Crónica de Algés
À partida não gosto de festivais. Desagradam-me a charraria generalizada, o histerismo alcoólico, e gente demais para quem a música definitivamente não é o mais importante. Também me aborrecem os eflúvios orgânicos que emergem às tantas a meia distância do palco, único sítio viável para vermos o espectáculo sem ser pelos ecrãs gigantes. Para vê-lo num ecrã, tenho um bom em casa e não faltam registos de bons concertos no mercado.
Mas enfim, cada um tem o que merece e confesso que o Bob Dylan me desiludiu bastante. Quase insolente de tão blasé, não reparei que tivesse olhado para o público uma vez que fosse, limitando-se a despejar mecanicamente quinze temas quase irreconhecíveis de tão "recreados". Eu bem tentei entrar na onda, mas o pessoal à minha volta também não ajudava: contentavam-se a fumar charros de costas para o palco, a mandar “sms” ou a conversar (!) aos gritos aos ouvidos uns dos outros. Convenhamos que experimentei sentimentos mesmo maus e que nessa noite saí frustrado.
Já com Neil Young abstraí-me inteiramente das minhas esquisitices: o espectáculo foi simplesmente memorável, encheu-me as medidas. O eterno trovador, do alto dos seus 64 anos, demonstrando uma invejável boa forma, “deu o litro”. Quase nos fazia acreditar que aquele era o concerto da sua vida. E assim o pessoal rendido entregou-se em êxtase a um alinhamento de temas supremamente requintado: do country acústico de Harvest, ao rock mais áspero de The Rust Never Sleeps passando por After the Gold Rush ou por Spirit road do mais recente álbum Chrome Dreams. E para surpresa final um remate de mestria, uma assombrosa interpretação de A Day in the life dos Beatles, que quase nos deixou a todos em transe. E como diz o povo, "isto" meus senhores, "é do melhor que a gente leva daqui”. Graças a Deus, digo eu.