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João Távora

O mundo de pernas para o ar

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Era o que faltava, para a percepção de um mundo cada vez mais desconexo, refém dum sistema mediático atomizado e caótico como a própria geopolítica, que o Chefe de Estado do velho aliado do Ocidente, a terra das oportunidades, depois de ter sugerido que se evacuassem os dois milhões de pessoas que vivem na Faixa de Gaza para a transformar numa “Riviera do Médio Oriente” (uma solução quase tão fantasista quanto a dos dois estados), viesse agora reclamar à provecta, decadente e estéril Europa que, em matéria da invasão da Ucrânia, o mau da fita afinal é Zelensky.  Pior, pôs em causa a sua legitimidade democrática que é o argumento base de Putin para umas possíveis negociações de paz, um grande soco no tabuleiro do conflito. As peças voaram pelo ar, e o discurso dos líderes europeus embatucou na triste realidade da sua impotência.  

Há muito que a política das democracias liberais deslaçou, se navega à vista, num plano inclinado de empobrecimento e de referências culturais. Há muito tempo que bons argumentos, as razões justas, foram capturados pelos mais obscuros arrivistas, energúmenos que ocuparam o espaço vago das verdadeiras elites que se demitiram de lutar na lama e higienicamente se recolheram a cuidar das suas vidas. É a proletarização do cargo público, que por cá promove a mediocridade e os políticos de estufa. Os resultados não se farão esperar.

Descoberta a frivolidade da abundância alcançada no final do século XX, cansámo-nos de ser felizes, e principalmente desprezou-se a fórmula para alcançar essa felicidade. Ninguém lhes disse que a felicidade é como a linha do horizonte. O mérito do esforço, da perseverança, um ideal comunitário que justificasse a permanente prorrogação duma recompensa sempre adiada. JD Vance afirmou recentemente que o inimigo da Europa está no seu seio “uma ameaça interna – a perda de alguns de seus valores mais fundamentais”. Estou plenamente de acordo, mas essa frase esquece que grande parte dessa doença chega-nos importada justamente das universidades norte-americanas. Lá como cá, sem geração, centrados nos direitos individuais e tantas inalcançáveis fantasias, cimentámos uma sociedade niilista, sem compromissos, sem pertenças, e repito – sem geração.

Como referia há dias Patrícia Fernandes no Observador: “(…) é por termos uma família que fazemos muitas das coisas que fazemos, nomeadamente, todo o tipo de sacrifícios para lhe deixarmos um mundo melhor, seja uma vida mais confortável e com menor sofrimento, seja um regime político mais democrático e livre. Até muito recentemente na história da humanidade, a família constituía o primeiro ponto a partir do qual nos pensávamos no mundo – o entendimento individualista do homem é um produto da modernidade, e o individualismo exacerbado um subproduto muito recente.” Como bem sabemos, a família fecunda, conceito retrógrado, está em vias de extinção.

Olho para o mundo e ele parece-me virado de pernas para o ar. Sei bem que a enorme complexidade dos desafios em jogo neste lado do planeta jamais nos permitirão uma perceção satisfatória (realista) do que nos espera. É nessa a nesga de esperança que me permito acreditar num futuro próspero para os meus filhos. Mas no imediato não encontro saída satisfatória do imbróglio criado.

Terá a democracia liberal em que crescemos resultado num rotundo falhanço?

 

Páginas de resistência – homenagem a Jacinto Ferreira

Desde tenra idade que nutro especial gosto por jornais, revistas, jornalismo e pelo mundo editorial em geral. Foi por isso para mim uma boa surpresa a descoberta tardia de Jacinto Ferreira (1906 – 1995) e do Jornal “O Debate” que fundou e que se veio a tornar numa referência entre os muitos portugueses que não se conformavam com a cristalização da república que o Estado Novo ia promovendo depois dos anos aziagos da Primeira República. Nesse sentido, a Real Associação de Lisboa através da sua Chancela “Razões Reais”, associada à família do indómito monárquico, promoverá no próximo dia 14 de Fevereiro pelas 18:30 no Grémio Literário o lançamento da Antologia “Deus Pátria Rei” que contará com a apresentação do Prof. Manuel Braga da Cruz.

De facto, a resistência monárquica em Portugal teve, ao longo dos últimos mais de cem anos, muitos rostos que correm o risco de serem esquecidos pela História. O que queremos com esta antologia é prestar homenagem a um dos mais importantes protagonistas dessa luta, Jacinto Ferreira, que com o seu pensamento e escrita pautou toda uma geração de monárquicos.

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Do muito que escreveu, chamou-nos a atenção este trecho tão realista, aos nossos dias uma verdade dura como punhos: «A doutrinação é a pedra angular de toda a actividade política, não só porque ela contém em si a garantia da expansão de princípios, como também porque só mediante ela é possível criar vontades decididas e convicções capazes de dar corpo aos princípios abraçados. É da adesão das inteligências mais do que das inclinações sentimentais, que há-de resultar a profunda transformação em geral desejada e considerada indispensável para a redenção de Portugal» (Fevereiro de 1956).

Foi imbuído nesse ideal que, com persistência e arrojo, Jacinto Ferreira por ocasião da Revisão Constitucional e da morte do Marechal Carmona em 1951, quando subitamente era recolocada na agenda a questão do regime, fundou o jornal “O Debate”, o mais relevante órgão de comunicação monárquico do século XX, que subsistiu com grande tiragem até 1974. Idealista e lutador, fiel ao ideário integralista, senhor de uma inusitada independência, o cientista e Professor Catedrático da Escola Superior de Medicina Veterinária jamais poupou forças na dedicação à Causa Monárquica, de que são testemunho as páginas deste livro, cujos textos surpreenderão todos aqueles que pensam que não havia debate e confrontação de ideias dentro do regime. Quantas vezes alvo de censura, “O Debate” promovia uma intensa disputa de ideias e opiniões sobre os mais variados temas políticos em agenda na época, realçando sempre com a bandeira realista e proclamando a lealdade à Casa de Bragança na pessoa do Senhor D. Duarte Nuno.

Nestes tempos de exacerbado individualismo, «pobre é quem não tem a quem servir», um empreendimento gratuito, uma utopia que dê sentido e ilumine mais fundo uma existência inevitavelmente árdua. Deus, Pátria e Rei foram esse sentido para Jacinto Ferreira, tornando as suas horas extra dedicadas a “O Debate” um contributo que se revelou fundamental para que possamos aos dias de hoje manter viva a nossa Causa Real. Neste livro, com prefácio de Manuel Braga da Cruz, em quase 400 páginas encontram-se alguns dos seus textos mais significativos, que a chancela Razões Reais publica com orgulho e cujo lançamento a todos se convida presenciar.

Publicado originalmente aqui