Diário da campanha (2)
Paulo Núncio, convidado para um debate em Lisboa promovido pela Federação Portuguesa pela Vida (FPV) fez a seguinte afirmação: “Depois da liberalização ter sido aprovada por referendo, embora não vinculativo, mas com significado político, é muito difícil reverter a lei apenas no parlamento. Acho que a única forma revertermos a liberalização da lei do aborto passa por um novo referendo”. Curioso é que esta posição, afirmada no seu contexto próprio, choque e surpreenda tanto a bolha das redacções, cativa nos seus preconceitos ideológicos e em intrincadas contas de mercearia e cenários eleitorais.
Também é estranho que, mesmo sendo eu testemunha de todos os actos eleitorais havidos em democracia, nunca tenha reparado que os candidatos dum partido em coligação durante a campanha estivessem impedidos de deixar escapar sinais, ou referências a causas que os identificam ideologicamente, cingidos a um programa eleitoral. Repare-se por exemplo como em 1979 a AD alcança a maioria absoluta exibindo a sigla explicita de um partido monárquico...
Pela minha parte fico muito contente com os sinais que este “caso” fez transparecer de dentro do CDS, que sempre acolheu no seu seio muitos católicos e ainda se afirma hoje como um partido democrata cristão. Pela minha parte apraz-me muito que Paulo Núncio, liberto de calculismos eleitoralistas, tenha aceitado sem receios participar no dito debate organizado pela FPV, e tenha falado sem constrangimentos. De resto, a prova de que o tema do aborto não está fechado, é a posição que foi assumida pela ex-deputada do PAN Cristina Rodrigues que é agora candidata em lugar elegível pelo Chega que propôs, imagine-se, o alargamento do prazo para o aborto livre de 10 para 16 semanas.
Finalmente, para quem vive a calcular cenários e predisposições dos eleitorados, que considera terem constituído as declarações de Paulo Núncio um “tiro no pé” da AD, receio que se enganem redondamente ao interpretar o tal “centro” político, os potenciais votantes numa coligação entre PSD, CDS, PPM, como militantes pró-aborto. Senhores comentadores, senhores jornalistas, abram as janelas das redacções e deixem entrar oxigénio na bolha que vos sufoca.
Vai-se a ver, e no final das contas o “caso” abriu o discurso da AD, deu-lhe abrangência política e eleitoral. É para agregar que serve uma coligação “de partes”, capazes de dialogar entre si.