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João Távora

A nobreza, definitivamente, é um acidente de carácter

Por Manuel Lamas de Mendonça, a propósito do livro Casa de Abrantes, crónicas de resitência

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"Recebi, e agradeço muito, a tua crónica de várias crónicas de resiliências ligadas por um fio, ou vários, se assim o preferires.

Li tudo já, inclusive o respeitante ao Senhor Marquês., teu Pai, que foi a única personagem que five o privilégio aflorar muito ao de leve, e de ouvir narrar um pouco mais.

Primeiro sou forçado a reconhecer que é necessário ter peito para abrir a camisa, em publico, sem procurar disfarçar visivelmente (que eu tenha dado por isso) as zonas onde existiram abdominais, mas humanamente ladeadas pela fragilidade de gorduras ou, mais coloquialmente, banhas.

Como um risco num vinil regressa-me sempre a pergunta de : porque o fizeste, que conjunto de pulsões te moveram ao doloroso recriar de uma resiliência erigida como padrão comportamental em contracorrente?

Estou mal colocado para entender. Como descendente de um insignificante conjunto de, nem sequer obscuros, notáveis municipais, que não me consta que tenham arranhado sequer a estória das suas freguesias, não sinto pesar-me nas costas a História do nosso País. Nem o peso de signos e símbolos que possam configurar um “Je mainteandrait”, que eu admiro estética e eticamente, mas apenas como bússola pessoal, e fio de prumo para medir os desvios próprios.

Recordou-me uma conversa durante a qual, abordando eu as dificuldades de compaginar as características pessoais do Pretendente, e da sua entourage, com a pessoa real e humana que desejava admirar, me respondeste:

- Erro, "non sense" completo. É a ideia, o conceito, o ideal que deves seguir. E distancia-te das pessoas concretas, que apenas são humanas, como tu e eu.

E foi com se levasse um murro nos olhos que tropecei na tua frase lúcida, e virilmente redonda e lapidar :

A nobreza, definitivamente, é um acidente de carácter.

Vou reler várias vezes, seguramente muitas, e com um diversificado feixe de atenções, as tuas crónicas de várias resistências.

Tendo ficado com a convicção de que és um acidente de carácter curtido, renascido e incessantemente reconstruido, um produto coerente da resistência  duma vontade teimosa.

E se no mundo existisse uma percentagem desejável de acidentes semelhantes, nós, os outros, teríamos mais facilidade em prescindir de entender quase tudo  nos nossos carreiros, repletos de encruzilhadas tão, mas mesmo tão, hesitantes,

O contexto em que escreveste, que é, sem felizmente, nem infelizmente, aquele em que tive oportunidade de te de ler.

O Crepúsculo dos Grandes (1750 – 1832), de Nuno Gonçalo Monteiro, apenas cronologicamente precede A Casa de Abrantes, crónicas de  resistência (1762 – 1993), de João de Lancastre e Távora, curiosamente, um dos mais modernos sobreviventes à extinção de uma forma de Grandeza eruditamente retratada pelo primeiro destes autores.

Para um hipotético medievalista, que tivesse estudado com Sotto Mayor Pizarro, todas as linhagens galaico - portuguesas foram modernas, durante os respectivos  períodos, e  deixaram marcas  individuais e colectivas na fracção de História de que foram, em simultâneo, ferramentas e protagonistas.

Já para um, não menos virtual, paleoantropologo, que tivesse constatado no registo fóssil a sobrevivência, indiscritivelmente áspera, de um género diversamente humano, a todas as glaciações e períodos de aquecimento, catástrofes geológicas, alterações  ecolócicas, ao longo de mais de um milhão anos: -  esse relativizaria tudo o que não fosse a capacidade de adaptação do individuo humano, e das formas de sociedade em que se ia organizando, reactivamente.

E, finalmente, o brincalhão que tivesse o privilégio de sobreviver, desprotegido e solitário, à Universidade da rua, forçado a alinhar nos crueis campeonatos das ligas de bola de trapos, a que se resumia o percurso do combatente da vida, quando a geração do estamento social a que pertencia o João de Lancastre e Távora foi lançado de para-quedas numa rua. Esse brincalhão curtido ficaria com a ideia de que tudo começou com a agricultura. Sim, com a agricultura. Logo que, voluntariamente, ou não, optamos pela escolha crucial de abandonar o modo de vida de caçadores recolectores.

Aí há cerca de 10./12.000 anos atrás, quando se começaram a gerar os primeiros excedentes de produção que, não sendo imediatamente consumidas, careciam de ser conservados e geridos. Daí decorreu una diferenciação social utilitária: e toda a civilização passou a assentar sobre uma hierarquia de  contabilistas, escribas, responsáveis pela segurança material dos bens, e dos notários regulamentadores do trajecto social  da propriedade e dos respectivos serviços .

Por um processo de decantação social decorrente deste embrião surgiram as oligarquias dirigentes. Não temos uma ideia, clara e sistemática, se estas se organizaram já em torno de um qualquer tipo de monarca, ou se esta peça-chave os precedeu, emergindo das forças de segurança, mais imposta do que consentida. Mas damos como provável que o seu surgimento tenha coincidido com o recurso aos  clérigos de teologias justificativas da legitimidade transcendente dos sistemas. E da sua  correspondente capacidade de utilizar a coação para impor, em nome do bem comum, essas coisas evolutivas, mas perenes, que são a Lei e a Ordem que tentam compatibilizar, regulando-a, a violência egotista intrínsecas á natureza do sobrevivente que é o género humano

O Direito Divino aparece como fundacional, e ocupou um segmento preponderante da História. Até que força decorrente da recusa desse tipo de legitimidade que, após milénios. havia culminado, deu origem a essa coisa multiforme que, sempre em nome do bem comum, mas também compreensivelmente  identificando-se  com  a modrnidade e o progresso, passou a designar-se como soberania popular.

Mas o raio do conceito de popular é proteico, polisémico, e susceptível de se ajustar a conjunturas sócio-económicas radicalmente diversas. Na fase ascendente das primeiras revoluções sociais cingia-se ao segmento social maioritário que foi sacrificado como combustível de uma determinada via de progresso material, e nasceu a reivindicação da ditadura do proletariado.

Entretanto, naquilo que entendemos culturalmente como o Ocidente  liberal e democrático. Espaço demográfico momentaneamente equiparado á via correta e definitiva para um fim da História, quando na realidade correspondia a menos de um terço da humanidade, e a uma parcela minoritária do Produto Mundial Bruto, o liberalismo, as democracias formais, o fim da unipolaridade, e o fracasso prematuro da globalização culminaram também.

Como diria um certo Pessoa, o espaço critico onde as coisas acontecem deslocou-se para um Oriente a Oriente do Oriente. E está a alvorecer, de novo, uma Nova Ordem Mundial (passe o pleonasmo).

Não me parece que o velho mundo tivesse um plano B. A velha classe média, tal como havia acontecido com o proletariado, foi esmagada e fundida, deixando de ter protagonismo como motor do progresso material. Ou como geradora de novidade doutrinária e pensamento filosófico. Ou como reserva humana das tradicionais religiões do livro. Antes se desmorona, estilhaçando-se em fragmentos de teses de rutura, que minam inexoravelmente os valores, as crenças e comportamentos que, durante séculos, lhe haviam permitido uma vida de equilíbrio dinâmico mas instável.

Décadas de Estado tendencialmente social assistiram a uma evolução cancerosa durante a qual porogressos reais se foram dissolvendo em estatísticas selectivas que visam obnubilar uma situação em que os ricos e poderosos são cada vezes menos numerosos. Mas se reorganizam em corporativas aristocráticas discretas, quando não secretas, que atingiram uma capacidade de engenharia social de que somos testemuntas permanentes antes de dispor de uma pedra da roseta que permita traduzi-las. Que a gestão equilibrada de recursos escassos não se compadece com a performance de taxas de crescimento anuais permanentes. E que o consumismo induzido gera um espiral de vazio sem sentido que não preenche, nem substitui, o vazio espiritual que se foi instilando em cada um

 E multidões incomensuráveis foram empurradas para chocantes limiares de sobrevivência. Ou, morrem, pura e simplesmente de fome, de miséria, e de doença, perante a impotência de uns quantos, e a impassibilidade de quase todos. NÓS

Perante este estado de coisas, em que se multiplicam os conflitos violentos, que são apenas de alta ou baixa intensidade, para quem não é directamente atingido po eles, qualquer tentativa de reacção contra um pensamento único, gradualmente mais aberrante e desconexo, vai direitinho de encontro ao actual entendimento inoculado de soberania popular. São, genérica e indiscriminadamente, manifestações de populismo

É este o Situation Report no ano do Senhor de 2022

João de Lancastre e Távora sabe que isto não vai acabar bem, e que a factura vai ser duramente paga por milhões de seres humanos.

Mas não ignora também no registo fóssil de um modo de ser, e de de estar, a sobrevivência, indiscritivelmente áspera, de um género diversamente humano, a todas as glaciações e períodos de aquecimento, catástrofes geológicas, alterações  ecolócicas, ao longo de mais de um milhão anos: -  e julgo que relativiza tudo o que não seja a capacidade de adaptação do individuo humano, e das formas de sociedade em que se irá organizando, reactivamente.

Sabe distinguir o final de um ciclo longo, do final dos tempos. Conhece o que está inscrito no genoma humano em termos de padrões comportamentais.E que sobrevivemos apenas pela capacidade de passar saberes e entenderes, mas também emoções e sensibilidade, de geração em geração

Em Sodoma e Gomorra sente a falta de Esparta. E, por detrás da escrita preparou um avio, uma trouxa que entende transmitir. Um embrulho com partes íntimas do seu manual de sobrevivência para os tempos que estão a acontecer.

Os da sua casta, em vias de extinção diga-se, saberão ler nas entrelinhas, e á transparência. Creio que muitos conheciam um passaporte para o futuro:

É necessário que tudo mude para que tudo permaneça em aberto.

Ficam a dever-lhe outro, lavrado pelo seu punho:

A nobreza, definitivamente, é um acidente de carácter."

Manuel Lamas de Mendonça, Casa da Fonte das Somas

30 de Maio de 2022

Imagem: fotografia de uma trincheira (atravessada por uma ponte) pelo meu avô José na Flandres

Os segredos de Maria Filomena Mónica

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Numa entrevista a Maria Filomena Mónica publicada no Expresso da semana passada a propósito de mais um seu livro autobiográfico desta vez intitulado “Duas Mulheres” que promete desenterrar segredos da sua mãe e avó, chama-me a atenção a resposta à pergunta se “a família é um lugar estranho?”.

Dá para imaginar o terror de boa parte da família Mónica com o que aí vem. Não porque a instituição familiar seja de facto um “lugar estranho”, repleto de segredos perversos, mas porque a análise às insignificâncias que sucedem na vida familiar, o mais das vezes dependem da imaginação e preconceitos de quem os observa – ou seja, duma interpretação subjectiva. Ora, MFM não é uma mera “vizinha” a revelar inconfidências domésticas na mercearia do bairro, precede-lhe uma autoridade que concede muito peso às suas interpretações. Aliás, a entrevistada começa por responder à questão que, “do ponto de vista sociológico não tenho uma amostra significativa”.  Sendo a sociologia provavelmente a “ciência” mais inútil de todas as pseudociências, a resposta é no mínimo honesta. E depois, se for um facto que “a família é um lugar estranho”, que solução melhor temos nós para não deixar o individuo inteiramente à mercê do Estado?

Tenho muito respeito pelo trabalho historiográfico de MFM, nomeadamente por duas obras suas de âmbito biográfico que tive o gosto de ler, uma sobre Dom Pedro V e outra sobre Eça de Queiroz. São trabalhos sérios, numa escrita desempoeirada como é seu estilo, emocionalmente envolvida com os seus “personagens”. Depois, não concordando com boa parte das suas análises, também toda a vida segui com interesse as suas crónicas nos jornais, principalmente as do Expresso. Claramente MFM é uma personalidade do nosso tempo que deixa um legado invejável.

Mas nunca tive curiosidade de ler “Bilhete de Identidade” e não me atrai minimamente a leitura deste seu novo livro. MFM sempre me pareceu dona de um ego incomensurável e de um narcisismo ribombante, dando-se a si própria e à sua subjectividade demasiada importância. Este seu traço causa-me até alguma vergonha alheia, confesso. E a opinião pessoal com que dá resposta à pergunta do entrevistador se “a família é um lugar estranho” é paradigmática de uma perturbação psicológica contra o catolicismo e a família tradicional que talvez lhe merecessem uma abordagem psicanalítica, com a ajuda de um profissional: “posso afirmar que a família é um lugar estranho, e que os países mais católicos tendem a fechar-se sobre si e a guardar os segredos a sete chaves, dando a aparência de grande harmonia interna que é uma fachada hipócrita”.  De facto, falta a MFM uma amostra significativa para chegar à verdade, e dá ideia de que o seu olhar está condicionado por algum grave trauma.

Num tempo em que se fala tanto da importância da privacidade dos indivíduos, não nos precipitemos em julgamentos categóricos. Que MFM encontre conforto entre os seus familiares e amigos neste difícil ocaso da sua vida que ninguém merece, são os votos deste cristão católico e indefectível partidário da instituição familiar que se assina,

(imagem, daqui)

Pré-lançamento de "Casa de Abrantes..." no Palácio de Santos

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Numa inolvidável cortesia da Embaixada de França em Portugal, na pessoa da Senhora Embaixadora Florence Mangin, no passado dia 28 de Abril realizou-se um pré-lançamento do livro “Casa de Abrantes, crónicas de resistência” dedicado à família mais chegada e a um restrito número de amigos que colaboraram na sua concretização. A apresentação foi feita por Carlos Bobone e Nuno Pombo após uma simpática alocução da Embaixadora, que terminaria a sua missão em Lisboa dias depois.

Pode visualizar o álbum de fotografias aqui
O livro está à venda aqui

A república do faz-de-conta

Para além do transtorno para os clientes, parece não haver qualquer noção do prejuízo para o ambiente que significa uma greve do metropolitano de Lisboa. Os mesmos que fomentam estes conflitos querem acabar com o transporte individual na cidade. Já o ministro Pedro Nuno Santos assobia para o lado, como se não fosse nada com ele.

Lançamento na Quinta da Piedade

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Ainda com o coração cheio de tantos e tantos amigos que ontem acorreram ao Palácio da Quinta da Piedade para o lançamento do meu livro Casa de Abrantes, Crónicas de resistência. Com a honrosa presença do Senhor Dom Duarte de Bragança e do Presidenteda Câmara Municipal de Vila Franca de Xira Dr. Fernando Paulo Ferreira, o evento foi animado. O debate sobre a obra foi moderado João Miguel Tavares e nele participaram os meus amigos Carlos Bobone e Francisco Lobo de Vasconcelos. Não tenho palavras para agradecer a todos.
 
Para os potenciais interessados informo que o livro está à venda aqui

Amanhã, na Póvoa de Sta. Iria...

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O lançamemto do livro Casa de Abrantes, crónicas de resistência, decorrerá amanhã dia 14 de Maio às 11:00hs no Salão Nobre do Palácio da Quinta da Piedade, na Póvoa de Sta. Iria, antigo refúgio e paradisíaco retiro espíritual da família, um sugestivo passeio a uma bucólica quinta às portas de Lisboa (veja como chegar aqui).

O evento de entrada livre, contará com um debate moderado pelo jornalista João Miguel Tavares

Ir à quinta da Piedade no próximo dia 14 ás 11:00h

"De qualquer maneira, para os crentes a oração é já um bunker, espiritual e verbal, forma de protecção; o betão será uma espécie de 2a camada, material e densa. E claro, matéria e convicção não têm tempos semelhantes - e pode parecer estranho, mas por vezes a crença demora mais tempo a construir do que um bunker compacto. Como se constrói aquilo que não ocupa espaço como a crença?"

Gonçalo M. Tavares na revista do Expresso de ontem

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Imagem: aspecto do fascinante Oratório eremítico de São Jerónimo na Quinta da Piedade na Póvoa de Sta Iria (a reclamar restauro urgente), minúscula e erudita jóia arquitectónica do renascimento, um espaço que foi concebido para a oração individual e meditação.

Com quantas linhas se faz uma "Casa"

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"(...) Passando às paixões políticas, onde se consumiram as energias de boa parte dos nossos biografados e onde também se sumiram os seus avultados recursos económicos, encontramos uma alusão a elas desde o subtítulo desta obra. As últimas gerações da casa de Abrantes construíram uma história de resistência, diz-nos o autor. E a que resistiram os descendentes de tão distintas cepas? Ao declínio económico, à extinção dos morgados e dos direitos senhoriais, mas sobretudo à implantação do regime liberal (1820 – 1834) e à do regime republicano (1910). Os marqueses de Abrantes foram os mais íntimos e fiéis companheiros de D. Miguel no seu esforço para contrariar a instauração do regime “representativo”, que veio a impor-se pela força das armas. Tanto nos momentos de triunfo como no exílio nunca se afastaram dos destinos do seu rei. E nas gerações seguintes mantiveram-se fiéis à causa da legitimidade, entre todos os abalos que esta sofreu, como veremos nos documentos finais do presente livro. Não faltará quem veja nestes combates políticos um esforço inglório, o abraçar de “causas perdidas” ou um romântico apego a tempos que já não podiam voltar. Semelhantes veredictos só se podem sustentar numa visão curta e fatalista do processo histórico, segundo a qual todas as inovações políticas e sociais deviam desfilar sem contradição perante os olhares agradecidos de um público destituído de capacidades críticas. Mas a história é mais que uma competição desportiva, nela não encontramos vencedores absolutos nem causas totalmente esquecidas. Mesmo os próceres das mais famosas doutrinas inspiradas no dinamismo social foram capazes de vislumbrar este axioma: quando duas vontades entram em confronto, o produto final do embate é um terceiro resultado, diferente do que cada uma delas desejou. Deve concluir-se, pois, que “cada uma contribui para a resultante, e a esse título está incluída nela”, segundo a justa expressão de Friederich Engels. (...)"

Trecho do prefácio de Carlos Bobone ao meu livro "Casa de Abrantes, crónicas de resistência" 

Saiba mais sobre o lançamento desta obra no próximo dia 14 de Maio aqui