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João Távora

Precisamos de um milagre

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As minhas preocupações mais profundas prendem-se com questões a que a política há muito deixou de acorrer. Duzentos anos passados sobre o início das revoluções liberais, a descristianização de Portugal tornou-se um processo acelerado – como no resto da Europa, o individualismo espalhou-se como um vírus que não olha a fronteiras. Aliás, a epidemia do “distanciamento social” só veio salientar a questão e agora entram-nos com violência pelos olhos adentro as igrejas encerradas e as missas cada vez menos participadas por esse país afora. A ligação à comunidade das paróquias é cada vez mais ténue, em muitos locais subsiste graças ao seu cariz assistencialista – é bom que os cristãos se distingam por cuidar dos mais frágeis. Os padres e cristãos consagrados são “a resistência” dos nossos tempos. Em abono da verdade nem a minha família (que é muito maior que a minha casa), de tradição profundamente católica romana, escapa a esta sanha pagã; o facto é que a maioria dos meus sobrinhos deixou de ir à missa e não se vislumbra que alguns dos meus sobrinhos netos venham a ser baptizados. Sim, há um problema geracional, a mensagem de Jesus Cristo, o drama humano, é pouco compaginável com o Instagram ou mensagens de WhatsApp, e não está a passar para os mais novos. Como não desejo a salvação só para mim, isso angustia-me, tanto mais que para lá do problema existencial a questão é também de identidade. De dia para dia, os portugueses, entretidos nos seus pequenos prazeres e idolatrias, vão-se desligando das suas raízes culturais (e territoriais). Ao final do dia suspeito que este não seja um problema exclusivo dos católicos. E que precisamos todos de um milagre que nos salve desta massificação hedonista e de que, um dia destes, a nossa Pátria não se dilua num mero algoritmo.

Fotografia: Igreja de S. Leonardo Atouguia da Baleia (Séc. XIII)

Porto, 24 de Agosto de 1820

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A propósito da efeméride de hoje em que se completam 200 anos da Revolução Liberal do Porto, Lourenço Pereira Coutinho na revista do Expresso faz uma curiosa referência a um jurisconsulto de seu nome António Ribeiro dos Santos, que no reinado de D. Maria I representava uma corrente não revolucionária partidária do estabelecimento de um código constitucional escrito para o reino, projecto que obteve forte oposição dos defensores do iluminismo pombalino. Infelizmente em Portugal é quase sempre a via revolucionária que vinga, e é no mínimo irónico que o Marquês de Pombal se tenha tornado o grande ícone do republicanismo português. Afinal, déspotas são sempre déspotas.
A não perder o ensaio sobre o tema por Carlos Bobone, aqui.

Merecidas férias...

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Todos os anos por esta altura vai sendo costume os nossos miúdos tirarem umas ansiadas férias longe dos pais; pouco mais de meia-dúzia de dias em que sabemos se divertem à tripa-forra com os primos e retemperam forças em plena natureza (obrigado, mana!) longe das repressivas regras parentais e domésticas. Aqui chegados, nem eles imaginam como nós nos deleitamos nestes cálidos dias de Verão caídos do céu, em que estranhamos a casa demasiado grande e silenciosa, onde descansamos dos seus resmungos ao arrancá-los da cama, de dirimir as suas disputas, de quem levanta a mesa ou arruma a loiça, de os mandar arrumar os quartos, por a loiça na máquina e as roupas para lavar, a poder ir a um restaurante simpático por menos de 3 dígitos ou beber uma bebida espirituosa ao fim do dia na varanda. Resta-nos a consolação de que, quando daqui a uns dias nos estivermos a habituar a este remanso, eles chegam insolentes como sempre mas cheios de saudades da sua casa. Que somos nós.

Delírios dum defeso atípico

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Mesmo na perspectiva de estádios sem público por causa da pandemia do medo, o defeso da bola com as promessas de reforços milagrosos para as equipas é sempre emocionante para os adeptos mais entusiastas. As temperaturas do estio conjugadas com a indolência das férias contribuem para um ambiente de expectativa eufórica que os jogos a doer tratarão de acalmar. A julgar pelas notícias e pelos comentários dos especialistas, o Benfica este ano surgirá com uma equipa para disputar o pódio das competições europeias e o campeonato doméstico uma mera formalidade, um monótono passeio com o vencedor já vaticinado. O fenómeno mediático proporcionado pela promessa de chegada do messiânico Jesus repete-se agora com o alvoroço da possibilidade da contratação de Cavani. Tudo em prol da salvação de Luís Filipe Vieira, a quem, com a justiça à perna não convém perder o lugar onde se protege.

Dito isto, as coisas até podem não ser assim lineares, não digam nada a ninguém. Tenho ideia de que retornos normalmente não funcionam bem e que as estrelas em fim de carreira são mesmo cadentes. Já o Sporting com um bom treinador e estilo de jogo definido parece-me no bom caminho, a contratar valores seguros, jogadores emergentes com provas dadas e necessidade de afirmação noutros patamares. A construção de uma equipa sem desespero ou euforias.

E como eu tenho saudades de ir à bola…

Publicado originalmente aqui

No dia seguinte

Agradecer sempre. Desde logo a Nossa Senhora da Assunção que me emprestou o seu dia para eu vir ao mundo, e que me tem enchido de graças, bons amigos e de uma família que todos os dias me salva.

Malucos à solta

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Ao longo da minha vida fui diversas vezes ameaçado por maluquinhos da extrema-esquerda que, no que diz respeito ao “discurso do ódio”, entre nós tinham a exclusividade e gozavam de total impunidade - lembro-me até de ter apanhado uma sova algures nos anos setenta, quando as paixões não eram tão platónicas. A novidade no caso em apreço que está a dar brado é a motivação aparentemente (por dedução) racista das ameaças de uma auto-denominada "Nova Ordem de Aviz" - a apropriação deste nome é em si uma anedota. Isso é uma prova da degradação do ambiente político que se vive em Portugal, sinais que só por irresponsabilidade podemos ignorar. Um dia destes ainda alguém se aleija a sério, não era a primeira vez. De resto, num extremo e no outro do espectro partidário é muito fácil reconhecer os responsáveis pela inflação de doideira.

Apanhar os cacos

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O distanciamento social é um fenómeno contrário à democracia, dizia há tempos Bernard  Henry-Levy numa entrevista do Pedro Mexia publicada no Expresso, e eu atrevo-me a sugerir que o distanciamento social, mais que antidemocrático, é pouco cristão.  E o pior é que suspeito que demorará muito tempo a apanhar os cacos e vão faltar peças para restaurar a normalidade nas relações humanas como as conhecíamos.

Numa missa de domingo na Igreja Matriz do Cadaval em que participei recentemente, fiquei triste ao encontrar o templo quase vazio. O meu grupo de onze pessoas foi acolhido com espanto e foi dificil explicar que eramos a mesma família e que não fazia mal ficarmos juntos. Estou a falar de uma freguesia que, sendo dispersa territorialmente, é próspera, e julgo ser bastante povoada mesmo em Agosto. Fico com a ideia de que boa parte dos católicos não desconfinaram verdadeiramente, ao mesmo tempo que o “higienismo”, que é uma forma de idolatria, tomou conta da liturgia com milícias de zelosos paroquianos que fanaticamente arrumam os crentes nos bancos da igreja e os aspergem insistentemente com álcool à entrada, outra vez antes da eucaristia, outra vez depois, e finalmente mais uma borrifadela à saída. Fico com a ideia que as missas no sofá, pela televisão ou pelas redes sociais, em que involuntariamente se relativizou o valor transcendental do sacramento da “comunhão” (palavra com significado oposto a “distanciamento social”) constituiu um forte abalo no cada vez mais fragilizado costume dos crentes se encontrarem fisicamente ao Domingo para a Missa. Foi Jesus Cristo que afirmou a importância do encontro comunitário: “Pois onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles" (Mateus 18:20).

Mas como é bom de ver, este não é apenas um problema da Igreja e das paróquias, que são dos últimos bastiões das antigas comunidades locais. A pandemia apenas veio acelerar o processo de descristianização e atomização social que há muito vem fazendo o seu caminho. A consequência são os exércitos de indivíduos inaptos para as relações sociais, cada vez mais isolados e dependentes do Estado, do Centro de Saúde ou da Segurança Social. E fiquem sabendo que admiro a tenacidade dos comunistas que insistem fazer a sua festa. 

Contou-me a minha mulher que antes da pandemia já vigorava a nova moda sanitária sobre os bebés recém-nascidos que são aconselhados pelos médicos a viver os dois primeiros meses isolados com os pais, sem saídas, visitas ou contacto físico com os avós, tios ou outros parentes, obrigados a conformarem-se com uma “story” no Instagram. E depois já repararam como é ineficiente o teletrabalho, a promiscuidade entre o trabalho, a família e o lazer? Já repararam na aberração dos jovens entretidos com gadgets electrónicos impedidos de ir à escola ou nos miúdos sem acesso aos parques infantis ainda selados pela fúria higienista e pelo medo da segunda vaga?

Quando é que nos vamos encontrar todos outra vez?

A república deles...

Da leitura do Expresso pelas crónicas do Ricardo Costa e do Daniel Oliveira, oráculos das modas e da espuma dos nossos tristes dias, a propósito da crise da monarquia em Espanha, fica claro que o seu tenebroso sonho (?) era viverem num regime em que o factor humano fosse definitivamente erradicado da equação. Eles comungam o pensamento infantil de John Lennon no seu “Imagine”: sem pessoas, o mundo seria como o paraíso. O problema é que não haveria ninguém para o registar.

Os monárquicos e a crise espanhola

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O escândalo à volta do Rei de Espanha constitui uma tragédia, desde logo no que diz respeito à sobrevivência do país vizinho tal como o conhecemos. Independentemente de se vir a provar que João Carlos I praticou actos criminosos (o princípio da presunção de inocência também existe em Espanha), as suas falhas, vindas a lume no final do seu reinado, vêm manchá-lo indelevelmente.

Essa mancha cobre injustamente o seu papel corajoso, fundamental e insubstituível para a implantação da democracia liberal em Espanha e para as várias décadas de progresso económico e social, que fizeram do reino vizinho uma potência à escala europeia. 

Apesar da exemplaridade e dedicação com que se tem devotado ao seu país, Filipe VI terá dificuldade em recuperar o consenso juancarlista em torno da Casa Real. A instituição goza ainda de autoridade junto da maioria da população e o actual Chefe de Estado tem o respeito da maior parte dos espanhóis, mas o espírito da Transição tem-se esvanecido e a Coroa é hoje objecto de um ataque contínuo num quadro político muito polarizado, em que os principais partidos do regime (monárquicos ou, pelo menos, defensores do pacto constitucional vigente) vêm perdendo força; já para não falar na pressão das forças independentistas que não irão deixar de aproveitar um momento de fragilidade de uma instituição estruturante para atacarem o Estado central. 

Se juntarmos a isto a previsível instabilidade social decorrente da pandemia, antecipando-se o aumento da pobreza e do desemprego, suspeito que Espanha se prepara para enfrentar uma tempestade perfeita. Para mais, todos conhecemos o “modo espanhol” de radicalização política. Não é preciso remontar a 1936: o actual governo contém o mesmo germe de dissensão e enfrentamento que precipitou Espanha no abismo fratricída.

Como monárquicos não podemos deixar de nos confrontar com o que se passa ao nosso lado, agora que os republicanos vociferam apesar dos tristes exemplos de presidentes que abundam por essas repúblicas afora. Será, talvez, útil recordar-lhes que a verdadeira república espanhola se ficou a dever a um rei. Ao mesmo monarca sob cujo reinado se firmaram as liberdades e a paz social que nunca vingaram sob regimes republicanos.

No entanto, é justo reconhecer que o escândalo em torno de João Carlos I fere um dos argumentos a favor da monarquia: a mais-valia da preparação precoce dum príncipe para um cargo de grande exigência ética e moral. Precisamente porque o cargo é hereditário e vitalício, qualquer erro mais grave pode comprometer uma das principais vantagens da perdurabilidade na chefia dos Estados, que é a confiança e autoridade de uma instituição, que a todos representa e agrega, como reserva moral. 

As monarquias, no nosso tempo de democracias avançadas, são sistemas muito frágeis, desde logo pela vertigem mediática que se vive, e também devido ao materialismo e ao niilismo, que tudo permeiam,  que relativizam a importância das tradições e da família natural como célula vital da sociedade. Pergunto-me se as repúblicas estarão mais imunes a essas fragilidades ou se serão mais aptas a superá-las por via do sufrágio e não tenho qualquer razão para acreditar que assim seja. Pelo contrário, a volatilidade e rotação na cúpula do poder e a sua captura pelos principais partidos, sem travões nem contrapesos fundados numa outra legitimidade, permitem-me acreditar que não serão melhores.

 Por tudo o que refiro, estes dias, em que um rei que nos habituámos a respeitar vê abalado o seu prestígio com tão grande estrondo, com consequências imprevisíveis para o seu povo, terão de ser de grande consternação para os monárquicos. 

Apesar das possíveis falhas de João Carlos I, a transição e a monarquia espanholas são exemplo para o mundo. As quase quatro décadas de monarquia em democracia mostram o quanto ambas se beneficiaram mutuamente e em como Portugal ficou a perder comparativamente com as repúblicas que lhe foram calhando em sorte.

As monarquias têm sabido adaptar-se ao longo dos séculos. O que trazem de bom e de permanente não se altera em virtude de excentricidades, pecados ou mesmo crimes de um Chefe de Estado individualmente considerado. Aprendamos todos, principalmente a monarquia espanhola, com esta lição concreta e a exigência de rigor no exercício da função real que a mesma acarreta, sem descurarmos as virtudes e as vantagens para os povos que só a monarquia é capaz de lhes trazer.

 
Com a colaboração do meu amigo João Vacas