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João Távora

O estalinismo higiénico também mata

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A maior parte das vezes são os casos que nos tocam de perto que nos despertam para determinados problemas que doutro modo nos passavam ao lado. É por isso que, de há uns anos para cá, por causa da minha mãe que sofre de uma grave doença respiratória degenerativa, a gripe sazonal e o receio de uma consequente pneumonia, me atormenta todos os invernos. Necessitada de assistência respiratória 24h por dia, com a sua autonomia física em constante degradação, viu-se ela obrigada a ingressar numa residência onde pudesse passar os seus últimos anos de vida com algum conforto, e foi assim que encontrámos um refúgio abençoado num lar de uma paróquia de Lisboa. Trata-se de uma casa com ambiente familiar e cristão com capacidade para cerca de dez senhoras de diferentes origens sociais, todas elas extremamente dependentes mas cheias de dignidade, que são assistidas com grande humanidade por uma pequena equipa incansável de profissionais e voluntários – não existem suficientes palavras para aqui expressar a gratidão que sinto.
 
Foi neste ambiente, que ao longo dos anos, com a ajuda da família, a minha mãe conquistou o direito de viver num quarto que em grande medida é reflexo das suas origens e interesses. Desde o retrato do Rei Dom Miguel na parede, a sua pequena biblioteca de biografias e romances, bibelots e muitas fotografias da sua família, pais, irmãos, filhos e netos; e uma decoração alegre criada em cumplicidade com a minha mulher. Tudo à sua volta existe para lhe proporcionar um ambiente acolhedor e ligação às raízes, coisa que estou certo tem contribuído para a ligar ao mundo e à vida, que apesar da sua doença amarga, merece ser desejada, em harmonia e na proximidade possível com os seus.
 
A epidemia do Covid19 veio abalar todos estes precários equilíbrios. Há mais de seis meses que nos tivemos de conformar e enfrentar mais este tormento, que ameaça ser fatal para a frágil saúde da minha mãe, não tanto por causa do vírus mas por causa das contingências a ele ligadas, nomeadamente ao isolamento e consequente solidão e degradação do seu estado psicológico.
 
Isto vem a propósito de uma reunião ocorrida ontem na dita paróquia para a qual os familiares das senhoras residentes foram convocados pelo director da residência - uma reunião de filhos, como lhe chamei. Ela serviu para nos comunicar que as nossas familiares dentro do possível se encontram bem, que a equipa de assistentes se tem desdobrado em esforço e precauções para que o ambiente se mantenha salubre, tanto psicológica quanto sanitariamente. Foi assim que soubemos da pressão a que aquele lar (é fundamental mantê-lo em anonimato para que não aumentem as represálias do Estado) tem sido submetido em constates inspecções feitas ao desafio pelas diferentes tutelas, com o aparente objectivo não de proteger os residentes, mas antes a si próprias; sempre com mais e mais exigências que colocam em causa a subsistência económica da estrutura, muitas delas contraditórias, extremamente difíceis de cumprir numa casa com aquelas especificidades. Da exigência de distanciamento físico entre as residentes dentro das instalações (são 10 senhoras por Deus!), que obrigou a criarem-se turnos para frequência da sala de estar e de jantar, do distanciamento milimétrico das camas nos quartos duplos, como se aquela pequena comunidade não fosse como uma família; a obrigação das janelas constantemente abertas, requisito que muito em breve poderá ser causa de pneumonias; e da nova e perturbadora proibição das residentes terem nos seus quartos objectos pessoais, livros, fotografias e decoração (até as cortinas foram retiradas), para a salvaguarda de um ambiente asséptico “fácil de desinfectar”. Como se não bastasse as senhoras estarem há 6 meses impedidas de sair e entrar na casa; que as visitas, retomadas em Junho, sejam feitas através dum acrílico na porta para as escadas que dificulta tremendamente a audição; como se não bastasse tudo isto, pretendem estes burocratas soviéticos, que as senhoras vivam encerradas em paredes brancas, por tempo indeterminado como se fossem presidiárias.
 
Pela minha parte estou convencido que, se os nossos entes queridos não morrerem por causa do Novo Coronavírus, irão morrer de desespero e solidão por causa desta sanha normativa que trata as pessoas como se fossem números de quem as brigadas do governo a qualquer preço se querem proteger. O número de mortes excessivas está aí para nos alertar das consequências da desproporcionalidade dos meios em relação aos fins. O centralismo burocrático e o fascismo higiénico matam mais que a epidemia.

Deus o faça um homem de bem

1946.tifLuiz Gonzaga de Lancastre e Távora (1946)

Nasceu no dia 8 de Fevereiro de 1937 às 8 horas e 5 minutos da manhã. Na casa de seus pais, Calçada da Estrela 129 2º andar. Assistiram ao seu nascimento D. Adriana Abrantes, D. Isabel Ulrich C. Pereira e Beatriz Nunes Vieira. O médico foi o Prof. Dr. Francisco Gentil.

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Presentes do Baptizado

Avós deram 500$00

Marinha – uma medalha e o fio de ouro

Padrinho – um copo de prata

Pai – um alfinete de ouro

Tia Isabelinha – um challe

Tia Luizinha – dois casacos

Tobin (?) – um lindo challe azul e branco

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  1. Luiz Gonzaga foi baptisado na igreja de Santos; no dia 13 de Fevereiro de 1937. Madrinha D. Cecília Vamzeler de Castro Pereira e Padrinho D. Pedro de Lancastre e Távora, Conde de Alvor.

No dia 9 de Março estava bastante constipado e mandamos vir o médico. Não lhe achou nada de especial, mandou-o purgar. Fez bastante e feito.

No dia 10 de Março voltou o Fernando. Nada de cuidado.

Abril de 1937

O Luiz já dá os seus passeios e já foi à Ameixoeira ver a bisavó que o adorou. Tem ido à rua de S. João da Mata várias vezes, duas vezes à rua do Prior. Continua dormindo bem de noite, mama 6 vezes em 24 horas, está sempre bem disposto e alegre. No dia 10 deu o seu primeiro passeio de carrinho. Dormiu todo tempo. No dia 30 rio alto pela primeira vez devido ao espirito da sua tia Luiza.

Março de 1937

No dia 8, dia em que fez 3 meses, pôz se de curto e foi passar o dia à rua de S. João da Mata. Tirou vários retratos.

Julho de 1937

No dia 8 de Julho foi para Cintra, para passar o Verão. Foi de automóvel, dormio quasi todo o caminho. Parece que se dará bem, já está com óptima cor, e tem passado todo tempo no jardim. A primeira semana augmentou 125 gramas. Conhece bem a sua mãe.

Agosto de 1937

Continua sendo um bebé de reclame. Ainda só mama, já pesa mais de 9 kilos. Tem passeado todos os dias, e em toda parte é muito admirado. Está muito mais bonito e enche de vaidade a sua mãe. Já gosta de roer uma côdea de pão, tem bastante mau génio, já se senta só e desamparado. Continua sendo um perfeito careca.

No dia 14 tomou a sua 1ª papa, a primeira foi feita por sua mãe mas tendo ficado rala demais não gostou e cuspiu-a toda, teve de mamar. À tarde a sua tia Isabelinha fez uma papa melhor que ele comeu e gostou imenso. No dia 13 foi passar o dia a uma praia, à Praia Grande, gostou muito e esteve bem disposto.

Setembro de 1937

Continua um amor. Tem já mau génio e bate palminhas. Teve uma grande constipação, diminuio uma semana 155 gramas. No dia 27 deste mez andou pela primeira vez ao colo do seu pai, gostou. Já come duas papas por dia e tem um pouco de cabelo mas muito pouco.

Outubro de 1937

Na noite de 4 para 5 deste mez rompeu o primeiro dente! Veio sem grande massada, apenas se tem notado que mete tudo na boca e rabuja mais um pouco talvez. Continua a primeira creança do mundo. Na noite de 9 para 10 apareceu o segundo dente, também quasi sem se dar por isso. Continua bom, com 8 meses pesa 10.625kg.

Dezembro de 1937

De volta em Lisboa o Luiz depois de ter estranhado os primeiros dias um pouco aclimatou-se e passou de novo a ser a creança primeira do seu século. Tem mais dois dentes de cima que nasceram no mês de Novembro. Tem sido um pouco mau de noite. Está desmamado de todo desde o dia 12 de Novembro. Não custou nada a desmamar, antes pelo contrário. Esteve uns dias com pouco apetite mas agora come muito bem. A sua avó materna deu-lhe um par de botas no dia 3 de Novembro, e ele gostou muito. A Carmo Castro Pereira trouxe-lhe de Paris um elegante traje de esquimaux azul claro com que ele fica de se lhe tirar um retrato. Quando está bom tempo passa as manhãs no carrinho no terraço ao sol e gosta imenso de ver os cães dos vizinhos e os pombos. Adora ver cavalos. É um encanto para os nós todos. Tem uma preferência marcada pela sua irmã Maria João.

Dezembro de 1939

O Luiz, de quem não se tem aqui escripto há muito tempo, está um rapagão grande e gordo. É loiro não muito claro, tem olhos castanhos escuros e o cabelo todo aos caracóis. Está um amor, engraçadíssimo. Fala o peor possível, uma linguagem quasi incompreensível, a não ser eu ninguém quasi o entende mesmo, até aos dois anos pode dizer-se que não dirio uma palavra. Tem um genio péssimo, é bastante estragado. Temos cá desde que ele tinha 6 mezes uma senhora (D. Lucília) que toma conta dele que o adora e ele adora a ela e chama-lhe Lóló.

Gostou bastante quando nasceu a irmã mais pequena e não mostra ter ciúmes nenhuns. Faz-lhe as maiores festas. As manas grandes gostam imenso dele e rabiam-no o mais possível.

Continua sendo o encanto de todos cá de casa.

Novembro de 1943

Há muito que nada se escreve a respeito do herói deste livro. Já está um rapagão grande mas com pouco juízo. Tem sido um esplendido exemplar (como diz o Avô d’Orey). Tem uma fértil imaginação e inventa muitas histórias que divertem toda a gente. Há um pouco menos de um ano deu a sua primeira lição. Agora já estuda na escola, no Colégio Padre António Vieira. Gosta imenso mas faz-me a maior falta a mim cá em casa (Teve um irmão que nasceu em Junho passado). Adora o irmão pequenino [Miguel], que por sua vez lhe acha imensa graça.

Teve um verdadeiro desgosto quando lhe morreu a irmãzinha Leonor. Ainda hoje todas as noites fala nela nas suas orações.

Tem bom coração é generozo, mas tem mau génio, e é um pouco imaginativo demais, defeito que bem combatido deve passar-lhe. É esperto e aprende com certa facilidade, mas é um pouco trapalhão nos seus cadernos.

Deus o faça um homem de bem.

Maria Emília Casal Ribeiro Ulrich de Lancastre e Távora
Do diário do bebé. 

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Da genealogia sportinguista

"Aos vencedores foram oferecidas medalhas"

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“Realizou-se domingo [14 de Setembro de 1902], na Quinta da Fonteireira em Belas, [Quinta pertencente à família Pinto Basto onde, por via do parentesco da minha avó paterna, eu passava umas divertidas jornadas em pequenino], o match de «Foot-ball» entre o Sport Clube de Belas [dos irmãos Gavazzo] e o Foot-ball Clube Peninsular, ficando este último a vencer por 6 goals contra 1. Aos vencedores foram oferecidas medalhas. O grupo vencedor compunha-se: goal-keeper, J. Lisboa; backs, E. Tito e F.G. Vieira; half-backs, E. dos Santos M. do Nascimento e Afonso Ortis; forwards, Abel Macedo, David Fonseca, C. Botelho, G.P. Basto e R. Pereira; refere, J. G. Vieira.

In “História do Sporting Club de Portugal" de Luís Augusto da Costa Dias com Paulo J. S. Barata – Contraponto

Quando o Povo quiser - o livro

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Fiquei muito feliz na quinta-feira passada por ver a sala tão composta na apresentação do livro "Quando o Povo quiser" (aqui o registo em vídeo). Da mesa, ao lado do Pedro Mexia e do Nuno Pombo, cujas alocuções encantaram, contei mais de 100 pessoas – não foi como a festa do Avante, mas verdadeiramente o que interessa é a qualidade da assistência. Foi formidável lá ter reencontrado muitos dos meus bons amigos, mesmo que alguns estivessem muito bem disfarçados atrás das máscaras. No fim de contas vale a pena sermos testemunhas uns dos outros neste caminho que vamos fazendo com as nossas causas e coisas. Acontece que ficamos um pouco maiores com os nossos amigos. O resto é vã glória.

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Sobre o livro, passo a transcrever a minha apresentação: 

Depois de termos publicado sob a chancela Razões Reais, obras ou antologias de Mário Saraiva, Gonçalo Ribeiro Telles e Henrique Barrilaro Ruas, tornando acessíveis aos leitores de hoje os seus legados, tão significativos para o movimento monárquico no período 1950-2000, quisemos aproveitar a efeméride da primeira década do Correio Real com uma selecção, sempre subjectiva, dos seus textos mais significativos, que reflectisse um panorama do que a actual geração de monárquicos vem produzindo para renovar o seu ideário e conquistar pacientemente uma maior presença no espaço público. A esta antologia decidimos chamar “Quando o Povo Quiser”, que é o título do 1º capitulo, inspirado no ensaio do Professor Manuel Braga da Cruz “O Rei e a Constituição” com que se inicia o livro.

Os dez anos do Correio Real - nascido da iniciativa do nosso saudoso João Mattos e Silva, e que tenho o privilégio de integrar desde a primeira hora - merecem ser celebrados e postos em perspectiva crítica, tanto mais que coincidem com uma restruturação organizativa do movimento que teve reflexo não só em termos estatutários, mas na unificação estética das marcas da Causa Real, e, principalmente, na adopção duma intensa utilização dos meios electrónicos que a tecnologia colocou ao nosso dispor, através dos nossos sítios na internet, blogues e «redes sociais»,— ferramentas incontornáveis para potenciar a projecção da nossa intervenção em prol da Instituição Real e da Monarquia como opção de regime. De facto, além da revista distribuída pelo correio com pontualidade aos filiados da Causa Real e também disponível na versão electrónica para consulta em rede, as plataformas digitais em expansão tornaram-se o meio ideal para o noticiário quotidiano das actividades das Reais Associações e da própria Casa Real Portuguesa, permitindo ao mesmo tempo identificar, recolher e difundir intervenções monárquicas dispersas. Nesse sentido, e dando também a merecida representação a esses textos, optámos por alargar esta antologia a outros documentos, principalmente difundidos através do blogue da Real Associação de Lisboa.

Editado pelo Vasco Rosa, uma colaboração e amizade que vem dando magníficos frutos, o livro organiza-se em capítulos temáticos que dão conta das principais linhas editoriais destes dez primeiros anos da revista, que percorrem as presidências da Causa Real de Paulo Teixeira Pinto, Luís Lavradio, António de Souza-Cardoso e Teresa Côrte-Real, além das presidências da Real Associação de Lisboa por João Mattos da Silva, Nuno Pombo e minha. A determinada altura os noticiário das Reais Associações “distritais” passou a incorporar-se nesta publicação periódica, juntando-se às entrevistas a monárquicos ilustres e aos depoimentos de novos associados do Movimento, que todavia não estão representados nesta antologia, orientada para o debate doutrinário e divulgação histórica, onde também é dada atenção ao comentário de livros que, cada vez em maior número, vêm sendo dedicados à historiografia de figuras régias e dos protagonistas do movimento monárquico e restauracionista do século XX.

Esperamos com este livro, cuja diversidade de ideias e sensibilidades dos seus autores é reflexo da maior virtude da capacidade agregadora da instituição real que a todo o custo nos cabe preservar, cumprir o que pretendia o fundador e director do Jornal “O Debate”, de larga distribuição entre 1951 e 1974, António Jacinto Ferreira (1906 -1995): promover a boa doutrinação que é “a pedra angular de toda a actividade política, (…) pois que é da adesão das inteligências mais do que das inclinações sentimentais, que há-de resultar a profunda transformação em geral desejada”. Porque enquanto não soubermos explicar a todos e a cada um dos portugueses por que é que Portugal será muito melhor encimado pela Instituição Real, estamos proibidos de baixar os braços e descansar. 

Fevereiro de 2020.

O livro encontra-se disponível para venda postal aqui.

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Quando o Povo quiser - Lançamento

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Para os meus amigos que tenham dúvidas, esclareço que o estado de contingência não se sobrepõe às liberdades políticas e de reunião garantidas pela constituição. Desse modo, o lançamento de "Quando o Povo quiser" irá decorrer conforme previsto, com apresentação de Pedro Mexia e a presença dos Duques de Bragança.

Apelo aos meus amigos a comparecerem neste evento que decorre numa sala ampla em que serão observadas todas as normas sanitárias em vigor.

Regras impossíveis de fazer cumprir

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Quis o destino eu ter nascido com um forte astigmatismo e um estrabismo associado, coisa que resultou numa visão muito deficiente pelo olho direito. Quando eu estava na primária, foi me proposto uma terapêutica oftalmológica muito avançada para a época em que, para lá das 3 consultas semanais em que me era ministrado um tratamento num cubículo escuro com uma máquina onde eu tinha de permanecer a olhar durante um tempo que me parecia uma eternidade, obrigavam-me a andar com uma pala a tapar-me o olho esquerdo, que via bem, para supostamente obrigar o direito a esforçar-se, e desse modo mitigar o estrabismo e recuperar alguma visão. Muito recomendado de casa e pelo médico, o sacrifício foi-me impingido com a promessa de que a cura dependia de mim, da minha força de vontade, de fazer tudo como me diziam, de não tirar a pala a não ser para ir para a cama. Foram tempos muito difíceis: eu que era um miúdo sociável, tive de enfrentar a crueldade infantil de alguns dos meus colegas que troçavam do meu novo aspecto. Mas curiosamente, o que mais me custava era o tratamento me deixar quase cego. Todos sabemos que não se devem criar regras impossíveis de fazer cumprir: como não via um boi com o raio da pala a tapar-me a vista boa, em pouco tempo arranjei um estratagema para dar a volta ao assunto - com um dedo, abria uma folga na pala junto ao nariz, de onde eu à socapa espreitava para ver o mundo fascinante que doutro modo se me escondia. Escusado será dizer que ao fim de um ano o médico e os meus pais desistiram dos seus intentos e eu voltei a ser uma criança feliz.

Vem esta história a propósito dumas imagens que vi inadvertidamente um dia destes num noticiário, sobre a abertura do ano escolar num estabelecimento de ensino na Madeira, com os miúdos no recreio todos disciplinadamente de máscara na cara a fazer pose para as câmaras de TV e para o presidente da Região Autónoma, que se congratulava com o facto de na sua Ilha todos cumprirem as normas que justificavam o baixo número de infecções. Como é óbvio, manter crianças de idade escolar a usar uma máscara todo o dia é um desígnio condenado ao fracasso (uma delas estava a queixar-se da acumulação de suor no interior da máscara). Acontece que as crianças são imprevisíveis e não são domesticáveis assim. Não é possível elas conviverem, correrem, brincarem e… relacionarem-se com o nariz e a boca tapados. Querem-nos fazer acreditar que o meu filho de 13 anos está o dia todo na escola de máscara? Claro que não. Descansem todos os pais, que os vossos filhos vão arranjar maneira de contornar a situação, e conspurcarem-se saudavelmente uns aos outros em nuvens de aerossóis, está na sua natureza. De resto, consola-me saber que os bárbaros dos suecos deixam as suas crianças em paz na escola sem máscaras, que reabriu há um mês sem que as infecções se tenham descontrolado. Os números estão todos aqui.

 

Imagem: sala de aula com distanciamento numa escola no Irão.

Flocos de neve

Sexta-feira tive reunião de pais por causa do inicio de aulas do José Maria. Foi assim que percebi que andam por aí muitos pais indignados pelo facto das escolas aconselharem os miúdos, nos dias de educação física, a irem já vestidos com o fato de ginástica, visto os balneários estarem encerrados por indicação da DGS. Argumentam com falta de higiene e consequentes maus cheiros dos jovens adolescentes. Nos meus tempos de escola não perdiamos um intervalo ou um furo para jogar à bola ou à apanhada e suarmos em bica com a roupa que tínhamos vestida. Ao fim do dia cheirávamos todos a bicho (como dizia o meu pai) e crescemos saudáveis.

Com este espírito mariquinhas, se querem complicar o ano escolar, ele não dura mais de duas semanas. E os vossos filhos nunca irão aguentar uma gata pelo rabo.

Em defesa da liberdade de educação

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Um tipo de que eu nunca tinha ouvido falar, num artigo publicado no Expresso (que às vezes mais parece o órgão oficial do regime) acusa o manifesto “Em defesa da liberdade de educação” de pretender “o regresso dos dogmas bafientos, 'familistas' (!) e anti-liberdade que ainda são herança do Estado Novo”. Apesar de o autor esgrimir insultos no lugar de argumentos, eu vou tentar explicar porque é que ele está errado.  

Parece-me cristalino que no nosso sistema de ensino centralista há disciplinas mais atreitas a manipulação ideológica pelo Estado do que outras, e conhecendo-se o seu curriculum, a de “Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento” é a mais paradigmática nesse duvidoso préstimo. Talvez a maioria das pessoas nos dias de hoje não se lembre que durante o Estado Novo nas salas de aulas do “ensino oficial” público (que eu frequentei desde a primária) não havia qualquer pudor na doutrinação das crianças, mesmo em idade precoce: os manuais estão aí em reedições saudosistas para quem duvidar do que eu digo. Por isso tenho dificuldade em compreender os meus amigos que me afiançam que há que conceder o benefício da dúvida à doutrina de agora porque é do “lado certo”, tanto mais que também tenho bons amigos que reclamam que era a educação de antigamente que incutia os bons valores civilizacionais. Em sua homenagem convém aqui recordar o meu saudoso Pai, que por mais que uma vez, no seu modo truculento, antes e depois do 25 de Abril deu o peito às balas pelos seus filhos confrontando os nossos professores a propósito de afirmações e matérias que ele considerava ultrapassarem as competências da escola.

Não sendo possível eliminar totalmente o risco de doutrinação pela escola, restam-nos duas hipóteses: a dos pais escolherem para a sua criança um colégio alinhado com os seus princípios éticos e morais, uma opção só acessível a umas poucas famílias privilegiadas; ou a conceção da opção de "Objecção de Consciência" para a disciplina de “Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento” como é defendido no referido manifesto - coisa que seria sempre uma esmolinha em favor da Liberdade. Quanto aos restantes conteúdos das chamadas "Ciências Sociais",  e porque a família é de facto a célula base duma sociedade saudável, e resta a possibilidade dos pais os confrontarem e debatê-los em casa com os filhos, em plena liberdade. Esse sim é um dever cívico inalienável, na defesa duma comunidade plural, em que convivam diferentes ideias e sensibilidades. Porque como já todos devíamos saber, muitos dos nossos costumes e valores hoje na moda serão no futuro consideradas bárbaros ou anacrónicos. Esperemos que não se dê esse caso com a Liberdade, que não podemos desistir de defender.