Uma meia meia feita e outra meia por fazer...
Os publicitários, como as crianças, são uns exagerados: só assim se compreende a maneira fanfarrona como nesta Santa Quadra menosprezam o tradicional par de meias no sapatinho de Natal. O grau de decepção ao desembrulhar umas meias de lã oferecidas por uma extremosa tia é proporcional à leviandade do presenteado: no pico do nosso Inverno, que ao contrário do que diz a propaganda é bastante agreste, estes nobres artefactos aquecem-nos o corpinho, que o milagre do Natal aconchega a alma.
De resto lembro-me bem do aborrecimento quando na minha infância ia para a escola fria e húmida com meias velhas e deslaçadas a deslizar para o calcanhar. Estas são ingratas arrelias difíceis adivinhar por um adulto incauto num infante estoicamente concentrado em sê-lo. Recordo-me na casa dos meus pais em que éramos cinco irrequietos irmãos, que havia um grande cesto das meias no quarto dos armários, e do duro desafio constituía aí encontrar um par em condições: atrasado para sair para a escola, de olhos turvados pelo sono, mergulhava em desespero no cesto em busca de umas que emparelhassem. Pesados os factos, tudo indica que algures naquele andar de Campo d’ Ourique, havia uma misteriosa dimensão para onde desapareciam meias desirmanadas.
Talvez por isso hoje dou valor a um bom par de meias, que convenhamos, é coisa difícil de encontrar: para o calor há-as de algodão fino que depois de calçar três vezes tendem a enrijecer irremediavelmente. Para o frio, muitas delas até caras e felpudas, perdem rapidamente o fio no calcanhar e no dedo grande. Suspeito que seria grande motivo de risota se um dia fossem inspeccionados os pés de muito boa gente, como por exemplo os nossos deputados na assembleia: não sabemos verdadeiramente a realidade que um rebrilhante par de sapatos Sebago pode ocultar.