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João Távora

O palco da Jornada Mundial da Juventude

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Há mais de quatro anos, quando foi decidido, que venho seguindo com alguma atenção as notícias da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que decorrerá em Lisboa no início de Agosto e que reunirá mais de um milhão de jovens de todo o Mundo na cidade e concelhos limítrofes. Que ninguém se iluda, nunca nada de semelhante aconteceu em Portugal – trata-se de um evento absolutamente excepcional, o maior à escala planetária que, a par da visibilidade que promove da mensagem cristã, comporta uma logística complexa e exigente, em mobilidade e espaços para os múltiplos eventos, que urge por a funcionar. Para se ter uma ídeia, para acolher todos os visitantes juntos, será necessário um espaço correspondente a 10 santuários de Fátima ou dezasseis estádio da Luz. Com ou sem o Palco, com ou sem a colossal esplanada do Parque Tejo arranjada para a Missa Campal no dia 5 presidida pelo Papa Francisco, nada permanecerá na mesma na cidade, que quase triplicará os habitantes durante uma semana – a maior parte da operação será pouco visível decorrerá em regime de voluntariado – alojamento, refeições etc..

Para além dos incómodos que toda esta agitação inevitavelmente irá criar aos lisboetas, é de prever que surjam muito mais polémicas mais ou menos artificiais e o habitual aproveitamento político das facções radicais do nosso espectro político. Escândalos e feridas serão “descobertos” ou reavivados aos católicos. Na mesma proporção que for o sucesso da JMJ, haverá uma vozearia tonitruante a contrapor maledicência e contraditório. É assim que acontece, justa ou injustamente, numa sociedade liberal e extremamente laicizada como a nossa. Procurem-se notícias do que foi a JMJ em 2011 em Madrid, por exemplo.

Mas o que me admira por estes dias nas redes sociais é a quantidade de católicos acriticamente, mal informados, a surfarem a onda do “escândalo do palco-altar". Há muito tempo que este grandioso encontro católico está previsto, no entanto até há poucos meses não estavam definidas as responsabilidades das partes envolvidas - Lisboa, Loures e Governo. Desde então, com as verbas definidas, a seis meses do acontecimento, a CML tudo está a fazer para que o acolhimento se faça com toda a dignidade que nos merecem os visitantes. Dito isto, parece-me importante que se construa um consenso entre os portugueses de boa-vontade para levarmos a JMJ a bom porto. Com os outros já não contávamos, sempre estiveram do lado da ruptura, e sempre que puderam fecharam as igrejas e até mataram o nosso Rei.

PS.: Peço desculpa se desiludo alguém, mas pensava que este assunto já tinha ficado esclarecido com o colapso da Cortina de Ferro: não haverá menos pobres por não haver JMJ ou se o evento for mais modesto. Como não haverá menos pobres se o Vaticano oferecer os seus bens, igrejas, palácios e obras de arte. Esse sempre foi o argumento dos comunistas para expropriar as pessoas. Haverá menos pobres, estou certo, com uma Igreja mais robusta, mais santa, com mais presença na vida das nossas cidades. A ideia de que o dinheiro para o Altar cicula em vazos comunicantes entre instituições/organismos e que poderia ser gasto em caridade ou na construção de casas para os pobres é no mínimo infantil. A pobreza franciscana é um caminho de exigente espiritualidade, como outros uma escolha individual. Para mais a Igreja não é uma mera ONG, a sua fundação principal é evangelizar, ensinar a mensagem de Cristo. Para isso necessita de meios.

“Não somos criados para o conforto, mas para as coisas grandes”

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A frase que adaptei como título desta crónica é retirada do discurso do Papa Bento XVI a 25 de Abril de 2005 às delegações e peregrinos de língua alemã em Roma por ocasião da sua eleição e ficou a ressoar na minha consciência nas semanas que se seguiram à sua morte. Porque encaixa na percepção que tenho dos caminhos da decadência que nos atraem por estes dias no ocidente niilista. Ao conforto todos nos sentimos atraídos - como diz o povo, disso até os bichos gostam. Mas das pessoas espera-se que exijam algo mais.

É no conforto que investimos grande parte dos nossos recursos: uma casa confortável, decorada com os mais variados objectos que nos devolvam harmonia e identidade, equipada com o necessário para elaborar sofisticadas refeições para a família e os amigos, livros dos nossos autores preferidos à mão de semear, um sistema de som que transforme a sala numa sala de concertos, etc. etc.. O problema é que, ao final do dia, parece-me evidente que não é nada disto que nos realiza, antes amolece-nos como papalvos. Bem sei que nos podemos inscrever no ginásio a massacrar o corpinho ou participar noutros desafios, até solidários, que o "mercado" nos oferece. Pela minha parte, quando me encolho no conforto com demasiado afinco e por demasiado tempo, consome-se-me a longevidade, estagno-me na lassidão, e revolve-se-me a ansiedade, numa urgência de ressurreição. Quando muito o conforto é um ponto de partida que nos desafia a coisas grandes. Amaldiçoado será o príncipe, mesmo suplente, que rejeita o privilégio de serviço vitalício ao seu povo. 

Não se julgue que os grandes feitos são só como os do escritor que vê impressa a sua obra prima, do cientista que depois de anos de extenuante investigação descobre a cura para uma doença fatal, da conquista duma medalha olímpica pelo desportista, ou a tomada de posse do político após uma vitória eleitoral – essas são coisas grandes, sim, mas as mais importantes "coisas grandes" a maior parte das vezes ficam anónimas, não brilham na ribalta, são obras de cura e harmonia que obtemos para os outros, ou até conflitos que evitámos pelo silêncio. As coisas grandes são sempre para os outros, salvam alguém ou alguma coisa, é assim que as usufruímos em pleno. Podem ser pequenas na aparência; uma visita a uma pessoa só a partilha de um bem escasso – o saber ouvir. Mas já é do âmbito de "coisa enorme" o filho que cuida disciplinadamente do pai enfermo, que já não irá agradecer. É uma coisa enorme oferecer sem pedir de volta. Se isso se tornasse moda, era um pouco de Céu que se replicava na Terra. Desenvolver a capacidade de fazer "coisas grandes" é civilização, é o que devemos ensinar os nossos filhos, desde logo pelo exemplo. É urgente despertar-lhes o bichinho de fazer coisas grandes, um dom democrático ao alcance de todos, porque esse é o sopro divino que nos foi dado e nos distingue da restante criação. Só possível a partir de cada pessoa e na sua medida, eu sei. É construirmos um mundo melhor de dentro para fora sem desfalecer com os tropeções, que as contas se fazem no fim.

Julgo que esta é a matriz da Europa cristã que Bento XVI tanto se preocupava em preservar e que vai capitulando à conquista do conforto tido como um fim e si. Não deveria o conforto ser apenas o ponto de partida para as "coisas grandes" ou estará condenado a ser a causa da distracção e amolecimento das vontades?

Esta é a minha modesta e tardia homenagem a Bento XVI. 

O hino nacional e a necessidade dos símbolos

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É um assunto recorrente, à falta de melhor, alguma personalidade pública vir à praça pôr em causa os símbolos nacionais. Desta vez foi o cantor luso-cabo-verdiano Dino D’Santiago que, numa certamente bem frequentada conferência por causa dos 50 anos do Expresso, contestou o hino nacional português que reclama ser demasiado bélico. O tema, que em tempos tinha sido levantado com a mesma sofisticação teórica pelo maestro Vitorino de Almeida, pegou como fogo em palha seca nas redes sociais, donde nos últimos dias emerge um irresistível debate que venho seguindo com interesse. No Facebook alguém reclamava que o nosso hino não era grande coisa, que os mais bonitos eram o americano e a Marselhesa. Eu confesso que, mesmo gostando muito de música, os hinos não me atraem grandemente. Detentor duma relativamente numerosa discoteca, só sou feliz possuidor de dois hinos: o brasileiro, inserido numas Variações de Louis Moreau Gottschal (Grande Fantasia Triunfal) e uma impressão de 1906 ou 1907 em ebonite 78 rpm de "A Portuguesa", uma “canção de intervenção” adoptada pelos republicanos em 1891 como na sequência do ultimato britânico, quando eles se pretendiam fazer ao mar para heroicamente enfrentarem a armada britânica. Pena que não o tenham feito, todos juntos dentro cruzador Adamastor, adquirido pelos próprios através da “grande subscrição” patriótica. Não se tinha perdido grande coisa.

Na empolgante discussão sobre os deméritos de “A Portuguesa”, não foram poucos os que assumiram preferir o hino da Maria da Fonte, que os republicamos terão certamente ligado aos miguelistas. O facto é que hinos e marchas não entusiasmam a minha veia melómana, mas evidentemente prefiro qualquer um à Marselhesa, um descarado exemplo de xenofobia e belicismo. Os hinos soviético e americano são musicalmente interessantes, mas essa afeição talvez esteja relacionada com o número de vezes que os ouvi na infância e juventude a ver os Jogos Olímpicos na TV. Na verdade, os “símbolos nacionais” são uma invenção da sanguinária Revolução Francesa, na ânsia da consolidação do Estado Moderno como religião laica. Mesmo havendo quem afiance que “A Portuguesa” teria sido inicialmente dedicado por Alfredo Keil ao Príncipe Dom Miguel exilado na Austria, a verdade é que foram os republicanos de 1910 que o aproveitaram para primeiro hino nacional, na forma como entendemos actualmente o conceito. O Himno da Carta, era apenas o Hino da Carta, como o Hino da Restauração ou o Hino da Maria da Fonte. O pior a moda dos “símbolos nacionais” foi a bandeira verde-rubra com que nos castigaram os revolucionários numa exibição de extremo mau gosto, e em cuja genealogia encontramos os símbolos da bandeira dos terroristas carbonários. A ela se referiu assim Fernando Pessoa: “contrária à heráldica e à estética, porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português – o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que, por direito mental, devem alimentar-se”. Valham-nos as armas reais, mesmo decapitadas lá no meio, que se foram impondo pelos nossos reis ao longo dos séculos, e cuja versão actual procede das armas de Dom João II com a Esfera Armilar de D. Manuel I.

Não me incomoda grandemente que se discutam os "símbolos nacionais”, pois não foi com “símbolos nacionais” que se construiu a nossa pátria. Portugal foi-se constituindo como Estado Nação ao longo da história numa adesão espontânea, de dentro para fora - aqui e ali com a ajuda dos ingleses, é certo. Para isso não foi preciso o rei aparecer periodicamente na televisão, nem bandeiras às janelas, ou hinos antes dos eventos internacionais. A nossa unidade política foi sendo construída desde o início à volta do rei, da cruz de Cristo, e duma língua, como um milagre espantoso; uma "improbabilidade" histórica como escreveu D. Manuel Clemente. Na verdade, estou convencido de que Portugal, ainda hoje é dos países do mundo que menos necessita da sacralização dos "símbolos nacionais", exacerbados sempre por países em formação ou nacionalidades pouco consolidadas. Aqui chegados, nós os portugueses há muito que nos habituámos a viver como habitualmente, e, de revolução em revolução, a aceitar um medíocre destino. O hino de Portugal decididamente não é o pior que nos impingiram e até homenageia os nossos egrégios avós. Agora aquela bandeira... 

Porque a vida não é só contrariedades...

Aqui partilho o primeiro single de Peter Gabriel em vinte anos, a primeira peça do álbum que aí vem, cujos temas serão divulgados a cada Lua Cheia, segundo anunciou o músico. O tema "Panopticom" foi publicado há poucas horas nas plataformas de streaming. Acompanhado pelos seus músicos de sempre, Tony Levin, David Rhodes e Manu Katché e a assombrosa sonoridade electrónica de Bran Eno, Peter Gabriel parece-me em forma. Aconselho que se ouça mais do que uma vez, e a descoberta deste aperitivo será certamente deliciosa enquanto esperamos por mais novidades na próxima Lua Cheia.