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Coronavírus hoje em Portugal – 25.702 casos, 1.074 vítimas mortais
Ontem retomei o trabalho no meu escritório em Cascais, agora que em casa as rotinas do novo normal estão estabilizadas. Os miúdos têm aulas virtuais com horários e a nossa empregada voltou ao serviço, que significa um considerável alívio nos afazeres domésticos.
Esta manhã à porta do meu escritório fui intimado a manter distância por uma senhora descabelada que passava na rua (bastante afastada diga-se) e que me tirou do sério. Desconfio que haverá muita gente que, sugestionada pelo disparatado cartaz da câmara municipal, não só "perdeu o medo de ter medo", como está a adorar a experiência. Outra impressão que me fica da vila de Cascais por estes dias é que, na ausência de turistas, e estando ainda encerrados ou a meio-gás a maior parte dos organismos públicos, o perfil da população com que nos cruzamos nas ruas é maioritariamente composto por imigrantes, gente que não se pode dar ao luxo do teletrabalho e menos ainda ao confinamento. Será esta pobre gente a maior vítima do coronavírus, suspeito. Nota-se que a maior parte das lojas, tirando os bares e restaurantes, já abriram as portas mas desconfio que os clientes ainda serão poucos. Cascais sem forasteiros não tem economia que lhe valha.
Uma nota ainda sobre o escândalo das celebrações do 1º de Maio na Fonte Luminosa, por decreto presidencial e votado quase unanimemente no parlamento, enquanto as autoridades expulsavam algum afoito cidadão que se atrevesse a ler um livro num banco do jardim: trata-se quanto a mim um paradigmático acontecimento, muito mais grave do que nos querem fazer crer. Aquele circo diz muito sobre a irrelevância da nossa sociedade civil e da tibieza das nossas instituições, que com demasiada facilidade se ajoelham às oligarquias do costume que nos toureiam e tomam por parvos. As desculpas esfarrapadas de Marcelo Rebelo de Sousa são confrangedoras e uma metáfora do país que somos – temos aquilo que merecemos. Sintomática é também a complacência da maior parte da comunicação social “de referência” e das suas principais personalidades que se submetem sem pudor à subterrânea lei dos donos disto tudo. Expulsaram eles os nossos saudosos reis para suportarmos, mansos e venerandos, esta porca miséria. Às vezes tenho vergonha de fazer parte desta charada a que chamam país. Que aguenta tudo, bem sei.
Com esta crónica termino esta série que intitulei “Estado de Sítio”, a modos que o meu testemunho destes tempos estranhos em que um vírus de medo nos contagiou a todos e que nos fez viver confinados nas nossas casas durante quase dois meses. Aqui chegados, sobrevivemos. Espero que os danos sofridos tenham valido a pena, porque suspeito que a mais assustadora peste é o que vem a seguir.