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João Távora

Chamem a polícia


 


Tive uma adolescência atribulada: idealista e rebelde, naqueles loucos finais de setenta, princípios de oitenta, protestei e prevariquei quanto me foi (ou não) permitido. Durante esses tempos “de crescimento”, estragos fiz que mais tarde consertei, mas suspeito que até ao fim dos meus dias verei nas ingratidões do mundo e nas insolências das minhas criancinhas todas as cobranças que se me ficaram por saldar.


Vem isto a propósito da Polícia, entidade que a sociedade hoje reclama em força nas ruas, mas que em determinada fase da minha existência ganhou para mim um indesejável protagonismo.

Desde cedo palmilhei a vida com bastante liberdade, e então, as “forças de segurança” passavam definitivamente ao largo dos meus dias: jamais me defenderam dalgum índio da rua, assim como nunca me embargaram uma bola de futebol. No fundo, para mim “o polícia” pouco mais era  do que aquele antipático personagem dos livros do Hergé.

Até que certa vez chumbei por faltas, fui vender enciclopédias e comprei uma ruinosa motoreta para me armar (imagino que nenhuma criação da engenharia do século XX teve tantas avarias em tão poucos anos) -  a minha vida não mais seria a mesma. Nesse mesmo dia, ao chegar a casa montado na reluzente geringonça, tinha um polícia à porta que me multou por falta duma reles licença camarária. Foi o meu primeiro embate com as “forças da ordem”. Dois dias depois, não resistindo à vaidade de levar uma amiguinha à pendura sem capacete, à terceira ou quarta curva, fui interceptado pelo mesmo guarda, e acabámos todos na esquadra do bairro. Ainda hoje desconfio que aquele tipo passou o tempo todo a rondar os meus caminhos para me apanhar em falta.

As noites loucas que se sucederam nos anos seguintes daquela emborbulhada existência trouxeram consigo algumas rusgas, correrias, e muitos amargos de boca. O pudor de pai de família e de cidadão cumpridor impede-me hoje de aprofundar muitas das desventuras então vividas. A certa altura comprei um Mini em 10ª mão, com o qual não conseguia atravessar a cidade sem que se avariasse ou eu fosse "parado" pela polícia, a viatura rebuscada e inspeccionada. O saldo da minha conta na rua de Sta. Marta chegou a tal ponto que tive que me desfazer do "boguinhas", e nem isso chegou para pagar dívidas.

As coisas depois ainda pioraram, mas isso já não interessa nada. O que me importa hoje constatar com alguma surpresa é que, há muitos, muitos anos que não sou interceptado ou multado pela polícia, que afinal pulula pelas estradas do país e pelas avenidas da cidade. Agora que tenho a consciência tranquila, automóvel certificado e impostos em dia, os zelosos guardas não querem nada de nada comigo. Até dá galo!

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