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João Távora

Dêem uma chance a Lisboa

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Confesso que acho uma completa falta de noção a auto-satisfação evidenciada pela administração autárquica socialista de Lisboa que já dura há catorze anos. Para lá duma recente e insuficiente reanimação do mercado imobiliário - e consequente reabilitação duma quantidade considerável de edifícios da cidade - que tem como origem a chamada "Lei Cristas" e da recuperação de alguma actividade económica que advém do boom verificado no turismo (um fenómeno iniciado no consulado de Passos Coelho), a minha cidade continua num processo de decadência que tarda ser invertido.

De facto, a requalificação de certos espaços públicos, as ciclovias e a redução dos lugares de estacionamento, se servem para atrair atléticos ciclistas, visitantes dos conselhos vizinhos e cativar os turistas, pouco ou nada beneficiam os poucos habitantes da cidade que resistem à tentação de ir viver para os subúrbios com uma vista desafogada, boas acessibilidades, e sem maus cheiros. Uma volta pelo centro de Lisboa à noite, revela-nos uma cidade com centenas de edifícios devolutos ou emparedados, prédios e monumentos espichados de obscenidades, lixo abandonado em sacos ou fora deles ao sabor do vento. Lisboa tarda a recuperar uma oferta imobiliária suficientemente dinâmica para reanimar o mercado de arrendamento e atrair novas gerações para o seu seio. A maior parte das ruas quase desabitadas parecem superfícies vulcânicas que desafiam a resistência estrutural de qualquer automóvel ou autocarro. A vantagem por estes dias é que haverá freguesias em que é possível a um autarca mais zeloso conhecer pessoalmente cada munícipe.

Lisboa é uma cidade mal-amada. Destino de chegadas e partidas, ela foi perdendo a alma e na verdade hoje poucos lhe vestem a camisola. Poucos são os que choram com sinceridade o seu abandono e decadência. Não chegariam esses para por fim à desastrosa gestão da cidade de António Costa e de Medina? Penso que Lisboa merece um grito de alma que clame por uma mudança radical que só pode ser operada por quem se preocupe verdadeiramente com os lisboetas. Que os deixe prosperar e viver em paz, a movimentar-se na cidade com orgulho na sua terra e na sua história. Atraindo novas gerações e novos habitantes. Porque enquanto não voltarmos a vislumbrar crianças na cidade ela estará a morrer.

Temos de ter ambição pelo menos a desejar, a sonhar. Por isso gostava que Lisboa se enchesse de brios e corresse com os socialistas, dando a oportunidade a diferentes aspirações, mentalidade e energia. E isso só será possível com a vitória de Carlos Moedas no Domingo. Percebe-se pela sua equipa e pelo brilho que emana dos seus olhos.

Dêem uma chance a Lisboa, a minha cidade querida.

Eleições autárquicas, os monárquicos, e a minha querida cidade de Lisboa *

As eleições autárquicas são o pilar fundamental de qualquer democracia evoluída. O poder autárquico e o seu exercício aproximam as pessoas do poder e, ao mesmo tempo, tornam patente a necessidade, eu diria a urgência, da participação de todos na gestão da cidade e na defesa do bem comum.

Os concelhos e as freguesias (e antigamente as paróquias) são o nosso chão comum primário, comunidades de pertença fundamental, espaço privilegiado de realização humana, só ultrapassados em importância e proximidade pela célula familiar.

Não é casual a forte tradição municipalista entre os monárquicos. Desde logo nos neo-intregralistas, como Ribeiro Telles, Jacinto Ferreira ou Barrilaro Ruas, que viam na valorização do poder local, e nas suas instituições profundamente humanistas e personalistas, uma forma de promoção da liberdade das comunidades – logo dos indivíduos - contra a cegueira do centralismo macrocéfalo, economicista, burocrático e quantas vezes ideológico. Um efectivo contrapeso à tendência que os grandes poderes têm de se auto-alimentarem e de se distanciarem da realidade micro das pequenas comunidades.

O grande Leviatã de Thomas Hobbes prefere a indistinção e a padronização, a docilização e a domesticação dos indivíduos, ainda que esse fenómeno acarrete o seu alheamento da política, ou seja, a abstenção na construção e a preservação do que é de todos.

De facto, os neo-integralistas perceberam-no cedo: só em sociedades muito evoluídas e participativas, chamemos-lhe “intrinsecamente democráticas”, é possível que a figura de topo do Estado seja “não eleita” porque historicamente e constitucionalmente legitimada. Refiro-me ao Rei – primo interpares.

Ao contrário do que emana de uma visão parcial e superficial, veiculada pelo discurso dominante e autojustificativo do poder vigente em Portugal, afinal uma monarquia moderna, sustentada na instituição real, genuinamente imparcial e agregadora, é, nos dias de hoje, penhor da liberdade dos cidadãos nos países europeus mais desenvolvidos, em sociedades profundamente empenhadas na gestão da “rés-pública”.

É portanto, para um monárquico, um pequeno consolo o frenesim que por estes dias se verifica com tantas dezenas de milhares de pessoas mobilizadas de norte a sul do País para as eleições autárquicas, tantas vezes maldosamente caricaturadas pelas pseudo-elites urbanas, caixa de ressonância dos insaciáveis apetites uniformizadores e repressivos do “Terreiro do Paço”.

Dever-nos-íamos congratular com isso. Se quisermos tirar um retrato, e fazer um diagnóstico, de como somos e de como funcionamos como povo a cuidar dos nossos e do que é nosso, atentemos na participação e dinamismo dumas eleições autárquicas.

Mas, a propósito de autarquias, o tema de que vos quero falar hoje é sobre a minha querida cidade de Lisboa e o seu aparentemente irreversível processo de despovoamento. Uma dinâmica muito preocupante a que assistimos, impotentes, há várias décadas.

Passei a minha meninice e juventude entre a Baixa, a Avenida da Liberdade, Bairro Alto, Madragoa, Estrela e Campo de Ourique, e sou testemunha de como há uma cidade que se extingue todos os dias e que antes fervilhava de famílias, de comércio, de serviços.

Era uma cidade velha, bem sei, mas com agitadas e populosas freguesias que hoje não oferecem eleitores que remuneram os partidos políticos. Por vezes essa minha cidade confunde-se com um gigantesco aldeamento turístico com ocupação sazonal, sem alma, sem identidade, sem pertença, sem economia. Sem crianças. E esse é o pior dos sintomas: não há mais crianças no casco velho da nossa cidade, das suas janelas ninguém nos espreita. A velha (ou nem tanto) Lisboa, com as restrições do Covid19 às tantas parecia-se com um parque temático de Hollywood... encerrado.

Lisboa sempre foi uma cidade de partidas, mas principalmente de chegadas com que sempre se renovou. Hoje é praticamente só de partidas – de uns para a periferia, dos outros mais afoitos ou aflitos para o Mundo.

Como é que deixámos as coisas chegar a este ponto?

De nada nos serve apontar culpados. Interessava mesmo saber como, e se algum dia, poderemos inverter esta dinâmica de morte, atrair novas gerações para uma cidade sem economia, sem vida própria, que é e será sempre única nem que seja pelas suas pedras e a história que ecoam. É credível a promessa de riqueza e de futuro? Será a Lisboa das suas gentes uma Causa perdida?

Interpretem este meu pessimismo como uma provocação com o intuito de agitar as águas e promover uma mudança na cidade. Na nossa querida Lisboa.  

 

* Texto adaptado da minha introdução ao debate do passado dia 9 de Setembro organizado pela Real Associação de Lisboa entre as candidaturas à CML, subordinado ao tema “A gentrificacão e a sustentabilidade das cidades antigas” e publicado originalmente aqui

Da adolescentocracia

"Aqueles que, entre nós, celebram a desdita americana e afegã são os adversários rancorosos do mundo livre, os neurasténicos das "responsabilidades do Ocidente" para com um mundo arcadiano onde, antes da Europa e da América, saltitava o bom selvagem de Rosseau, saracoteando por vales mimosos com coroas de flores no cabelo. Esses simples já comandam a academia e administram prédicas, em canal aberto, a multidões que se riem dos mistérios da fé, mas que, no fundo, adoram padres, desde que não usem cabeção."

Sérgio Sousa Pinto no Expresso