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João Távora

Apropriação cultural

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O 40º festival Womad criado em 1982 por Peter Gabriel decorre a partir de amanhã até Domingo como habitualmente em Charlton Park, em Wiltshire. Com o objectivo de promover a pluriculturalidade e a tolerância entre culturas através da linguagem universal que a música e a dança comportam, este festival será para muitos um chocante exercicio de apropriação cultural, a ser cancelado. De facto, existe um movimento universal promovido por homens de boa vontade que preza a paz e o diálogo entre culturas, que resulta em colaboração interétnica ou interracial. Na música isso chama-se fusão. Esperamos que a cultura woke, cujo único objectivo é acicatar as rupturas e salientar as fracturas entre os indivíduos e povos seja combatida com pragmatismo – a batalha contra o racismo e outras formas de preconceito tem muitos séculos e heróis e há-de continuar a existir enquanto houver humanidade – o “Imagine” de Lennon só é possível eliminando da equação o factor humano, as pessoas, e pela  mesma razão as pessoas e as comunidades estão condenadas a pedir desculpa umas às outras pelos erros que incorrem dada sua natureza.  A alimentar este delírio colectivo temos o outro lado da moeda, expresso no identitarismo étnico dos nacionalistas de direita, bem expresso nas recentes declarações de Viktor Orbán, Primeiro-ministro da Hungria, dizendo que “a mistura de raças destrói as nações”. Estão bem uns para os outros, incapazes duma cultura de perdão. Interessante é verificar, numa ronda pelos seminários e paróquias de Portugal, numa altura de crise de vocações, o número de jovens padres oriundos dos mais diversos países de língua portuguesa a serem formados ou a exercerem a sua vocação apostólica em tantas igrejas.  “Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3)
É assim a vida desde Adão e Eva, e assim continuará a ser, o confronto entre dois movimentos antagónicos, o da ruptura e o da unidade – o mal e o bem, o feio e o belo, o erro e o perdão. Eu pelo meu lado sei bem onde me posicionar, de que lado está a harmonia, ou “a vontade de Deus”.
Que pena tenho eu de não poder estar este fim de semana em Wiltshire. Em compensação irei ouvir Peter Gabriel, um dos exemplos mais geniais de fusão musical.

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Manifestantes negros na avenida Paulista
no passado mês de Novembro, na defesa do ultranacionalismo étnico,
ou "racismo cientifico".

Coisas estranhas

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Há poucas coisas mais difíceis hoje em dia na minha casa que ver em família uma série de televisão em streaming. Acontece que há sempre alguém à hora combinada que não pode estar presente na sala por causa de programas inadiáveis, sempre interessantíssimos, que justificam o resto da comunidade ficar solidariamente em suspenso à espera duma oportunidade consensual. Acontece que os episódios estarão lá indefinidamente ocultos, mas disponíveis, toda a gente sabe; por isso adia-se mais uma vez. Mais valiam os meus tempos de juventude: naquele serão de 5a feira, quem não estava, que estivesse. O drama só avançava um episódio por semana mas não dependia de apetites individuais.

Vem isto a propósito de “Stranger Things”, uma série escrita e dirigida pelos irmãos Duffer, cujos episódios vêm sendo estreados na Netflix deste 2016 tendo recentemente a IV temporada sido disponibilizada. Essencialmente destinada a adolescentes, com o protagonismo principal de um grupo de jovens, “Stranger Things” no entanto apresenta iconografia e referências destinadas a atrair as gerações mais velhas – uma coisa esperta.  A trama, passa-se em meados dos anos oitenta numa pequena cidade do Estado de Indiana, remetendo todo o ambiente, o guarda-roupa, cenografia, até as cores carregadas do vídeo, para essa época. Para isso também contribui a banda sonora, senhores – eles sabem brincar com a nostalgia. A intriga desenvolve-se à volta de um obscuro mundo inverso e subterrâneo onde um mora um terrível monstro que os governos da União Soviética e dos EU envolvidos em experiências cientificas tentam esconder, tem tudo para reunir a família inteira, onde ela ainda possa resistir nesses moldes. Entretenimento puro.

Ora, foi nesta série, que me foi aconselhada há uns meses pela minha filha, que aconteceu o fenómeno que aqui quero relevar: trinta e sete anos depois (!) de tocar pela primeira vez numa estação de FM, a canção “Running up that hill”, de Kate Bush ressurge e alcança o primeiro lugar das tabelas de streaming mundiais, como hino de uma nova geração – ainda não chegámos a esse episódio, por cá ainda estamos no início da III temporada. Parece que miudagem se converteu à musa da minha juventude. Deste modo Kate Bush vem batendo várias marcas inéditas, não só a de despertar a curiosidade da minha filha para uma música que me apaixonou em tempos longínquos e que eu pensava perdida para a miudagem, como estabelece o recorde do mais longo período de tempo que um tema demorou a alcançar o primeiro lugar nas tabelas de singles oficiais – 37 anos. Uma coisa verdadeiramente estranha que tenho esperança de entender quando chegar ao dito episódio. Porque será que, entre tantas canções dos anos oitenta incluídas na banda sonora da série, é com “Running up that hill” que acontece este fenómeno? A minha resposta, certamente simplista, é que a canção, incluída no álbum “Hounds of Love” de 1985, é, como sempre suspeitei, um grande tema – o disco é quase todo genial, aliás.

Alguém comentava há dias no Twitter que, por conta da canção (como todas as suas canções) lhe pertencer integralmente em autoria e direitos, este fenómeno lhe está a render cerca de 250.000 libras por semana. Kate Bush afirmou numa raríssima entrevista à BBC dada há umas semanas, estar muito espantada com o prodígio da sua recente popularidade. Com sessenta e três anos, retirada na sua casa de campo com um grande piano, confidenciou-nos não usar telemóveis espertos, o que é uma desnecessária prova da sua forte personalidade, e que para seu sossego, não frequenta redes sociais - e imagino que também não oiça música pelo telemóvel.

Talvez os mais desatentos não saibam que Kate Bush publicou em 2013 o seu último álbum, “50 Words for Snow”, uma autêntica pérola, que estou em crer terá passado ao lado da malta nova. O que eu vos posso garantir é que a cantora e compositora Kate Bush merece todo este renovado sucesso tardio. E nem sonham a sorte que têm se se dispuserem a descobrir a sua extraordinária obra. Integralmente feminina.

Ainda bem que acontecem coisas estranhas. Com sorte verei a série até ao fim em boa companhia, que há diversões que só fazem sentido dessa forma.

 

A "Casa de Abrantes" foi a Matosinhos falar de Francisco de Sá e Meneses

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Foi muito gratificante no passado dia 7 de Julho levar ao norte o livro “Casa de Abrantes, crónicas de resistência” e ter o privilégio de assistir a uma prelecção de Luís Sá Fardilha da Faculdade de Letras da Universidade do Porto sobre o I Conde Matosinhos, no Clube de Leça – divulgarei o vídeo aqui em breve. Fiquei muito grato também à Real Associação do Porto na pessoa do seu presidente Paulo De Queiroz Valença e ao Clube de Leça na pessoa do seu presidente Gonçalo Correia da Silva pela bem-sucedida iniciativa, que foi encerrada com chave de ouro com um inesquecível jantar.

Assim se fechou um ciclo iniciado no final de Abril por mim dedicado à divulgação desta obra de que muito orgulho, que em dois meses esgotou os 450 exemplares produzidos. Foi um período marcante na minha vida, e nunca será demais agradecer a todos os meus amigos que me acompanharam nesta aventura.

Havemo-nos de reencontrar, Vasco

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Foi há pouco mais de 10 anos que o Duarte Calvão me apresentou o Vasco Mina, como “um católico politicamente activo dentro do PSD – vais gostar”. De seguida, integrado no Corta-fitas, aproximámo-nos – tínhamos muitas cumplicidades. Descobri o casal Mina nas Equipas de Casais de Nossa Senhora, e fui acompanhando as aflições do Vasco, por causa da doença, por causa do trabalho e por causa do Corta-fitas, que lamentava não colaborar mais. Fundador dos Leigos para o Desenvolvimento com o Pe. António Vaz Pinto (que partiu para junto do Criador uns dias antes), o Vasco nunca prescindiu de lutar pela vida plena. Como pai, como marido, como profissional, como sujeito activo na vida da sua Igreja e do seu país. Foi por uma unha negra que não o converti à causa monárquica – uma trivialidade dada as circunstâncias. Nos últimos meses acompanhei com apreensão as notícias que o Vasco ia mandando, dedicado que estava a combater a sua doença. Umas vezes com mais animo, outras bastante desconsolado. Na minha casa, em que se reza com regularidade, muitas foram as orações pela sua recuperação, pelo seu conforto e consolação. Não terão sido em vão, creio.

O Vasco Mina era um bom homem, foi um bom amigo, e a esta hora estará junto a Deus Pai a torcer por nós. Havemo-nos de nos reencontrar.

Uma homenagem a Duarte de Castro (1939 - 2022)

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Morreu o meu Tio Duarte de Castro. Não sei se já alguma vez vos falei da importância que atribuo à família alargada, da diversidade de legado que nos concede uma comunidade de avós, tios e primos, na formação de pessoas mais livres e mais inteiras. Tenho o privilégio de ter crescido e vivido com a presença viva da família da minha mãe, que hoje se reencontra no céu com o seu irmão Duarte. Nós por cá é que ficamos mais pobres, menos amparados.

Duarte Nuno de Carvalho Gomes de Castro, nasceu a 13 de Março de 1939 em Cascais, na Avenida Emídio Navarro, morada que antecedeu a mudança dos meus avós Maria da Assunção e João António para a Casa da Avenida. Afilhado de baptismo do Senhor Dom Duarte Nuno, depois de ter frequentado o Colégio Militar, ingressou na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa no curso de 1964 onde ombreou com uma ínclita geração de juristas de que foi toda a vida amigo e cúmplice. Graças a isso sempre me foram familiares nomes como os de Alberto Xavier, António Sousa Franco, Augusto Ataíde, Augusto Ferreira do Amaral, Diogo Freitas do Amaral, Duarte Ivo Cruz, Eduardo Santos Silva ou Martim Albuquerque, rapazes cuja inteligência iluminou muitos serões da Casa da Avenida. Esta, foi uma geração que se empenhou no serviço a Portugal, seja embalada pela esperança na Primavera Marcelista ou na consolidação duma democracia liberal depois do 25 de Abril.

Do Tio Duarte, além do sportinguismo, do gosto pela boa conversa, interesse pela política e pela História, herdei a paixão pelos livros do Tintim, colecção que os possuía num armário do seu quarto de solteiro, que amiúde eu assaltava para me maravilhar com os feitos daquele nosso impoluto e jovial herói – como o eram os meus tios, na minha imaginação.

Foi a 18 de Setembro de 1971 que casou com Eugénia Torres Bastos de Morais acontecimento do qual me assaltam memórias do Copo d’Água no Turf, clube de que foi frequentador assíduo toda a vida. Dessa união ganhei quatro queridos primos direitos; são eles o João, o Vasco, a Mariana e o Bernardo. Quis o destino que o casal fosse morar para a Calçada Marquês de Abrantes, na casa em que, depois da morte dos meus avós, por muitos anos teve lugar a Ceia de Natal que era pretexto de reencontro da família Castro, e dos muitos parentes e primos direitos que nessa ocasião se reviam. O Tio Duarte, com a Tia Gena, teve o mérito hoje pouco valorizado de construir uma família sólida e estruturada nos valores cristãos.

O Tio Duarte, pessoa tão discreta como erudita, foi sempre monárquico assumido, sócio da primeira hora da Real Associação de Lisboa, e era como já referi, sportinguista, clube de que foi tesoureiro na presidência de João Rocha. Foi secretário de Estado dos Desportos do VII Governo Constitucional, aquele executivo AD de vida curta formado em 1981 após a morte de Sá Carneiro e Amaro da Costa, liderado por Francisco Pinto Balsemão. Amigo muito chegado do meu pai, conquistou o coração e a inteligência deste seu sobrinho, que hoje chora a sua partida. Saibamos nós, que ficamos, dar sentido ao bom legado que a todos nos deixou, em amizade, exemplo e façanhas.

Imagem: Do livro de curso de 1964 da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - caricatura não assinada.