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João Távora

Estado de sítio (4)

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Coronavírus hoje em Portugal – 448 casos, 1 vítima mortal

 Ontem pela manhã recebi a primeira baixa entre os meus clientes, um a suspender os meus serviços. Era expectável já que se trata de uma empresa de recursos humanos da área da hotelaria. Fica a hibernar até que surjam melhores tempos. Nós pela nossa parte estamos a pagar as nossas contas e a cumprir as responsabilidades fiscais na expectativa que o dinheiro continue a circular.
Esta manhã para desanuviar fui fazer uma corrida de meia hora entre S. João e S. Pedro do Estoril evitando deste modo ir para os lados do paredão onde imagino que haja mais gente, e antes do almoço ainda fui ao supermercado ao lado da minha casa, onde implementaram um sistema de senhas para controlar o afluxo de pessoas. Achei o talho muito depauperado, e para além do papel higiénico notam-se falta de alguns produtos como arroz basmati ou bolacha Maria. As lojas aqui da Praceta ainda estão abertas (tabacaria, restaurante e café) e vêm-se pessoas na rua. O parque de baloiços encontra-se vedado com uma fita da protecção civil. Faz falta o bruá das crianças a brincar.
Ontem na recitação do terço contámos com a simpática “visita” duma sobrinha que nos acompanhou via WhatsApp. O miúdo mais pequeno, bastante contrariado vai cumprindo com os trabalhos que lhe são encomendados pelos professores via Internet e já aprendeu a mandá-los por e-mail. De resto continuamos os cinco bem de saúde e com ânimo (já vos tinha dito que somos cinco?), a interiorizar a perspectiva dum isolamento prolongado, aspecto que me lembra as pessoas que estão sós. Que não caiam na tentação de passar o dia a ler ou ouvir notícias, ou pior ainda nas redes sociais a enervarem-se. Ainda estamos só no princípio duma longa jornada.
Ontem recebemos uma mensagem do Chefe da Casa Real Portuguesa. Hoje parece que vai falar o Marcelo.

Estado de sítio (3)

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Coronavírus hoje em Portugal – 331 casos, 0 vítimas mortais

Ontem foi provavelmente o primeiro domingo em muitos séculos de história da cristandade sem missas dominicais publicas. Para marcar o domingo ontem decidimos almoçar fora… na varanda. O almoço foram umas pernas e peitos de frango que eu mesmo temperei e assámos no forno e comemos com batatas fritas. A nossa despensa está guarnecida como habitualmente, na expectativa de que podemos nos reabastecer quando necessário no supermercado aqui ao lado.
Dizem-me que o padrão estatístico da incidência dos infectados aponta para um quadro muito parecido com o de Espanha, talvez ligeiramente inferior ao verificado em Itália onde o fenómeno terá sido atípico. É fácil entender que a acção isolamento que estamos a empreender de momento só dará frutos daqui a duas semanas. Acho admirável como os portugueses têm voluntariamente acatado as directivas dos técnicos da Direcção Geral de Saúde. O meu desejo secreto era que não fossem necessárias “obrigatoriedades” impostas pelo poder central, estados de emergência ou coisa pior. Mas pelas redes sociais dá para adivinhar uma turba desejosa de imposições centralistas e radicais, estados de sítio e fecho de fronteiras (o que isso queira dizer)…  teme-se o pior. 
O telefone tem sido um utensilio muito importante para contactar os familiares e amigos, trocar impressões e alijeirar inquietações. Pelo terceiro dia consecutivo recitámos o terço ao final da tarde, e acho que os miúdos até estão a gostar do sentimento de cumplicidade que a oração em família convoca. O mais difícil está a ser por o miúdo mais pequeno a estudar as matérias do programa escolar que nos foram remetidas pela escola, mas a coisa vai ao sitio, com paciência e às vezes voz grossa.
Entretanto soube-se que os Genesis, ou o que resta daquela banda extraordinária do início dos anos 70 (Peter Gabriel e Steve Hackett não estão para chatices), vão reunir-se para uma tournée no Reino Unido em Novembro. Assim que a epidemia passar prometo empenhar-me na organização duma espécie Prós e Contras, com os melhores especialistas sobre o tema (um deles sou eu)… e bar aberto. Acho que o sucesso é garantido.

Estado de sítio (2)

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"Como se trava uma onda destas? Parando o País agora, quando a curva de incidências ainda está a subir muito depressa ou mais à frente? Os ingleses acreditam que o pico epidemiológico só vai ocorrer dentro de 10 a 14 semanas e que os esforços deste lado do Canal da Mancha estão errados. Preferem proteger a população mais idosa e grupos de risco e deixar que o vírus alastre um pouco mais para se conseguir uma espécie de imunidade comunitária.
A nossa estratégia é outra, mais radical. Mas tem um risco enorme. Se não parar a onda, vai ter de se prolongar muito no tempo."

Ricardo Costa hoje no Expresso

Coronavírus hoje em Portugal – 169 casos, 0 vítimas mortais

Curioso como a as pessoas se estão a adaptar a esta crise. Ontem nos correios de S. João do Estoril havia um traço a um metro do balcão que os clientes eram proibidos de atravessar. Os empregados vestiam luvas e o terminal de multibanco era desinfectado após cada utilização. De retorno a para casa, que fica à distancia de pouco mais de 500 metros, o tráfico parecia o de um Domingo. O meu filho, que tem estado fechado em casa e me acompanhava, comentou que pensava que não encontraria mesmo ninguém.
Esta manhã atrevi-me e fui ao ginásio fazer um pouco de exercício e encontrei-o quase vazio, o que tornou a minha visita muito higiénica. Apesar disso, e do visível reforço na higienização e dos desinfectantes disponíveis por todo o lado, suspeito que encerrará mais dia, menos dia. 
Entretanto hoje o Expresso noticia que o pico da epidemia pode acontecer em meados de Maio, o que nos obriga a repensar o modo de vida que vamos adoptar. Deste modo entendo a estratégia dos Ingleses que não tenho como loucos, antes pelo contrário. É o que eu tenho vindo a dizer cada vez mais baixinho para não me baterem: não me parece económica e humanamente possível o país ficar parado quase 3 meses parado em estado de sítio. Até do ponto de vista da saúde mental.
Hoje ficamos por casa, vamos almoçar umas salsichas com couve lombarda e está combinado à noite alugarmos o Toy Story 4 na TV Box. É preciso manter as tropas motivadas.

PS.: Não haverá algum canal de televisão aberto que se chegue à frente para a transmissão diária de uma missa enquanto a celebração estiver vedada nos templos? Estou a pensar nas centenas de milhar de crentes idosos que em termos de tecnologia pouco mais sabem que mexer no comando.

(Continua)

Estado de sítio (1)

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Coronavírus hoje em Portugal – 112 casos, 0 vitimas mortais

A epidemia do Coronavírus mudou as nossas vidas. Vivemos tempos absolutamente extraordinários sem dúvida, com as escolas fechadas, sem futebol, e até as missas foram canceladas, coisa nunca vista. Nem os republicanos do 5 de Outubro ambicionaram a tanto. Resta saber quem vai pagar a factura desta travagem a fundo existencial. Cá por casa não estamos sujeitos a quarentena, apenas obrigamo-nos à prudência dum recolhimento auto-infligido. Deus Pai nos ajude a todos - hoje ao final da tarde rezámos em família um terço a Nossa Senhora.

Trabalhar em casa é coisa que por cá já fazemos há muito tempo - apesar de eu ter um pequeno escritório em Cascais. Hoje tive de ir por umas facturas ao correio (que a vida continua, não temos rendas e o dinheiro não nos cai do céu) e aproveitei para levar a criança mais nova que está há 3 dias sem sair em casa, preguiçando entre os deveres protelados da escola, a Nintendo e o computador, um passeio que, contrariamente ao que seria de esperar, aceitou com bonomia. As próximas semanas desafiam-nos a imaginação para por a casa em actividade, e a malta mentalmente sã - que mais letal e contagioso que o Coronavírus é a paranóia, que atinge principalmente quem tem pouco que fazer. Por estes dias há que açambarcar bom senso e racionalidade, que são coisa que não se vendem nos supermercados.

 

(Continua)

Um monárquico e as eleições presidenciais

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Com as eleições presidenciais daqui a pouco menos de um ano, por detrás da cortina mediática da epidemia do Coronavírus já se sentem os rumores de duas candidaturas prontas para agitar a modorra doméstica: à direita, a do polémico André Ventura, já confirmada; e à esquerda, a provável da diplomata pouco diplomática Ana Gomes. A eleição, que se previa um passeio tranquilo para Marcelo Rebelo de Sousa, promete revelar-se muito animada — quem sabe até simulando uma espécie de plebiscito ao regime. Com Gomes e Ventura na arena, a peleja promete ser feroz, coisa que terá o mérito de agitar consciências nesta pobre e envelhecida nação, conformada com um destino medíocre.

Mas como podem interessar estes assuntos aparentemente fúteis a um convicto monárquico? Interessam bastante, nem que seja porque as eleições presidenciais são sempre uma oportunidade para dissecar o nosso sistema semipresidencialista, as suas fragilidades e contradições… e trazer para a praça pública outros modelos, vigentes em destinos mais bem-sucedidos. Depois, porque o tema interessa à grande maioria dos simpatizantes realistas, que – com pragmatismo – entendem útil a sua participação cívica na eleição presidencial, numa perspectiva de «gestão do mal menor».

Em contrapartida, já me custa entender aqueles que se deixam seduzir pelos cânticos de sereia dum aprendiz de caudilho que, cavalgando descontentamentos populares que são legítimos, agita a bandeira duma «quarta república» messiânica, um presidencialismo à francesa que outra coisa não é que a hipertrofia do cargo de Presidente da República com a qual André Ventura almeja purgar a vida política do país. Percebo a atracção de tomar partido num “plebiscito ao regime”, mas tenhamos cuidado para não vender a alma por 30 dinheiros. Um pouco como aconteceu com o abraço do urso que resultou da adesão a Salazar de muitos resistentes monárquicos, depois de sofrerem dezasseis anos de tirania e miséria dos «democráticos» republicanos. A esses, convém lembrar que a Coroa viável nos nossos dias — aquela que, afinal, impera nos países mais evoluídos da Europa — é uma instituição politicamente abrangente e aglutinadora: não estigmatiza credos ou clubes. A tolerância e a inclusão constituem, por via disso, o mais valioso argumento político da solução preconizada pelos monárquicos.

Tudo isso nos aponta para um cliché: a fama de Marcelo Rebelo de Sousa se comportar como um monarca constitucional. Trata-se de um enorme equívoco, que nada abona a favor das dinastias reinantes: a actuação do Príncipe caracteriza-se por uma equidistância de máximo rigor face às disputas políticas da governação, a cargo dos partidos no parlamento, e, não menos importante, duma sobriedade de pose e de discurso que é o que lhe confere a reserva de autoridade que ele tem por dever simbolizar, como vértice agregador duma pirâmide de interesses e facções conflituais.

Nas dez monarquias constitucionais europeias e dos seus Chefes de Estado — Filipe da Bélgica, Margarida II da Dinamarca, Henrique, Grão-Duque de Luxemburgo, Guilherme Alexandre da Holanda, Haroldo V da Noruega, Filipe VI de Espanha, Carlos XVI Gustavo da Suécia, Isabel II do Reino Unido, Hans-Adam II do Liechtenstein, Alberto II de Mónaco — não se vislumbram comportamentos minimamente comparáveis aos de Marcelo Rebelo de Sousa. E são todos países, sublinhe-se bem, com forte tradição parlamentar e muito desenvolvidos.

Pela minha parte, e porque gosto de política, assistirei com interesse ao espectáculo das presidenciais de 2021 na certeza de que será digno da final de um campeonato de wrestling. Um dia, o seu vencedor irá instalar-se no Palácio de Belém com a árdua tarefa de fingir que é amigo de todos e representa todos os Portugueses. Mas no momento de preencher o boletim de voto, não deixarei de o anular. Será essa a expressão do meu repúdio por esta mascarada que nos foi imposta à força.

Publicado originalmente no jornal Observador.

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