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João Távora

Uma questão de Fé

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Às vezes, com os inclementes apertos da vida, até o mais esclarecido crente, cede perante a fraqueza e reza pedindo a Deus que intervenha a seu favor. Como se o seu interlocutor fosse um maquiavélico arquitecto do destino de cada um, calculista ou indiferente à interferência que cada fenómeno terá nos infindáveis destinos que interagem na Criação, que cada criatura integra. Sou incapaz de julgar com severidade esta atitude, porventura ingénua, inocente, a que se usa chamar uma relação de cariz mercantilista com o Criador. O risco desse perfil de relação, com as situações pessoais mais trágicas, é a revolta e a zanga, perante o silêncio tornado ausência de Deus. Por isso somos convidados a confiar, a atender com humildade à passagem do Pai Nosso “Seja feita a Vossa Vontade”, a entrega incondicional da soberania da nossa vida ao Pai. Ou, no mesmo sentido, à resposta de Nossa Senhora ao Anjo Gabriel ‘Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,26-38).

Mesmo que muitas vezes isso vá contra os meus “interesses”, tidos como designação da “ordem” que eu gostava de ver à minha volta, no meu país e no mundo, tenho para mim que o Deus dos Cristãos é um Deus de Liberdade; ou seja não intervencionista. Mesmo que essa “abstenção” se confunda, nos momentos mais sombrios da existência, com ausência. A Liberdade que Jesus Cristo nos concedeu, únicos e irrepetíveis, desde logo em aderir ao seu Amor, de escolher o bem ou o mal, certamente estende-se a toda a criação, ao Universo. Uma coisa difícil de conceber, se atendermos às guerras ou desastres naturais e tantas trágicas injustiças, a que, por mais devotos que sejamos, nos constatamos impotentes para evitar.

Apesar de tudo isto, ou talvez também por isso, a oração, o diálogo com Deus, é absolutamente estruturante a quem pretenda permanecer crente na sua filiação. Em primeiro lugar, porque rezar é relação. Como no amor romântico ou filial, como numa amizade que se preze, a relação tem de ser alimentada, aprofundada, cultivada. Rezar é para isso fundamental. Interpelar Jesus Cristo, Deus nosso Senhor, na partilha das alegrias com que somos agraciados ou nas angústias que nos assaltam, é fazer relação, tirar a cabeça para fora da gruta de sombras e alienações que a nossa precaridade humana nos condiciona. Até o acto mecânico de rezar, continua e repetidamente, como acontece tantas vezes com um Terço oferecido a Nossa Senhora, ao final de um dia extenuante de trabalho, oferece-nos o benefício gratuito de libertação e relaxe das ansiedades e do fechamento.

Gosto muito da designação "Criador". Os Cristãos entendem que a relação do Criador com a Criatura é de Amor. A liberdade que outorga à Criação é também ela prova disso. Imagine-se que era ao contrário, que éramos condicionados, como marionetas, nos nossos gestos e atitudes, em prol de um quadro idílico… E depois, os crentes, assim como acreditam no poder da oração, acreditam que, sendo extremamente raros, os milagres, acontecimentos extraordinários que, incompreensíveis à luz dos sentidos, da inteligência e do conhecimento científico, acontecem.

Afinal a esperança acontece.

A devassa, legítima prerrogativa da Justiça

Acho que já aqui o disse, mas não faz mal repetir-me: a política está uma coisa cada vez mais desagradável de seguir. É verdade que esteve bastante mais feia no período do PREC, mas a emergência que então se vivia, obrigava-nos a seguir os acontecimentos, mesmo que por vezes assustados. Hoje, a concorrência desenfreada dos inúmeros canais de notícias a transmitir “conteúdos” baratos em directo, ou seja, comentários repetitivos e previsíveis sobre o escândalo do momento, causa-me um enorme enfado. O problema é que o modelo de negócio das notícias, capturou para a mesma lógica os partidos políticos, que de forma mais ou menos histriónica ou populista, num círculo vicioso, vão alimentando este circo infernal. Para mais, as pessoas mais interessantes de ouvir, que não gostam de insultos e berrarias, vão-se retirando desta ribalta contaminada – como os melhores na política.

Para um país cada vez mais disfuncional como o nosso, carente de tantas profundas reformas e de soluções de longo prazo (experimente-se andar de comboio, acorrer a uma urgência de hospital, ou a tantos outros serviços públicos) o fenómeno é dramático. A agressividade tóxica que vem invadindo o debate público, tornou-se numa cortina de fumo. Se por um lado isso aliena muitos dos protagonistas dedicados nesse jogo fatal, indiferentes às soluções quase sempre complexas, unicamente centrados em desqualificar o adversário, pelo outro afasta aqueles poucos que desinteressadamente resistem preocupados com a coisa pública.

Para todos esses, interessará saber que sucesso lhes reserva este estado de coisas, na sua luta quotidiana, pelo seu emprego, pelo seu negócio ou empresa, pela educação e saúde dos seus filhos e mais velhos. Esse mundo de fora da bolha não quer ser incomodado com intrigas, politiquices estéreis e escândalos insondáveis. Nada disso nos fala de soluções, de alternativas, de futuro. Nem da demografia, nem da sustentabilidade do país que ambicionávamos.

Se, sobre os comportamentos e opções da vida privada do primeiro-ministro recai suspeita de alguma ilegalidade, que o Ministério Público investigue tudo até ao osso. A devassa é uma legítima prerrogativa da Justiça.