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João Távora

Pessoas que nunca acabam

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"As pessoas que mais admiro são aquelas que nunca acabam." Escreveu Almada Negreiros citado um dia destes num programa de rádio. A frase deixou-me a pensar, chegado que estou à meia-idade, fase em que o cinismo nos exige alguma luta, pois a descrença é tentação perante uma existência que ameaça encolher-se à dimensão das repetições que esmorecem o espanto. O cinismo não é mais que o império da realidade descarnada do amor… ou a arrogância de tomarmos o outro pela ofuscada lente do nosso cansaço. 

Acontece que, como o amor, o espanto, o susto ou encanto pelos misteriosos interstícios da existência, tudo isso depende mais do nosso olhar e da sua capacidade de regeneração. E depois, ninguém se redime à conta do seu semelhante, que isso é o mais vil estado de servidão. Há olhares que são insaciáveis buracos negros onde “uma pessoa que nunca mais acaba” se perde insignificante no vazio.
Eu também prefiro as pessoas que nunca mais acabam, de alma grande e densa, mas desconfio que essas são aquelas a que nos ligamos pela vontade. Cujo encanto sobrevive à rotina e renasce mesmo depois de estafado. Porque cremos. Com a conivência do nosso olhar.

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