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João Távora

Não chega já?

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Não gosto de publicar as minhas opiniões a quente, quando o tema esteja no alvoroço do confronto sectário que alimenta as matilhas das redes sociais, até porque na maioria das vezes a complexidade dos assuntos suscitam-me mais dúvidas que certezas. Vem isto a propósito do caso das gémeas e da discussão gerada à volta da alegada “cunha” bem sucedida, a culminar por estes dias numa comissão de inquérito potestativa subscrita pelo Chega. Desde que o “escândalo” surgiu na imprensa há uns meses, que o alvoroço me vem parecendo exagerado, mesmo percebendo o potencial aproveitamento político e jornalístico que o mesmo suscita.

Acho muito salutar que se discuta a “cunha” e as suas potenciais perversidades numa sociedade que se quer igualitária em direitos e deveres – um mito, como sabemos. Acho fundamental que a opinião pública coloque em sentido as instituições que nos representam a todos e que se pretendem credíveis. Desse modo compreendo e saúdo a insistência da comunicação social para o cabal esclarecimento do caso. Mas aqui chegados, parece-me que já todos entendemos o que aconteceu; que uma mãe desesperada com a sorte das suas filhas com uma doença rara que pode ser curada com um tratamento difícil de aceder, através de uma cunha muito influente, o filho do presidente da República (que ironia), consegue envolver o Palácio de Belém e o Governo no desbloqueio do drama.

Cunha não é crime. Certamente com mais incidência nos países latinos, a “cunha” é um recurso profundamente humano, e na sua maioria das vezes justificada, pela proximidade solidária que potencia a solução de muitos pequenos dramas na vida dos homens e mulheres, das empresas ou das instituições, feitas de pessoas, de casos particulares, dramas humanos, que se resolvem com uma palavra certa ou um recado oportuno à pessoa certa embrenhada numa estrutura impessoal, mecânica. Quem não mexe o céu e a terra para, numa urgência hospitalar de um seu ente querido, a procurar alguma pessoa sua conhecida dentro do hospital, com tanto poder quanto possível, para que tenha em especial atenção o seu caso, nem que seja para permitir uma visita inadiável fora de horas ou informação “privilegiada” sobre o prognóstico clínico? 

Tenho muitas dúvidas que a forma como André Ventura está a aproveitar este caso lhe traga dividendos políticos. A certeza que tenho é a de que não haverá nenhum dos participantes da comissão parlamentar que não tenha já pedido ou usufruído de uma cunha. Ou como escrevia há dias o Pedro Picoito no Facebook: “O que mais irrita na comissão parlamentar do "caso das gémeas" é sabermos que os bravos deputados que tão denodadamente pugnam contra a corrupção (a começar pelo Ventura) seriam capacíssimos, em idênticas circunstâncias, de meter todas as cunhas possíveis ao chefe de Estado, ao herdeiro do chefe de Estado, ao Secretário de Estado e à secretária do Secretário de Estado.”

O “Caso das Gémeas”, e por consequência aquela Comissão de Inquérito, já há muito tempo que me causa um profundo enfado, e a insistência moralista e inquisitorial de André Ventura vergonha alheia. Aceitamos que vivemos num mundo de pessoas livres e relações humanas e pessoais com todo o “erro” que isso acarreta ou pretendemos viver sujeitos a um algoritmo, verdadeiramente imparcial e equitativo?

Com que então Mbappé não é francês?

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Sou confrontado com este print dum poste da Rita Matias do Chega na rede X e confesso que me surpreende, até pensei que era montagem. Cheguei a supor que a deputada se distinguia por algum excepcional bom senso e moderação naquele partido, qualidades essenciais para a discussão de um assunto tão complexo e delicado quanto o fenómeno da imigração massiva para a Europa, mas enganei-me. Exigir-se-ia alguma elevação e honestidade intelectual a alguém que se queira destacar dentro da comunidade a liderar os seus destinos, e não ser um vulgar incontinente verbal a alimentar as redes sociais com disparates – um perigo para as ambições de políticos incautos. Ou então, o objectivo de Rita Matias não é a promoção de soluções para os grandes desafios dos portugueses, mas apenas criar estardalhaço e acicatar as hostes nas suas trincheiras a apedrejarem-se mutuamente – coisa pouco cristã.

Mas vamos aos factos: o genial Kylian Mbappé, nasceu em França em 1998, mais concretamente em Paris, filho de um camaronês cristão e de uma argelina. Para a extrema-direita francesa a Argélia é França. Até Éric Zeemour, expoente máximo da direita nativista francesa é retornado da Argélia, um autêntico “Pied-noir”. Insinuar que o Mbappé não é francês, ou é ignorância ou má-fé da deputada do Chega. É assim como dizer que o Eusébio ou o Matateu não são portugueses, ou que Tito Paris ou Nelson Évora não sejam bem-vindos em Portugal.

De resto, por falar em generalizações e clichés, a França só se tornou numa potência do futebol (desporto que os “nativos” sempre desdenharam) com a imigração, onde se incluíam os portugueses. Quer-me parecer que os franceses idealizados sempre foram mais apreciadores de bons queijos, bons vinhos e motins violentos, tendo-se políticamente destacado mais a cortar cabeças que pela devoção cristã, qualidade esta última que suspeito Rita Matias valoriza. O mundo é mesmo complicado...

Assim seja!

Fui votar com a minha mulher ao Liceu de S. João - em tempos já fomos mais, mas os outros membros votantes da familia já têm as suas vidas - um perigo! Confesso que foi uma experiência um pouco à sec. XIX: uma senhora da mesa à porta da Sala de voto comentava que a "abstinência" estava a ser menor que nas últimas europeias. À saída encontrámos o nosso pároco que, muito solícito, nos acompanhou a casa na implícita certeza cúmplice que todos tínhamos votado como cristãos. Assim seja!

Um Portugal sem portugueses?

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É bastante divertido, até por vezes cómico, visitar as tentativas dos nossos antepassados adivinharem o porvir. Inevitavelmente influenciados pelo presente, as antecipações surgem demasiadas vezes deturpadas pelo alarido emergente da espuma dos dias.

Vem-me esta questão à consciência, à boleia da discussão que por estes dias nos sobressalta através das notícias, sobre os pretéritos erros nas políticas de imigração, e perspetivas de soluções que mitiguem a desordem causada e o sentimento de insegurança com as nossas fronteiras deixadas ao abandono por demasiado tempo. Como referia há algumas semanas Rui Ramos numa sua crónica, “não há nada que a extrema-esquerda mais receie do que ver os imigrantes integrarem-se nas sociedades ocidentais, como se integrou a velha “classe operária”. Deseja vê-los confinados em guetos, inseguros e desconfiados, e assim disponíveis para a guerra santa contra o capitalismo e a democracia liberal.”

É por isso que importa o poder político gerir com todo o cuidado este dossier, que vem afligindo as populações por essa Europa, amedrontadas com as radicais alterações às “paisagens sociológicas e culturais” à porta das suas casas. Talvez egoistamente não tenho uma visão alarmista do panorama com que nos deparamos pelas nossas bandas. Julgo que é ainda é possível por esta altura restaurar alguma normalidade, repor sinais de controlo sobre os fluxos de imigração, e principalmente com a implementação de políticas de integração dos estrangeiros sempre a chegarem, a que nos teremos de habituar ao longo das próximas décadas. Essa inevitabilidade, não tem tanto a ver com a tão propalada sustentabilidade da Segurança Social, mas com a crise demográfica de que já se vem sentindo os resultados e se irá agravar nas próximas décadas. Não é ciência oculta antever o que nos reserva o futuro do nosso país: “Em 2050, a população portuguesa irá contrair-se 7% face a 2022. Em 2050, a população portuguesa entre os 20 e 64 anos irá contrair-se 21% face a 2022. Em 2050, a dependência da população com mais de 65 anos da população entre os 20 e os 64 anos passará de 40% em 2022 para 70%.” Se hoje temos menos 44% de alunos inscritos no primeiro ciclo do que há 30 anos, como será daqui a 50 anos?

Espero estar muito enganado, mas em face à realidade da actual crise demográfica, que não se antevê resolúvel com subsidiarização de nascimentos, daqui a cinquenta anos teremos um Portugal sem portugueses. E um Portugal sem portugueses, além de me causar alguma amargura (problema meu, evidentemente), será por certo muito diferente daquilo que tivemos o privilégio de aqui conhecer e experimentar nas nossas vidas. Estarão dispostas as populações vindouras a manter o legado do nosso modo de vida que há tantos séculos se vem construindo e afirmando? O mundo à nossa volta mostra-nos à saciedade que o facto de se possuir legislação ou sistemas políticos sofisticados não garante um modo de vida equivalente, uma sociedade tolerante e próspera, de pessoas responsáveis e livres para circular na rua em qualquer sítio e a qualquer hora sem receios. A questão não se resolve com o sistema, é com a autorregulação, pela cultura imperante nas pessoas, estabilizada nas famílias e organizações que lhe concedem eficácia. Preocupações de um monárquico, sempre tendo em vista o longo prazo.

Espero estar enganado, como o estiveram tantos quantos antes de nós, previram erroneamente o futuro com base em fenómenos circunstânciais, tecnologias datadas, receios ou expectativas ditadas por modas ou acontecimentos passageiros. Mas olhando pela perspetiva optimista, é com agrado que por estes dias descubro que já são bastantes as paróquias que são dirigidas por sacerdotes católicos oriundos das mais exóticas paragens para onde os portugueses emigraram deixando as suas sementes cristãs e também a língua de Camões - com que nos vamos entendendo.