eles emanação da vontade dos indivíduos livremente associados, constituem contrapesos essenciais para uma sociedade mais livre. Tenho para mim que a atomização social (fruto do individualismo) só serve para dar força ao Estado, que assim obtém um controlo efectivo sobre cada pessoa fragilizada porque descontextualizada e sem pertença. Ou seja, o liberalismo é defendido se o Estado for reduzido à expressão mínima e se no seu lugar, os indivíduos forem devidamente representados por instituições orgânicas de proximidade emergentes da sociedade civil com a família natural como célula base. Em tempos, nesta fórmula, caberia na parte superior da pirâmide aos municípios a gestão da coisa pública - hoje não tenho a certeza, tendo em conta a sua captura pelos partidos políticos e o declínio das velhas comunidades históricas e a concentração populacional em megametrópoles.
Pela minha parte revejo-me no CDS de Assunção Cristas. Entendo que faz falta a um país civilizado um partido conservador, que por natureza é moderado e não se envergonha de defender o comunitarismo integrando valores liberais eminentemente cristãos: cada indivíduo é de facto um ser único criado à imagem de Deus e capacitado de livre arbítrio. Mas nunca uma criatura de geração espontânea, sem contexto ou pertença, qual folha em branco, sem história ou sentido critico e à mercê das tendências conjunturais e da manipulação pelos mais poderosos – no caso, o Estado em roda livre. Agora, imaginem a quem melhor serve a brutal evolução da informática em rede nos últimos 20 anos. Há pouco mais de cem anos apenas os presos tinham algo parecido com um bilhete de identidade; posteriormente, a república alargou esse “privilégio” aos funcionários públicos; hoje, um quadro médio das Finanças sabe onde passei as férias, com quem trabalho, que livros leio e que tabaco fumo. Voltando à questão inicial: será o reforço e promoção dos corpos intermédios (a começar pela família) e do associativismo política antiliberal? Não tem sido a esquerda em nome da liberdade a promover o hiperindividualismo e o experimentalismo nos costumes? Vocês conseguem dormir descansados?

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