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João Távora

Post scriptum

Na sequência do forró de indignações ao meu post anterior nas redes sociais, insisto em explicar-me: o que eu queria dizer, é que pior do que ter uma filha beijada sem sua autorização por um "superior hierárquico" na euforia duma conquista difícil e loucamante desejada pela equipa, seria ter um filho condenado sem apelo nem agravo, à moda medieval, por uma turquemada em matilha, insaciável de "justiça popular" feita na rua das redes sociais a interpetarem intenções por imagens - aparências subjectivas.
Quantas vezes o tribunal da inquisição surgiu para evitar o linchamento dalgum maldito... Este parvo do treinador espanhol - que podia ser meu filho - nem a isso tem direito.

Desconfio que toda esta polémica à volta do beijo maldito fosse impossível nos anos setenta. Nessa altura os problemas do mundo resolviam-se com um beijo. De resto, nunca vi tantos reaccionários e progressistas reunidos pela mesma causa...

O caso do beijo roubado

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Confesso, aqui para nós que ninguém nos ouve, que gosto da expressão “roubar um beijo”, e julgo que já o tenha feito noutra vida, numa discoteca ou festa de garagem. Se em tempos tal poderia ser visto como um pecado (em minha casa as festas de adolescente eram às claras), hoje roubar um beijo pode tornar-se ilegal; ou pior que isso, estourar com uma carreira profissional ou política. Soube há pouco que a jogadora espanhola Jenni Hermoso, campeã mundial de futebol feminino, recorreu ao seu sindicato para reclamar a cabeça do presidente da Federação Luís Rubiales, por causa do beijo na boca que lhe foi roubado nos eufóricos festejos do título. Pelo que me foi dito este era um dos assuntos mais debatidos nas redes sociais até à queda do avião de Prigozhin ontem na Rússia, e por isso o trago aqui, se é que ainda chego a tempo.

Descontando o facto de estarmos em Agosto, quando o sol bate forte nas cabeças dos veraneantes desocupados, garantem-me que o assunto é sério, que o caso é uma lição pública na luta pela igualdade e contra os abusos do patriarcado opressor. De facto, Rubiales exagerou na expressão do seu entusiasmo pela vitória das espanholas no Campeonato do Mundo, uma modalidade recente com dificuldade em afirmar-se comparativamente à sua correspondente masculina. Pelas imagens até parece que o presidente Rubiales roubou aquele beijo “sem querer”. No mundo civilizado em que cresci, um rapaz roubar um beijo a uma miúda “sem querer” seria motivo para um mui clássico estalo – ou bem que queria ou não queria. Imaginem que tinha sido a selecção portuguesa a ganhar e que no fim da épica vitória era o efusivo Marcelo a distribuir as medalhas no calor dos festejos... De qualquer maneira não se perdeu tudo: foi por causa deste escândalo que eu soube que a Espanha havia ganho o torneio à selecção inglesa, que por alguma estranha maldição nunca mais ganhou nenhum troféu desde que eliminou os portugueses, naquela malfadada meia-final de 1966.

Soube no outro dia que as amigas da minha filha, a acabar o curso de direito, muito cientes das disputas igualitárias em voga, são adeptas da proibição legal de determinados sketches humorísticos. Admitindo que há anedotas e piadas de muito mau gosto e crueldade, jamais me passaria pela cabeça a sua proibição. Admitindo a dificuldade de classificar os limites duma expressão sentimental dum homem para com uma mulher, entre o admissível e abuso, custa-me aceitar o policiamento das relações entre mulheres e homens adultos. E o julgamento na praça pública de um acto inadvertido por uma claque de moralistas ávidos de bodes expiatórios para o seu revolucionário consolo igualitário. Também por isso não me admiro que o clássico “Fat Bottomed Girls”, dos Queen, tenha sido removido duma nova versão do álbum “Greatest Hits” para miúdos. Cuidado com aquilo que desejam, ou isto ainda se torna mais puritano que uma sacristia no século XIX. Ou, por outras palavras, temo que as velhas tentações tirânicas nos estejam a entrar em casa por baixo da porta.

A guerra nas nossas ruas II

Pouco tempo depois do meu pai morrer, há quase 30 anos, a família recebeu em casa uma acta assinada da assembleia municipal em que se aprovava, por unanimidade, a atribuição a ele de um nome de rua - falou-se que seria na zona oriental então em crescimento. Evidentemente tal nunca se veio a concretizar. Bom é fingirmos que a toponímia de Lisboa não reflecte uma batalha política controlada pela esquerda radical. Aqui chegados, os nomes das ruas, praças e avenidas da nossa cidade não reflectem o valor dos protagonistas da nossa vida pública, reflectem a ideologia dominante promovida por uma escassa minoria.

Entretanto assinemos esta petição

PS: Entretanto o Patriarcado de Lisboa emitiu o seguinte comunicado, que  um Senhor que é Senhor não aceita uma luta na lama:

O Patriarcado de Lisboa informa que D. Manuel Clemente pediu para não se efetivar a atribuição do seu nome à ponte ciclopedonal sobre o rio Trancão. Agradece a atenção da Câmara Municipal de Lisboa, mas não quer, de modo algum, que a atribuição seja causa de divisão, ou que alguém se sinta ofendido. A Jornada Mundial da Juventude, quis ser, muito pelo contrário, uma ocasião de reencontro de todos, em favor de uma sociedade mais justa e solidária.

Recebestes de graça, dai de graça

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Missa de Envio, designação que eu não conhecia, significa uma “cerimónia dedicada ao envio de discípulos para propagação da mensagem de Deus e do Evangelho para suas paróquias, comunidades e famílias”. A Missa de Envio da JMJ 2023 na qual tive o privilégio de participar ocorreu nos 90 hectares do Parque Tejo repletos de crentes de todo o mundo, não sei de um milhão ou milhão e meio, julgo que a precisão dos números, impossível de apurar, seja um assunto de pouca importância. Mas compreendo que após uma semana de assombrosa transfiguração do meu País, perante os protestos mais ou menos envergonhados da elite anticlerical que domina o discurso mediático em voga, o "caso" em destaque (!) no Observador possa render uns cliques da clientela mais ressabiada. Certo é que a Jornada terminava assim, com o envio de centenas de milhares de jovens revigorados na inspiração e na Fé para as suas pátrias, para redistribuírem esperança, um horizonte de salvação às suas gentes. Percebe-se o incómodo.

Desconfio que também por cá, nestas terras que já foram de Santa Maria, um renovado fôlego perdurará nas almas daqueles que dão vida às nossas comunidades cristãs. Apesar disso, a transmissão da cultura católica permanecerá entre nós um desafio hercúleo, mesmo que por momentos tenha sido opinião quase unânime de que ela é um elemento de civilizador. Como escrevia há dias o historiador Rui Ramos, os católicos “são hoje geralmente delicados e tolerantes”, são como visitas “numa casa que não é deles.” De facto, a invasão de Lisboa por quase dois milhões de pacíficos jovens durante aqueles dias foi uma lição de civilidade e um luminoso banho de alegria e festa. A demonstração daquilo que uma pessoa pode ser de melhor, quando imbuída do legado cristão. Nesse sentido foi impressionante o empenho de milhares e milhares de voluntários no acolhimento aos peregrinos, na organização de centenas de eventos culturais que se multiplicaram pelas paróquias no país inteiro, no encaminhamento, no controlo das entradas e saídas, nas acreditações, nos alojamentos, na alimentação, etc., etc. Por uns dias a cidade laica humanizou-se, converteu-se.

Quem é que imaginava que um acontecimento desta dimensão seria realizável nesta Lisboa tão laicizada e descrente? Seria possível empreender esta missão sem os auspícios dum governo de esquerda, que no seu próprio interesse acalmou as vozes de protesto das suas hostes jacobinas, franja que anseia concorrer com a Igreja, pois o Estado que preconiza é uma religião única e absoluta? Tenho dúvidas. A demonstração de força benigna e de actualidade do legado cristão que irradiou de Lisboa para todo o país, não me ilude quanto às tremendas dificuldades de afirmação da Igreja Católica no mundo ocidental niilista e centralista.

Confesso que estranhei a surpresa dos jornalistas e de alguma opinião publicada com o apelo do Papa Francisco a uma Igreja aberta a todos, todos, mesmo todos. Como a desejou Jesus Cristo que se rodeava de prostitutas, cobradores de impostos, aleijados ou leprosos. Que todos somos convidados à dignidade da filiação divina, que Deus conhece cada um até ao ínfimo cabelo. Para que, entrando na porta larga da Igreja, se faça um caminho, por vezes desafiante e estreito (não tenhais medo!), para a Liberdade. O mais difícil não é entrar na Igreja, é o caminho exigente da Salvação.

Se Jesus Cristo afirmou que “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei eu no meio deles.” (Mt 18, 20) imaginem a força da Sua presença na semana passada aqui em Portugal. Um enorme consolo, que perdurará em forma de memória por muito tempo, que temos de agradecer em primeiro lugar aos peregrinos que acorreram a esta Jornada e nos deixaram tão valioso legado. “Por onde forem, preguem esta mensagem: O Reino dos céus está próximo. Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demónios. Recebestes de graça, dai de graça” (Mt 10, 7-8)

jmj.jpgP.S.: Aproveito para assinalar a nomeação pelo Vaticano do novo Patriarca de Lisboa, D. Rui Valério. O antigo bispo das Forças Armadas, de perfil discreto e com apenas 59 anos, com as orações dos católicos da sua diocese terá tempo de se afirmar no exigente cargo – assim Deus o queira.

Às voltas na tumba...

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Um Távora como eu não poderia deixar de notar a ironia de, passados mais de 260 anos, se terem reunido em Lisboa 500.000 catolicos, sob liderança dum Jesuita, perante o Marquês de Pombal... de costas voltadas.

Igreja

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Para aqueles que por ignorância ou má-fé se afirmam incondicionais fãs do Papa Francisco mas que deploram a Igreja Católica em geral e a portuguesa em particular, convém avisar que Francisco é a cabeça da Igreja global, sucessor de São Pedro. Não terão certamente reparado esses anticlericais que esta tarde, o Papa celebrou a oração das Vésperas no Mosteiro dos Jerónimos, justamente dedicada ao clero português, que diariamente leva a luz de Jesus Cristo, em palavras e acções, às mais recônditas comunidades e paróquias nacionais.

Obrigado querida Igreja, obrigado querido Papa.