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João Távora

Plano Quinquenal de Chefia de Estado

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Para quem tenha a paciência de me ler, aqui vão os meus cinco tostões para o peditório emergente das eleições presidenciais de 2026:

Não sendo tradição em Portugal o Chefe do Estado ser o responsável pelo governo do País, cabendo-lhe “apenas” um papel de mediação e de representação (sei bem das ambiguidades da constituição semipresidencialista quanto aos limites da sua actuação) é para mim um profundo enfado o ritual quinquenal da luta partidária para o lançamento das putativas candidaturas ao cargo. É como se a Nação fosse obrigada a encarar uma mudança de bandeira ou de hino a cada cinco anos.

Por alguma razão facilmente se intui a tese corrente de que os portugueses reelegeriam continuamente um presidente da república com mediana popularidade e razoável sentido de Estado até que uma doença o incapacitasse ou a morte o levasse, não fosse o limite constitucional dos dois mandatos. Para dar um exemplo ao gosto dos republicanos mais empedernidos, não fosse essa limitação legal, é difícil imaginar Mário Soares, se lhe fosse possível continuar a concorrer, alguma vez derrotado. “O povo português é sábio”, diz por aí a opinião publicada, quando é do seu interesse. O povo português é intrinsecamente monárquico, digo eu…

“O povo português é sábio” quando não é ignorante e volúvel, e é por isso que periodicamente as “elites” têm de se impor à força para o educar, para o curar dos maus vícios e ignorância, como aconteceu no 5 de Outubro de 1910, quando esses generosos revolucionários cuidaram até de mudar os símbolos nacionais. A Nação com 800 anos, há muito consolidada na língua e nas fronteiras, tudo parece aguentar com assinalável bonomia ou conformismo. Até umas eleições para a Chefia de Estado, que no fundo, no fundo, não nos interessa muito. Andamos há oito anos a afeiçoarmo-nos aos modos e idiossincrasias do presidente que nos calhou em sorte e agora os partidos esguedelham-se para lá pôr outro, o seu, quando já tínhamos assimilado o Marcello? Não há direito…

Evidentemente que a agitação política que umas eleições presidenciais proporcionam têm a vantagem de animar o jornalismo e comentariado político, é uma mina para parangonas de jornais e debates televisivos, que gradual e inevitavelmente atrairão algum interesse do português médio conformado, mesmo sabendo que as promessas de “amanhãs que cantam” pelos candidatos, são panaceia, entretenimento, uma democrática “fantasia benigna” a que todos afincadamente nos dedicaremos a tentar levar a sério. Afinal de contas, ao Chefe do Estado Português, mesmo no nosso ambíguo sistema semipresidencial, não cabe governar. Cabe representar o seu povo com dignidade e parcimónia.

Ao contrário do que se pensa, o nosso actual regime semipresidencialista é herança da monarquia liberal, característica que os autores da Constituição de 1976 acharam por bem repescar. A sua ambiguidade durante o “Liberalismo”, permitiu estilos de reinados bastante diferentes: o do Rei Dom Luís, que grosso modo se limitou, mantendo higiénica distância, a deixar os partidos governarem. Já o seu sucessor, o rei Dom Carlos, para mal dos seus (nossos?) pecados, usando-se dos instrumentos constitucionais e da magistratura de influência, teve a veleidade de querer reformar o regime em acelerada degradação. Pagou isso com a vida.

Talvez fosse tempo de olharmos para o nosso regime de Chefia de Estado e conferir-lhe mais dignidade. Vivemos todos bem entretidos, mas verdadeiramente não sabemos se um dia será mesmo necessária.

Publicado no Observador

O mérito capilar

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Já viram algum presidente da república (coisa feia) ser eleito careca? Em Portugal, em democracia, nunca foi eleito algum presidente careca: Ramalho Eanes (que derrotou Soares Carneiro à primeira volta), Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcello Rebelo de Sousa tinham cabeleiras fartas. Tudo indica que esse é afinal de contas o atributo determinante para uma carreira política com ambições ao topo em democracia. Lembrei-me disto no outro dia a propósito do tabu de Luís Marques Mendes a respeito duma hipotética candidatura a Belém. Receio que o comentador não tenha hipóteses de almejar ao mais alto cargo da nação, nem de saltos altos. E se não fosse por outras razões, Passos Coelho pode por a viola no saco. A democracia, como a vida, pode ser muito injusta...

Mas vamos ao cerne da questão, a calvície. Trata-se afinal de um assunto sério, que pessoalmente me começou a afectar por volta dos quarenta anos – também eu hoje quando vou às compras poupo dinheiro e não perco muito tempo nas prateleiras dos Shampoos. Misteriosamente a calvície constitui um sério golpe no narcisismo de um homem, mesmo do mais austero, por muito que se repita a mentira de que “elas preferem os carecas”. Fraco consolo, mesmo que fosse verdade. Diz a Wikipédia que o tipo mais comum de calvície masculina é a alopecia androgenética, (AAG) ou “calvície de padrão masculino”. Se os homens tivessem algum sentido de classe (um dia vai-nos fazer falta), se algum dia fossemos capazes de nos juntar por causas ou interesses legítimos de género, revindicaríamos igualdade capilar com as mulheres, cujos casos de calvície são raríssimos.

De pouco nos consola saber que Francis Galton (1822 – 1911), um pioneiro na eugenia, ideologia tão do gosto dos primeiros republicanos portugueses, defendeu a calvície como um sinal de superioridade.  Ou de que as cabeças rapadas, antes da recente conotação com um determinado movimento político, simbolizavam a santidade, o desprendimento e de certo modo um repúdio à superficialidade.

O estereótipo do presidente americano em Hollywood expõe-nos o preconceito generalizado: no cinema é sempre um homem alto, bons dentes para sorrir e bom cabelo bem penteado… porque sim. Percebe-se o desespero de Donald Trump incansável na atenção à sua escassa penugem loira, enfrentando as cruéis partidas pregadas pelos golpes do vento inclemente. Como vimos atrás Kamala Harris não padecerá desta contrariedade.

Comprova também esta tese o facto do último presidente americano calvo ter sido Gerald Ford, que substituiu Richard Nixon em 1973, por sinal “interinamente”. Presidentes carecas nos EUA só encontramos antes do advento da televisão, com Dwight Eisenhower (1953–1961). No país irmão, o Brasil, que em tantos aspectos segue as modas americanas, o último presidente careca escolhido foi Hermes da Fonseca em 1910.

Isto não significa que não haja gente poderosa sem cabelo. Exemplos disso são Jeff Bezos da Amazon, Gianni Infantino presidente da FIFA, ou  Marc Andreessen co-fundador da Netscape, ou Lloyd C. Blankfein da Goldman Sachs. Mas repare-se que esses distinguem-se dos vulgares carecas como eu, rapando literalmente a cabeça toda para disfarçar as falhas de cabelo. Albert Mannes, um psicólogo social (uma ciência exacta, já se vê) publicou um estudo em 2012 no Social Psychological and Personality Science Journal acredita que, para aqueles que estão a perder cabelo, acelerar o processo natural (rapar a cabeça) concede mais credibilidade, confiança, força pessoal e liderança. Assim se percebe a estratégia de imagem de João Miguel Tavares, do defesa central Pepe ou de Vítor Bento.

Há muito que me deixei de veleidades de contrariar a natureza, mas para os inconformados que não prescindam de ambicionar à liderança da Nação numa república (as monarquias não têm esse problema como se vê pela descontracção do Príncipe Guilherme do Reino Unido, considerado o calvo mais charmoso do mundo) deixo aqui uma boa notícia: o Grupo Insparya, fundado por Cristiano Ronaldo, prepara-se para lançar uma nova panaceia desenvolvida pelo laboratório i3s no Porto, que promete prevenir e resolver o deficit capilar. Mais precioso que o elixir da juventude, só uma solução que evite a alopecia.  

O facto é que, por mais instrução que se promova, o mito da força de Sansão residir no cabelo ainda impera na racionalidade dos eleitorados. Não nos resta outra alternativa que aceitar a realidade sem perder a Fé na democracia, e acima de tudo em Deus, que nos livre da algazarra de mais umas eleições presidenciais, a espreitar-nos à esquina do próximo ano.

Imagem do Filme Sansão e Dalila realizdo por Cecil B. DeMille

Fontes: Internet

Igrejas a arder

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Deparo numa rede social com um vídeo assustador de uma igreja em chamas em França. A Igreja da Imaculada Conceição de Saint-Omer, um templo inaugurado em meados do século XIX no nordeste da França, foi consumida por um incêndio na noite de domingo dia 2 de Setembro. Ao que parece uma tragédia que se vem repetindo naquele país, um fenómeno que mereceria um trabalho jornalístico sério, tanto mais que os comentários ao referido post são bastante alarmistas, com acusações aos imigrantes e a conspirações muçulmanas. Não parece ter sido esse o caso. Incêndios em Igrejas acontecem, sempre aconteceram, mas este caso foi de fogo posto, o incendiário chama-se Joël Vigoureux, é francês, e, confrontado pelas autoridades, afirmou: “Je n’ai pas de problème avec les églises”. O teor da frase parece mais vinda de um louco demasiado afectado pelos profetas laicistas da Revolução Francesa, cuja ideologia nos nossos dias refinada, tem demasiada influência no discurso e legislação daquele país. 

Constato por aí que há muitos cristãos que se satisfazem com a tese de vitimização, duma suposta perseguição e silenciamento da Igreja, que perde a voz por culpa da imigração e do desleixo das autoridades na protecção dos seus interesses e património, por contraste ao tratamento tolerante dado às outras culturas e religiões que se vão afirmando por essa Europa fora. A minha questão é: estamos dispostos a acreditar que vamos preservar a cultura cristã e os nossos templos através do favorecimento de leis e da vigilância do Estado aos vândalos invasores? De que servirá reclamar o bom tratamento aos católicos, certamente merecido, se as igrejas por essa Europa afora vão sendo encerradas e votadas ao abandono pela ausência de novas gerações de crentes? Há quanto tempo deixámos de levar os nossos filhos à igreja?

Percebe-se bem o cuidado de Roma de progressivamente privilegiar a atenção às igrejas em África e na Ásia onde crescem as comunidades católicas fecundas, mesmo em ambientes sociopolíticos adversos, e desse modo carecem desse olhar, desse conforto. É disso sinal a visita do Papa Francisco à Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura naquela que será a mais longa visita pastoral de sempre, em distâncias e tempo, de um Sumo Pontífice.

Como cristão e português, entristece-me muito a decadência da nossa cultura, a crescente perda de peso dos católicos na vida das nossas cidades. Não falta muito que por cá também comecem a arder igrejas por mero abandono ou vandalismo. Uma coisa convida a outra. Não falta muito para as nossas igrejas abandonadas se tornarem lugares de diversão nocturna, como já acontece em muitos lugares por essa Europa do Norte. Não é preciso fazer muitas contas ou desenvolver complexas teorias para constatar o crescente número de igrejas fechadas por falta de fiéis e sacerdotes em Portugal, não obstante as honrosas exceções das inúmeras paróquias dinâmicas, de clérigos carismáticos e leigos dedicados a remar contracorrente. Mas definhamos. O excesso de conforto, uma vida entretida e fútil não desafia a dúvida existencial. Adicionando a crise de natalidade, criámos o ambiente perfeito para a decadência da nossa cultura, desvanecimento da nossa identidade.

Por tudo isto não me venham com teorias da conspiração e bodes expiatórios. As pessoas deixaram de frequentar as igrejas e a “culpa” não é dos estrangeiros, é nossa. Sem que tenhamos a coragem de nos olharmos com atenção ao espelho nunca enfrentaremos os verdadeiros desafios. Como refere o maior dos Mestres, “Porque reparas tu o cisco no olho de teu irmão, mas não percebes a viga que está no teu próprio olho?” (Mateus 7:3-5).

Entretanto, que sirva de consolo o crescente desejo de Salvação das fecundas comunidades cristãs nas novas centralidades do Mundo Cristão. Nós por cá, burgueses e anafados, definhamos… de dedo em riste.

 
Texto publicado no Observador