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João Távora

Empresas a patrocinar abortos

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O artigo de hoje da Helena Garrido no Observador foi para mim como um pontapé na barriga. Talvez porque tenho em boa conta as suas opiniões em geral e sobre economia em particular, e esta seja favorável à banalização do mal na comunicação empresarial que é matéria do meu ofício – na sequência da decisão do Supremo Tribunal várias grandes empresas prometem patrocinar viagens das suas empregadas a outros estados para abortarem. Se sou capaz de entender os conflitos éticos e morais que comporta a opção do aborto, recuso-me a entendê-lo como um “direito humano”. Ao contrário um aborto é uma solução bárbara, que na maior parte das situações pode ser evitado por pessoas providas de vontade.
A questão é: não seria melhor para a reputação das empresas mencionadas no artigo, Disney, JP Morgan e Citi, Levi Strauss, Microsoft e a Apple, patrocinarem a boa utilização dos contraceptivos e uma vida sexual saudável entre os seus colaboradores? Não, porque isso não traz boa imprensa, e porque - suspeito - as consciências da maioria dos seus clientes não suportam enfrentar complexo conflito de valores que encerra uma gravidez acidental sem o resolver literalmente ao pontapé. Afinal tudo se resume a um umbigo. E à facturação, evidentemente. 

Jéssica

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A propósito do hediondo caso de tortura e assassinato de uma menina de 3 anos em Setúbal que a todos nos vem martirizando as consciências, Marcelo Rebelo de Sousa relevou o sinal de miséria moral que o caso evidencia e que nos deve fazer reflectir. Desta vez confesso que estou de acordo com o ângulo da perspectiva do comentador, que acedo a aprofundar. Se por estes dias se ouvem muitas vozes genuinamente indignadas com a falha do Estado e dos seus organismos, julgo que esse é o ponto menos relevante, independentemente de reformas e aperfeiçoamentos que eles mereçam. No meio do choque e incredulidade com os meandros da macabra história, julgo ser necessária a lucidez de aceitar que a maldade sempre existiu e existirá em potência e (ainda bem) que nos consegue surpreender desta maneira mais brutal – porque é contra-natura e antinatural, um acontecimento raro, portanto. E que a única forma que temos de precaver a ocorrência casos de crueldade indizível como estes é o estreitamento da malha social, através das instituições orgânicas que a compõem e estão em profunda crise, as comunidades num processo de atomização voraz e consequente desenraizamento humano. Colocar no lugar da família alargada, da comunidade de proximidade, da paróquia, ou de outros organismos intermédios, uma máquina de vigilância estatal que actue como um colossal polvo policial, é no meu entender um erro grave, não só porque a sua eficácia será sempre risível na gestão do conflito de valores que este tipo de matéria sempre gera, mas porque nada consegue substituir as relações de proximidade duma comunidade estruturada e com valores morais. O “policiamento” dos núcleos familiares problemáticos por entidades estatais é por natureza propensa ao erro e ao abuso, estou em crer. O que eu quero dizer é que temos sorte de não sermos mais vezes confrontados com outros casos chocantes de bestialidade humana como o de Jéssica, tendo em conta a solidão e miséria moral que grassa na sociedade que emerge da modernidade individualista e hedonista que construímos.

Deus receba a menina Jéssica no seu colo acolhedor, tenha piedade dos seus malfeitores e nos perdoe não a termos salvo.

Publicar livros

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Não foi fácil decidir-me pela publicação de “Casa de Abrantes, crónicas de resistência” numa edição de autor, usando os meus conhecimentos de marketing e recursos empresariais. Confesso que quando a obra se encontrava quase pronta ainda sonhei com uma edição comercial com distribuição nacional, pois publicada como uma “história de família” composta por crónicas biográficas pareceu-me que tinha um considerável potencial comercial. Enganei-me na primeira ideia e não no segunda para meu grande alívio. A resposta que obtive duma conhecida editora colocava o risco todo do meu lado, tendo me sido proposta a aquisição de um número de exemplares que nunca teria capacidade de vender se não pudesse ser eu a tratar da sua comercialização e promoção. O livro tornar-se-ia num luxuoso capricho do autor, que pagava a uma editora para obter patrocínios, designers e fotógrafos, organizar um grande lançamento e distribuí-los nas livrarias. Acontece que, salvo a distribuição nas livrarias, tudo mais é actividade ligada à minha profissão: comunicação e relações-públicas. Perante estes factos decidi-me a arriscar um considerável investimento e publicar o livro com os meus recursos. Uma edição de 450 exemplares bem catita. Tirando as maçadas e trabalhos, o retorno do dinheiro investido já está praticamente garantido e as vendas continuam, para meu grande alívio.

A terceira opção, provavelmente mais ajuizada, teria sido a de fazer préviamente uma recolha de fundos como a está a fazer o Henrique Pereira dos Santos com o projecto em co-autoria com Duarte Belo “Das Pedras Pão” (que grande título!). Veremos nas semanas que faltam se os apoios necessários são alcançados – o ponto de situação da emocionante campanha pode ser monitorizado aqui. Pelos trechos e imagens desvendadas parece um belo produto.

O que me parece importante realçar, é como, ao mesmo tempo que as distribuidoras arriscam cada vez menos em livros que não garantam de grandes tiragens e autores da moda, está cada vez mais consolidado um mercado de auto-edição, à disposição dos autores, através do qual, com uma estratégia de marketing simples e distribuição por plataformas digitais se consegue fazer chegar aos públicos mais exigentes e informados bons produtos editoriais.

Dito de outra forma: confesso que iria sentir uma vaidade enorme de encontrar o meu livro “Casa de Abrantes, crónicas de resistência” nos escaparates da FNAC, da Bertrand, da Almedina ou até do Continente. Serve-me de consolação que esse livro seria substancialmente diferente, não tão bonito quanto aquele que se produziu com o meu gosto e a inspiração do Vasco Rosa. Que se pode encomendar e receber comodamente em casa aqui.

Pe. João Seabra

Uma inevitável homenagem

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O curioso é que o que se esperava há algum tempo, a partida do Pe. João Seabra, soube dela com choque à hora do jantar de sexta-feira, na companhia de dois seus amigos de juventude, colegas de escola. As vidas dos outros quatro convivas nesse serão, também com a dele se tinham cruzado com mais ou menos intensidade - constatámos. A notícia caiu que nem uma bomba estúpida que estilhaçou a noite com silêncios, mas que não desfez aquela cumplicidade que não havemos de esquecer tão cedo. O que quero salientar é que talvez a mais importante característica do apostolado do Pe. João Seabra é ter marcado a vida de tanta, tanta gente. Dentro dum meio não anticlerical, e mais ainda no meio católico, não é grande originalidade ter-se convivido com o Pe. João Seabra, e esse convívio ter deixado marca, mais ou menos importante, quase sempre profunda. Pela minha parte gostava dos modos afirmativos, provocadores, como o Pe. João se exprimia.  Gostava do seu radicalismo nos princípios gerais e da profunda generosidade para com cada individuo, e as suas circunstâncias pessoais. Evidentemente que essa relação compassiva inevitavelmente com o desenvolvimento pedia compromisso, indicava um caminho de radicalidade, que por vezes assustava o meu coração dividido e perdido no Mundo. Atraíam-me a sua erudição, a sua verve desenvolta e emotiva, aquela Fé apaixonada, sólida, por vezes arrogante, que fazia parecer ridículas as minhas hesitações e desconfianças no pedregoso caminho de entrega ao nosso Senhor que nos desafiava – e que ainda hoje percorro com custo. É dele a verdadeira soberania, custa a admitir. Se esse caminho do Pe. João foi algum dia custoso, admiro-lhe a maneira como digeria as suas dores, que só se percebiam quando via uma das suas ovelhas fraquejar. Que conhecia todas pelo nome. Era isso que eu dizia lá atrás: o Pe. João tinha uma capacidade inesgotável para gostar de muita gente ao mesmo tempo, cada um de forma única. Uma extraordinária imitação de Cristo. Durante os muitos anos em que o Pe. João liderou a paróquia de Santos e depois a da Encarnação acontecia-me uma coisa maravilhosa: de cada vez que, de propósito ou de passagem, sem avisar me decidia a visitá-lo, encontrei-o sempre – mas sempre. Com um enorme sorriso, a tratar-me pelo nome. 

Consola-me também que tenha feito o início desse extraordinário caminho de vida com pessoas que admiro e com quem hoje convivo. Que tenha sido um monárquico militante, um homem preocupado com a sua pátria, com a sua “cidade”, um católico rebelde mas obediente - notável é a sua tese de doutoramento sobre o processo de captura da igreja pelo Estado no Liberalismo Monárquico, até à Lei da Separação de Afonso Costa, "O Estado e a Igreja em Portugal no início do século XX" - Principia, 2009. No fim foi sempre obediente, calando o desespero por esta obra inacabada e vacilante que é a Igreja de Pedro destes tempos dissolutos (terão sido certamente sempre assim, acredito), de que ele foi um alicerce firme, inquebrantável. 

Imagino-o por estes dias lá em cima no Céu, ao lado dos maiores santos da História, em grande celebração e fortes gargalhadas, de braço dado com Jesus Cristo, tal qual como o imagino, nos seus tempos da juventude, quando os rapazes amigos, desavergonhados, exibiam as suas amizades no pátio do liceu. 

Nós vamos a seguir, Pe. João. 

Em Abrantes nada será como dantes...

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Depois da bem-sucedida apresentação do meu livro com Carlos Bobone e Daniel Protásio ocorrida ontem no Instituto Português de Heráldica a convite do seu presidente João Portugal, prepara-se outra sessão de apresentação de “Casa de Abrantes, Crónicas de Resistência” no próximo dia 10 de Junho às 16,00hs na Biblioteca Municipal de Abrantes. Este evento, integrado nas festas da cidade, contará com um debate sobre a obra moderado pelo jornalista José Manuel Fernandes.
Entretanto relembro que o livro se encontra disponível para venda em Lisboa na livraria Ferin e no Porto na livraria Esquina, ou poderá recebê-lo comodamente em casa através desta página.