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João Távora

A beleza natural como redenção e outras histórias

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Nos últimos tempos estive a ler um livro que me foi oferecido por um bom amigo, a História de Vila Nova de Milfontes publicada pela Câmara de Odemira, da autoria do historiador António Martins Quaresma, uma coisa séria com muita investigação e profusamente ilustrada. A história de Milfontes é uma longa história de pobreza extrema e resistência duma vila fundada com homiziados (uma espécie de degredados), desde a carta de foral de Dom João II até ao Século XX, quando a beleza natural finalmente se torna um motivo de fortuna (!) - pouco mais a vila teve alguma vez para dar que o encanto da Foz do rio Mira. Com umas terras muito pobres e uma barra traiçoeira e sem um porto decente que só foi construído em meados do séc. XX, (a pesca só era praticável no Verão), as populações até ao século XVIII eram constantemente fustigadas por galés de corsários argelinos, que pilhavam o pouco que havia e raptavam os habitantes para negociar resgates. O emblemático forte a que chamam castelo, cuja ponte levadiça já estava irremediavelmente avariada poucos anos depois da sua construção no séc. XVII, nunca estava suficientemente equipado, nem de soldados nem de armamento (pólvora, por exemplo), tornou-se mais um elemento dissuasor. E também há a extraordinária historia de um tal António Afonso (que chegou a ser cabo da praça ou “capitão” do castelo) raptado e resgatado aos argelinos, um tipo insolente, espadaúdo e bebedolas que foi condenado a 6 meses de degredo em Évora pela Inquisição por, num casamento, dentro da Igreja, sob o efeito do álcool se ter metido com a noiva e pronunciado terríveis blasfémias. Afinal isto não mudou assim tanto, pois não?

Entretanto, com base nesse livro, durante as férias vou dedicar mais uma crónica a esta terra que desde a minha infância me conquistou o coração. Brevemente. 

Grosseria, a outra epidemia

Reflexões sobre a anormalidade do novo normal

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Existem danos colaterais da pandemia que, na hierarquia das prioridades vistas da enfermaria, acabam menosprezados e não deviam. Nem me vou centrar no problema causado pelo distanciamento social que, para muita gente que com esforço fomentava a sua rede de relações, a dinâmica será difícil de inverter. Constato com alguma tristeza como, apesar do desconfinamento, muitos ainda resistem a uma presença física numa reunião, mesmo que dentro das regras sanitárias, na possibilidade de poderem fazê-lo através de uma plataforma virtual. E nem estou a falar daqueles mais frágeis, prudentes ou temerosos, mas daqueles que por comodismo ou timidez evitam deslocações ou confronto pessoal. Acontece que as relações humanas são por natureza uma construção complexa que, para a maioria das pessoas civilizadas mas sem especiais dotes, exige algum esforço. Talvez por causa dessa falta de “ginástica” venho notando aqui e ali algumas sensibilidades exacerbadas e espíritos melindrosos. A manutenção de uma rede de afectos compensadora requer exercício contínuo e músculos oxigenados em sociabilidade. O problema não são os outros, está sempre em nós. Também não me vou centrar na questão do teletrabalho. Há muitos anos que o pratico, mais por necessidade que por opção. Evidentemente aqui, uma vez mais, a dinâmica relacional faz muita falta seja na tomada de decisões ou no processo criativo, já para não falar da competitividade que o convívio presencial promove com consequentes resultados na produtividade. A convivência com uma equipa ou hierarquia permite uma aprendizagem que nenhuma ferramenta virtual substitui. Além do mais o teletrabalho impede uma saudável separação de dois mundos distintos mas complementares, o familiar (e de lazer) com o laboral.

Mas se queremos mesmo encarar a regressão civilizacional que nos ameaça, devemos ter cuidado com a degeneração do cumprimento e das boas maneiras em geral. Digo-vos que aquela cotovelada adoptada pelos políticos em Bruxelas que vemos na televisão é uma coisa esteticamente deplorável. Mais vale usar a vénia chinesa. Suspeito que vai ser difícil voltar a por toda a gente a cumprimentar-se com urbanidade.

Mas isso dá muito trabalho tanto a ensinar quanto a praticar. Desde pequeno que na minha família todos fomos insistentemente educados a ser corteses e cumprimentar todas as pessoas, de qualquer condição, na obediência de um protocolo exigente. Evidentemente que não me esqueço como era desagradável quando em ocasiões festivas ou à porta da missa tinha de cumprimentar alguma senhora de cerimónia, com perfume demasiado intenso e muito pó de arroz na cara. Havia o risco de ficar com a marca do batom impresso numa bochecha que me enojava. Em casa dos meus avós o protocolo era uma longa tarefa de distribuição de beijinhos e pequenos inquéritos pretensamente simpáticos, a começar nos donos da casa e a continuar nas tias, terminando a empreitada nuns desafiantes passou-bens apertados, que me deixavam as mãos em brasa, ministrados pelos meus tios mais caturras. Só depois de consumado todo este ritual, estava livre para brincar com os meus primos. Imaginem vocês que os meus pais até nos ensinaram a beijar a mão a senhoras de um certo estatuto socio-etário, e nos deram aulas práticas de como se cumprimentam os príncipes. Esses ”sacrifícios” apesar das voltas que a nossa vida deu para longe desses universos, vieram a revelar-se-me muito úteis. Acontece que as boas maneiras são o chão com que se constroem relações harmoniosas e sãs. As boas maneiras são uma boa máscara para os nossos estados de alma, o mais das vezes instáveis, por razões tantas vezes obscuras.

Por estes dias de COVID19, nos encontros sociais que graças a Deus já vou retomando, tenho notado por entre a miudagem nova um certo alívio por estarem formalmente dispensados de cumprimentar os mais velhos, preceito que, suponho, sentem como uma espécie de incómoda vassalagem ou simplesmente uma limitação da sua liberdade. Ainda não descobriram que somos todos vassalos uns dos outros, e que estas cortesias todas nos enquadram e libertam para relações francas, construtivas e mais duradouras. Sem equívocos desnecessários.

De resto, como bem sabemos, é mais fácil destruir que construir. Por isso suspeito que não será fácil a retoma das boas maneiras, principalmente entre os mais novos, sabendo nós que é graças a esses complexos protocolos que construímos a nossa civilização. Que espero ninguém queira trocar por outra coisa.

O retrocesso

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Lamentavelmente o que os partidos do bloco central promovem hoje em São Bento é a menorização do parlamento, no seu papel fundamental de fiscalização do executivo, que aliás o nosso regime semipresidencialista não favorece grandemente. Um monárquico como eu só pode deplorar profundamente este retrocesso. É que basta olhar à nossa volta por essa Europa afora para perceber que um parlamento com poderes e legitimidade reforçados é a fórmula que viabiliza as persistentes monarquias contemporâneas e… o progresso económico e social desses povos.

 

Na imagem cerimónia de abertura do parlamento em 1904. 

O regime de partido único

Os donos disto tudo..jpg

O lugar do Partido Socialista é de tal forma hegemónico no regime que há momentos em que a disputa interna entre os seus dirigentes e suas tendências é politicamente mais relevante que a disputa desse poder com os líderes da oposição. Pedro Nuno Santos que em boa hora se desfez do seu Porsche já afronta António Costa pela esquerda, numa linguagem que se aproxima do bloco, demarca-se do apoio a Marcelo nas presidenciais. Mais social democrata é o Fernando Medina, pragmático promotor de eventos, gestor de estacionamentos e ciclovias, está a construir o seu curriculum numa grande câmara municipal como fez Rui Rio que nesta luta por São Bento arrisca  a tornar-se irrelevante. Ou algo muda depressa ou tudo irá resolver-se no Rato, até a distribuição dos milhões de Bruxelas.

O país das maravilhas

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Não deixa de ser irónico que hoje segunda-feira, enquanto em Bruxelas se arrastam as negociações por umas côdeas com que a Europa nos vai acudir para fazermos face à brutal crise económica que se prenuncia no horizonte, o tema de abertura do noticiário das 9:00 da manhã da rádio Observador tenha sido o das vitimas do incêndio florestal em Santo Tirso e uma pertinente entrevista ao sagaz bastonário da ordem do médicos veterinários. Pelo que me apercebi a peça era sobra duma comoção nacional ocorrida ontem e amplamente explorada nos telejornais, resultado do facto dos bombeiros terem ousado impedir os populares de entrarem no canil durante o fogo para resgatarem os pobres animais que não escaparam a um trágico destino.

Por falar em entretenimento, é consolador constatar que apesar do planalto epidémico se manter firme e regular nas três centenas diárias de novos casos, nos últimos dias desapareceram as alarmantes notícias radiofónicas matinais sobre focos de infecção na região de Lisboa e Vale do Tejo assim como os encontros juvenis nas ruas da periferia a afrontar a pacatez do confinamento dos bons cidadãos. Este fenómeno certamente deve-se ao facto deles serem proibidos e evidentemente por causa das bombas de gasolina estarem impedidas de vender bebidas alcoólicas depois das 20,00hs.

Quatro notas curtas mas não desprezíveis

1) Não sou amigo do Vasco Rosa pelas suas capacidades de trabalho ou arcaboiço cultural e intelectual. Conhecemo-nos noutra dimensão do tempo em que nada disso era importante. Mas o que esta entrevista nos revela é muito mais que isso, é também o seu carácter independente e consequente coragem. Isso sim traços que me seduzem profundamente. Obrigado, Vasco!

2) Isto da epidemia tornou-se um assunto fracturante - não se deve falar do tema na sala de jantar sob o risco de azedar a refeição. Toca em sensibilidades profundas das pessoas - umas mais securitárias outras mais liberais (simplificando, evidentemente). E depois há o calor que exacerba os espíritos.

3) Uma bela reflexão de Paulo Maia Loureiro sobre o erro crasso de se basear decisões políticas em "bases científicas" sempre controversas e dinâmicas. Aqui

4) Uma das maiores provas do progresso da humanidade (tecnológico, que outro não se vislumbra) é a existência nos supermercados de pacotes de pevides descascadas a um preço razoável. Em miúdo eu tinha de esfolar os dedos para comer duas dúzias delas.

João Rodrigues Sá e Menezes "O Velho"

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Este divertido diário de Francisco Dias, um ilustre desconhecido (?) quinhentista “procurador de El-rei no Porto” ofereceu-mo o meu amigo Carlos Bobone. Além de tudo o mais (tem histórias de pestes), o que tem de particularmente curioso para mim, são as múltiplas referências ao I Conde de Matosinhos, Francisco Sá e Meneses notabilizado “poeta do Rio Leça” e ao seu pai João Rodrigues Sá e Menezes "O Velho". E que fantástico personagem foi este último: dizem os seus biógrafos que viveu intensamente até aos 115 anos. A sua carreira política começou como ministro de D. João II, foi-o também de Dom Manuel, de Dom João lll e de até D. Sebastião. Traduziu as Elegias de Ovídio, comentou Homero, Píndaro e Anacreonte e "Enobreceu" como guerreiro nas campanhas de Azamor e de Arzila. A sua família foi a primeira no Porto em que as mulheres tiveram direito a tratamento de “Dom”, e “cujos homens e respectivas esposas foram tratados por senhorias."

Estou arrasado!

Inquietação

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Ontem numas imagens que vi nas notícias captadas por uma câmara indiscreta ao final da defunta reunião com especialistas no Infarmed inquietou-me a cumplicidade com que Marcelo Rebelo de Sousa confidencia com Ferro Rodrigues e António Costa o modo como iria fazer a sua intervenção. Até admito que a comoção da crise do Covid19 tenha fortalecido os laços entre eles, mas aflige-me sermos governados por três amigalhaços.

De resto, o que esta pandemia deixou a nu foi a arrogância dos políticos que pretenderam serem capazes de a controlar (os bezerros de ouro sempre foram uma tentação para os pategos). O maior problema é que o povo não deixará de lhes cobrar os seus efeitos quando não tiver pão para por na mesa. E não se esqueçam que as moratórias e o lay-off simplificado não vão durar para sempre.

Vai tudo ficar bem?

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É para mim evidente que o coronavírus é uma ameaça que a prudência obriga a que cada um assuma uma atitude profiláctica, principalmente para se proteger os membros mais frágeis da comunidade. Dito isto, está nos manuais, toda a gente sabe que um dos assuntos que mais vendem jornais é a doença - e isto é um assunto sério. É sabido que uma epidemia é um pitéu para vender notícias, mais ainda se o ‘media’ for sensacionalista, que assim se dispõe a dar ao povo a emoção alienante por que anseia, com uma justificação moral do “quem te avisa teu amigo é”.
A minha dúvida é como é que se pretende animar a economia com mensagens tão contraditórias. É irónico que os media lamentem a exclusão de Portugal dos corredores aéreos britânicos para o turismo ao mesmo tempo que andam à cata de mosquitos na outra banda, seja de residuais complicações da infecção em jovens ou da propagação do COVID19 por aerossóis. Perante o medo instalado estará a generalidade das pessoas disposta a ver as esplanadas de Albufeira ou de Alfama cheia de ingleses eufóricos a beber cervejas? Não me parece.
Definitivamente não existe um ambiente propício para a urgente retoma económica, para mais num país tão dependente dos negócios hoteleiros - tornámo-nos na taberna fina da Europa (nada contra!). Do lado de lá da fronteira e… do lado de cá. Experimentem dar uma volta nocturna no centro da vila de Cascais, Bairro Alto ou Vilamoura para se ter a noção do tamanho do desastre que se avizinha. Enquanto a metade do País que vive de rendimentos garantidos se enrosca assustada no sofá ao serão a ver telejornais transmitidos em directo duma qualquer enfermaria de hospital. Acreditam mesmo que isto vai tudo ficar bem?