Preparados para um milagre?
Curiosa é a passagem do Evangelho (Lc 24) quando dois discípulos, após a crucificação, seguiam desolados para Emaús, e Jesus, sem que eles O reconhecessem se acercou indagando sobre o que conversavam. Estranhamente cegos, retorquiram-Lhe: «Serás Tu o único forasteiro em Jerusalém a não saber o que lá aconteceu nestes dias?» Contaram-Lhe então eles o que houvera acontecido três dias antes em Jerusalém, como estavam desiludidos com o desenrolar dos acontecimentos: “Nós esperávamos que fosse Ele quem estava prestes a resgatar Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que estas coisas aconteceram”. O facto é que só no fim do estranho encontro, acabam depois da ceia partilhada, por reconhecer um ao outro: «Não nos ardia o nosso coração quando Ele no caminho nos falava, quando nos abria as Escrituras?». Quando se reuniram com os restantes apóstolos logo relataram o espantoso encontro com o Salvador.
Vem isto a propósito do Natal que se aproxima, e que nos desafia a sairmos do “capacete”. Mais que as ingratas e inevitáveis rotinas mundanas, são as nossas limitações humanas que se impõe na percepção do Mundo, reduzindo-o à nossa (de cada um) precária inteligência. A história do Natal, do filho de Deus omnipotente que escolhe uma manjedoura para vir ao mundo é um alerta para a armadilha fatal do cinismo, que resulta dessa visão míope, para mais limitada a um minúsculo ponto de vista, da realidade.
Daí que nos seja tão difícil detectar os milagres que acontecem na nossa vida, dispormo-nos a uma perspetiva que se eleve das contingências e subjectivas sensações de cada momento. Foi essa disposição que os peregrinos de Emaús encontraram, e dessa forma lhes permitiu ser testemunhas do milagre anunciado pelas escrituras. A chegada do Messias para nos salvar, sofrendo e tomando a forma humana, para alcançar a Glória para nós, sua criação.
Paz na terra aos homens de Boa Vontade, que não deixem escapar o milagre do Natal que se aproxima. A alternativa não faz qualquer sentido.
Imagem: Caravaggio, 1601 - Óleo sobre tela, Galeria Nacional de Londres