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João Távora

Bowie não morreu

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David Bowie foi um músico genial que soube como poucos trabalhar a sua imagem, como um ícone sempre recriado nas formas mais surpreendentes. Suspeito que desta vez terá exagerado um pouco, ao deixar-se morrer assim decrépito para o lançamento do seu disco Black Star (dizem que “desconcertante” - ainda não o conheço) de onde sobressai este inquietante tema chamado "Lazarus" que em poucos dias já tem milhões e milhões de audições. Bowie já se ergueu dos mortos e dá-nos música, as estrelas ressuscitam todos os dias - foi só show business.

Há neste surpreendente seu “episódio” um certo paralelo com o de Nicholas Ray que nos últimos dias da sua doença encena a sua própria morte para Wim Wenders filmar. Alguém se lembra? A morte feita expressão do próprio artista: um invulgar desplante para com o mais temível poder que o homem enfrenta, às vezes sozinho. Uma arrogância que nos liberta - como se fossemos nós os redimidos – um legado, como se fora uma prece dum homem livre, completo. 

Curioso como não se lhe conhece qualquer discurso proselitista relacionado com as arrojadas máscaras e representações visuais por si envergadas ao longo da sua carreira. Na mesma linha em que em tempos afirmou-se arrasando desavergonhadamente todas as convenções, chega aos seus últimos dias assumindo a imagem dum cavalheiro de fato e gravata, com que suplanta o império da banalização do arrojo de que foi percursor.

Mas para mim o mais importante em Bowie sempre foi a sua genialidade musical e poética. Raro foi um álbum seu a que eu tenha aderido de forma incondicional, tantos caminhos experimentou. Apenas com Low não tenho reservas. Do seu legado fico com umas quantas canções soltas, pérolas desemparelhadas, temas que cultivo como se fossem feitas para mim. Como diz Miguel Esteves Cardoso, o que ele tem de mais genial foi ter conseguido ser único de formas distintas para diferentes pessoas. O meu Bowie não é o Bowie de mais ninguém; ele cantava-me ao ouvido sonoridades sombrias, arritmias dissonantes e melodias assombradas. Bowie não morreu, estou a ouvi-lo agora.

 

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