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João Távora

Páscoa em tempos de cólera

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Nunca como nestes últimos dias da Semana Santa, que favorecem o recolhimento em memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus, tinha intuído tão clara e profundamente a oposição entre "Realismo" e "Subjectivismo".

Este último conceito refere-se à percepção do sujeito no confronto com os factos que testemunha, uma visão precária e condicionada à sua psicologia, à sua sensibilidade no momento, e inteligência. Já o conceito de "realidade" tem a ver com outra perspectiva, aquela que reflecte o Real, apenas acessível a Deus, que a todos nos interpela e perscruta.

É importante perceber isso, nestes dias em que se celebra a vitória da Vida sobre a morte, em que os cristãos são convidados a perceber o Mundo, a realidade, de forma vanguardista: de que esta apenas mudará, mesmo que ligeiramente, através da mudança interior de cada um, nesse local a que os antigos chamavam “coração”, onde as emoções se reflectem e se fazem sentir no seu digladiar. Parece-me importante meditarmos nisto nestes dias tumultuosos, em que a conflitualidade e a ruptura são acenadas como virtudes em detrimento dos consensos, na aceitação de que a mudança na realidade só se opera pelo empenho de cada um na sua vida, no seu meio. A insatisfação e o inconformismo, deveriam ser motores de empreendedorismo, doação e criatividade, e não de contendas, ódios e intrigas insanáveis, onde o feio prevalece sobre o belo, e o mal se confunde com o bem.

Não é só a mundanidade e o consumismo da grande cidade inquieta e materialista que reduz os cristãos nos dias de hoje à quase irrelevância. Como é que nos distinguimos na sociedade, no trabalho, na política, na família, e até na Igreja, submergidos numa berraria inestética, a dividir, a fracturar de faca nos dentes, dispostos a mudar um mundo teimosamente inamovível na sua corrupção e precaridade – feito de pessoas?  

Realidade, Real, Realismo, Realeza… Voltando ao início, a “realidade”, tida como tudo o que existe, apenas acessível a Deus, é um conceito que em termos terrenos somente uma instituição política pretende interpretar: o Rei. É também por esta ordem de razões que sou monárquico. Somente do Rei se espera a autoridade (no seu duplo sentido de autor e de encarnação do poder legítimo), a exemplaridade e a representação colectiva assente na dignidade e no cumprimento do dever. É o Rei que, ainda nos nossos dias, encabeça com sucesso o mais aprimorado sistema político, democrático e conflitual, que ambiciona a interpretação da soma dos múltiplos desejos das pessoas. Rei na medida em que for o primeiro servidor dos seus súbditos, o garante das suas antigas liberdades e a pré-condição de continuidade que não inibe a mudança, mas a enquadra no contexto longo da história partilhada.

Mas esse regime só é possível numa sociedade estável, com mínimos de urbanidade, estabilidade e consensos. Avessa a rupturas e revoluções.  

Publicado originalmente no Observador

Imagem: Negação de Pedro de Carl Heinrich Bloch

A tenaz

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A vozearia sobre a viabilidade do governo AD sem maioria absoluta ainda vai aumentar mais uns decibéis. Se a esquerda à espera de melhores dias se distancia higienicamente dos “retrocessos” e de fantasmas fascistas (sempre assim foi), do outro lado, André Ventura vitimiza-se por não lhe darem lugar numa dança que na verdade não quer dançar. Se é verdade que para um Tango são precisos dois, definitivamente não é nesses maus modos que se pede a uma senhora para dançar, insultando-a, caluniando-a sistematicamente em público. É preciso mostrar boas maneiras e um módico de empatia para inspirar confiança num parceiro de dança. O esforço do Chega tem sido no sentido contrário, num jogo de equilibrismo tático da vitimização e reivindicação, ostracizado pelas linhas vermelhas que são o seu seguro de vida. O irrevogável “não é não” de Montenegro constitui o seguro de vida do Chega, que vive dessa marginalidade. Marginalidade em relação aos media tradicionais que são irrelevantes para o seu eleitorado, marginalidade em relação ao parlamento que os seus eleitores desprezam, marginalidade a qualquer solução de governo que tornaria o partido cúmplice do sistema que os seus militantes execram. O Chega é o único partido que está onde quer, por isso é que se chama “chega”. Não tem razões de queixa, o descontentamento (pobreza, desencanto) tende a ser maioritário e vêm aí umas eleições para o Parlamento Europeu.

Vêm aí tempos interessantes.

Dia do pai

Só quem leva a sério o seu papel de pai, sabe como é ingrata essa tarefa. Logo de início, quando os filhos nascem, entendemos como o nosso papel é secundário, subsidiário em face ao da mãe com que um dia quase foram um só. Se nessa altura, na revolução que é a chegada de um novo ser à família, a prestação do homem é preciosa para manter a ordem na casa e libertar a mulher para aquilo que seja insubstituível no cuidar do bebé, é então, ao apreciar aquela relação que nos percebemos como somos assessórios.

Sim é verdade, maior do que as conquistas de emancipação feminina nas suas carreiras académicas, de ministras, deputadas e até no futebol; a maior “revolução” dos tempos modernos é a chamada do homem ocidental à assunção plena da paternidade. Hoje ninguém se choca com o pai presente desde o parto: conhecemos os nossos filhos desde muito cedo, com a ajuda da pele e de uma enorme cumplicidade. Com muitas canções, lengalengas, fraldas, banhos de banheira, de mar e de mundo.

Não me é difícil reconhecer que nem sempre consegui cumprir o meu papel da forma mais nobre, porque é deveras exigente. Quantas vezes aceitar ser secundário, amar sem reivindicações, refrear a testosterona, as fúrias, os medos e aflições, aprender a gerir silêncios e concessões - nem sempre nem nunca. E o mais difícil, aceitar pacificamente a autonomia crescente dos filhos, de os ver partir devagar ainda em casa, às vezes de costas voltadas, que é a forma mais fácil de preparar uma despedida.

De resto, tenho o São José como o meu herói entre os Santos. Uso uma medalha perto do coração e dei o seu nome ao meu filho mais pequeno. Na esperança de que a sua santidade inspire os meus passos.

 

Greve dos jornalistas

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Antigamente comprava-se um ou outro jornal quotidianamente, diário ou semanário, consoante o atractivo que apresentava, escolhido por causa dum colunista específico ou algum assunto destacado na capa. Gosto muito de ler jornais, por isso hoje teimo comprar um semanário ao fim de semana e assino um jornal online para a família toda, independentemente dos conteúdos diários que apresente. 

Salvaguardadas as diferenças, confesso que esta greve dos jornalistas se assemelha demasiado a um protesto de chapeleiros nos anos sessenta. Infelizmente. 

Mãos à obra?

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Mais que ripostar ou atender à verborreia chantagista de André Ventura, o que compete ao futuro Governo é responder de forma peremptória, pragmática e perceptível, às expectativas do eleitorado descontente que emergiu, em grande medida da abstenção e das periferias sociológicas e geográficas do nosso país – os desistentes. Ao contrário do que nos querem fazer crer as elites urbanas, não se tratam de reivindicações ideológicas aquelas que nos trazem os descamisados que hoje eleitoralmente transitam de um extremo para o outro do protesto, ou que simplesmente se sentiram atraídos pela mensagem zangada do Chega: uma justiça operante e imparcial não é de direita ou de esquerda, a ordem e segurança pública não são assuntos de direita ou de esquerda; medidas de regulação da imigração e políticas profiláticas contra guetos de estrangeiros não são de direita nem de esquerda; um SNS de saúde eficiente para todos não é de direita nem de esquerda, como o não é um sistema de ensino livre, democrático e competente.

Os resultados eleitorais e as primeiras declarações dos seus belicosos actores indicam-nos um cenário de aparente caos e ingovernabilidade, que é o terreno ideal para o crescimento da discórdia e das propostas populistas. Por outro lado, a arte da política numa democracia madura e civilizada consiste na descoberta de pontes e de saídas para imbróglios aparentemente insanáveis. O governo que sair deste parlamento tem de ter como objectivo primordial surpreender-nos a todos com a implementação de soluções perceptíveis.

Mãos à obra, que os cães ladram e a caravana passa.

Diário da campanha (3)

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Esta campanha eleitoral ficará para mim marcada por um acontecimento lateral, perturbador, acontecido em França há uns dias: a quase unânime consagração constitucional do direito ao aborto. França há muito que se distingue por inaugurar as mais sinistras modas. Que este tema filosoficamente complexo, de claro conflito de legitimidades, seja assim arrumado de forma simplista como se de um assunto de mera liberdade individual se tratasse, diz muito do caminho que a civilização ocidental vem tomando. Por cá, entristeceu-me assistir ao vivo e a cores à gradual capitulação das forças políticas tradicionalmente conservadoras face aos temas morais e éticos fundacionais da nossa cultura. O júbilo das domésticas minorias progressistas na conquista do centro político, sempre vulnerável às modas era previsível, mas triste. Cuidado, amigos: o hiperindividualismo mata.

Mudando de assunto, tenho esperança de que no Domingo o resultado das eleições resulte no sentido da mudança por cá: que vença um caminho para a libertação do país da repressão estatista que bloqueia a eficiência dos serviços públicos como os hospitais, as escolas, os transportes, enfim; a criação de riqueza e emprego que convida os nossos jovens à emigração. Com os resilientes socialistas a morder os calcanhares à AD nas sondagens, tenho esperança que não venha a ser o Chega a impedir uma solução de governo sólido para reformar, capaz de enfrentar as vicissitudes dum panorama internacional instável, uma dívida ainda sufocante com taxas de juro inflaccionadas, e duma oposição esquerdista, que não poupará energias vocais para agitar a rua por forma a manter o statos quo do empobrecimento socialista e dos pobres com que se alimenta e autojustifica.

Não se espere uma revolução mágica com a hipotética derrota das esquerdas, que Roma e Pavia não se fizeram num dia. Mas acredito que com um governo AD, capaz de convocar os melhores na academia e nas empresas para o serviço público, seja possível a Portugal sair da cauda da Europa. Para que, sem fantasias, se devolva algum entusiasmo aos portugueses que desejem assumir o protagonismo nos seus destinos, construindo um futuro melhor para todos.