Estado de sítio (25)
O Pós-guerra
Coronavírus hoje em Portugal – 24.505 casos, 973 vítimas mortais
Não é sem algum incómodo e até angústia que percepciono pelas redes sociais sinais de indignação e resistência ao inevitável retomar da normalidade, que se expressam em diferentes matizes: os rezingões a espreitar da janela as famílias que já se atrevem a sair à rua com as suas crianças, os snobes que bocejam contra o reatamento dos jogos de futebol, e os outros que se sentem ameaçados por uma suposta visão economicista que se estará a sobrepor ao sagrado valor da vida humana, escondida atrás do alívio das medidas de confinamento. Perante isto e a absoluta incerteza quanto à perspectiva duma imunidade ao COVID-19, seja por via natural ou por via de uma vacina disponível para toda a gente, parece-me urgente que cada um assuma a sua responsabilidade no esvaziar da bolha de medo em que comodamente nos instalámos, e na promoção dum retorno progressivo à normalidade. E não me venham com a história de que uma vida humana não tem preço, pois toda a gente sabe que tem, desde logo o sabem as instâncias do Estado que todos os dias rejeitam medicamentos inovadores por avaliação custo vs benefício (o que valem alguns meses de vida para uma pessoa com cancro?).
Assustadora me parece a passividade com que nas últimas semanas prescindimos da nossa liberdade e do sentido crítico, a facilidade com que tantos vigiam, julgam e denunciam outros mais afoitos, rejeitando liminarmente quem recuse a narrativa dominante, a crise vista da enfermaria. Se ser hipocondríaco é um capricho pequeno-burguês, o resto revela-nos bem como vivemos tão conformadamente os 48 anos do Estado Novo.
O que é facto é que ontem num passeio ao centro de S. João do Estoril constatei que o pessoal está a por a cabeça de fora, que as pessoas comuns que não possuam gordas economias, ou vivam de rendimentos ou pensões, estão em vias de desesperar. E que até aos mais resistentes a psicose do isolamento começa a fazer estragos. É urgente que os poderes mudem a narrativa, corrijam o caminho, pois parece evidente que vamos ter de viver com o coronavírus à porta de casa durante muito tempo e este ambiente de medo não pode prevalecer. Temos de assumir o risco e sair das nossas casas, se queremos voltar a reencontrar os nossos pais vivos e não causar danos irreversíveis às nossas crianças em prisão domiciliária. E obter sustento para levar para a mesa.
E a todos que acreditam que estamos a travar uma guerra, é bom que entendam que em face à devastação ocorrida, será no convívio com o inimigo que teremos de dar início ao movimento de reconstrução das nossas vidas, trabalhos de hércules em que todos somos convocados a participar. Quanto antes.