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Uma das palavras que mais gosto é “consolação” por causa dos seus significados. Lembrei-me disso, a banhos na praia do Medão, ou Supertubos como é conhecida agora por causa dos surfistas, a meio caminho entre Peniche e a Praia da Consolação. Esta, delimitada a sul por uma falésia é encimada por um forte com o mesmo nome, deve-o à Capela quinhentista existente nesta localidade de Atouguia da Baleia, dedicada a Nossa Senhora da Consolação.
Analisemos então a sua semântica. Se “consolação” não significa exactamente Conforto, Felicidade, Prazer, Alegria, Contentamento ou Estado de Graça, pode-se associar a qualquer destes sentimentos. Mas é muito mais importante e presente que qualquer um deles: a consolação é uma sensação dinâmica, que é precedida de certa maneira por um estado de espírito negativo, associado a sacrifícios ou à ansiedade – pode ser inquietação, dor, medo, cansaço, etc., em manifestações mais ou menos intensas. É na sequência destes padecimentos que podemos ser agraciados por um momento de consolação, que naturalmente não significa que o mal que nos afectava tenha sido erradicado - "enquanto o pau vai e vem folgam as costas", diz o povo na sua crueza. Consolações são, no fundo, acontecimentos singelos da vida quotidiana: a notícia de que o nosso filho entra para a universidade, ou aquando num hospital recebemos a visita de um velho amigo. Mas também pode ser uma refeição feliz com a família e amigos, o término de um trabalho exigente, uma cerveja fresca num fim de tarde quente. Mas se é certo que um prazer pode ser um consolo, uma e outra são coisas bastante diferentes. Ouvir uma peça musical que gostamos muito ou saborear um pitéu, serão certamente prazeres sem caberem propriamente na categoria do consolo. Os consolos não se inserem na ordem dos nossos desejos carnais ou intelectuais, mas antes possuem um vinculo divino, são-nos inteiramente oferecidos - surpreendem-nos. Eu explico-me: é coisa mal-aceite na ordem histriónica vigente, mas absolutamemte incontestável, que a vida é essencialmente feita de padecimentos e consolações: uma consolação é o que nos impele a continuar a ultrapassar as dificuldades que o destino nos desafia diariamente. Consolação não se confunde imediatamente com alegria, que é um sentimento mais intenso, exterior, por vezes eufórico – a alegria é sedutora e mundana, já o consolo é espiritual e reflexivo. O máximo com que se exprime o consolo – a consolação não obriga à expressão - é com um suspiro ou talvez sorriso discreto. Porque raramente partilhamos um autêntico consolo, sem que o outro nos seja íntimo e cúmplice. É um consolo chegarmos a casa depois de umas férias agitadas, é um consolo chegarmos a casa depois de um dia intenso de trabalho, é um consolo fazermo-nos entender sobre um tema complicado. É um consolo uma palavra amorosa da nossa cara-metade ou o sono angelical do nosso bebé. É um consolo uns minutos de oração no silêncio de uma igreja vazia numa tarde de Verão. É um consolo terminarmos uma crónica sobre um tema que há muito tempo nos estava a inquietar e reclamava ser escrita.
A falta que nos fazem consolações...
Crónica dedicada à Tia Teresa de Castro Simas, que nos seus 87 anos de idade partilha comigo o gosto de reflectir e debater estes temas complexos e fundamentais.