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João Távora

A devassa, legítima prerrogativa da Justiça

Acho que já aqui o disse, mas não faz mal repetir-me: a política está uma coisa cada vez mais desagradável de seguir. É verdade que esteve bastante mais feia no período do PREC, mas a emergência que então se vivia, obrigava-nos a seguir os acontecimentos, mesmo que por vezes assustados. Hoje, a concorrência desenfreada dos inúmeros canais de notícias a transmitir “conteúdos” baratos em directo, ou seja, comentários repetitivos e previsíveis sobre o escândalo do momento, causa-me um enorme enfado. O problema é que o modelo de negócio das notícias, capturou para a mesma lógica os partidos políticos, que de forma mais ou menos histriónica ou populista, num círculo vicioso, vão alimentando este circo infernal. Para mais, as pessoas mais interessantes de ouvir, que não gostam de insultos e berrarias, vão-se retirando desta ribalta contaminada – como os melhores na política.

Para um país cada vez mais disfuncional como o nosso, carente de tantas profundas reformas e de soluções de longo prazo (experimente-se andar de comboio, acorrer a uma urgência de hospital, ou a tantos outros serviços públicos) o fenómeno é dramático. A agressividade tóxica que vem invadindo o debate público, tornou-se numa cortina de fumo. Se por um lado isso aliena muitos dos protagonistas dedicados nesse jogo fatal, indiferentes às soluções quase sempre complexas, unicamente centrados em desqualificar o adversário, pelo outro afasta aqueles poucos que desinteressadamente resistem preocupados com a coisa pública.

Para todos esses, interessará saber que sucesso lhes reserva este estado de coisas, na sua luta quotidiana, pelo seu emprego, pelo seu negócio ou empresa, pela educação e saúde dos seus filhos e mais velhos. Esse mundo de fora da bolha não quer ser incomodado com intrigas, politiquices estéreis e escândalos insondáveis. Nada disso nos fala de soluções, de alternativas, de futuro. Nem da demografia, nem da sustentabilidade do país que ambicionávamos.

Se, sobre os comportamentos e opções da vida privada do primeiro-ministro recai suspeita de alguma ilegalidade, que o Ministério Público investigue tudo até ao osso. A devassa é uma legítima prerrogativa da Justiça.