Recebestes de graça, dai de graça
Missa de Envio, designação que eu não conhecia, significa uma “cerimónia dedicada ao envio de discípulos para propagação da mensagem de Deus e do Evangelho para suas paróquias, comunidades e famílias”. A Missa de Envio da JMJ 2023 na qual tive o privilégio de participar ocorreu nos 90 hectares do Parque Tejo repletos de crentes de todo o mundo, não sei de um milhão ou milhão e meio, julgo que a precisão dos números, impossível de apurar, seja um assunto de pouca importância. Mas compreendo que após uma semana de assombrosa transfiguração do meu País, perante os protestos mais ou menos envergonhados da elite anticlerical que domina o discurso mediático em voga, o "caso" em destaque (!) no Observador possa render uns cliques da clientela mais ressabiada. Certo é que a Jornada terminava assim, com o envio de centenas de milhares de jovens revigorados na inspiração e na Fé para as suas pátrias, para redistribuírem esperança, um horizonte de salvação às suas gentes. Percebe-se o incómodo.
Desconfio que também por cá, nestas terras que já foram de Santa Maria, um renovado fôlego perdurará nas almas daqueles que dão vida às nossas comunidades cristãs. Apesar disso, a transmissão da cultura católica permanecerá entre nós um desafio hercúleo, mesmo que por momentos tenha sido opinião quase unânime de que ela é um elemento de civilizador. Como escrevia há dias o historiador Rui Ramos, os católicos “são hoje geralmente delicados e tolerantes”, são como visitas “numa casa que não é deles.” De facto, a invasão de Lisboa por quase dois milhões de pacíficos jovens durante aqueles dias foi uma lição de civilidade e um luminoso banho de alegria e festa. A demonstração daquilo que uma pessoa pode ser de melhor, quando imbuída do legado cristão. Nesse sentido foi impressionante o empenho de milhares e milhares de voluntários no acolhimento aos peregrinos, na organização de centenas de eventos culturais que se multiplicaram pelas paróquias no país inteiro, no encaminhamento, no controlo das entradas e saídas, nas acreditações, nos alojamentos, na alimentação, etc., etc. Por uns dias a cidade laica humanizou-se, converteu-se.
Quem é que imaginava que um acontecimento desta dimensão seria realizável nesta Lisboa tão laicizada e descrente? Seria possível empreender esta missão sem os auspícios dum governo de esquerda, que no seu próprio interesse acalmou as vozes de protesto das suas hostes jacobinas, franja que anseia concorrer com a Igreja, pois o Estado que preconiza é uma religião única e absoluta? Tenho dúvidas. A demonstração de força benigna e de actualidade do legado cristão que irradiou de Lisboa para todo o país, não me ilude quanto às tremendas dificuldades de afirmação da Igreja Católica no mundo ocidental niilista e centralista.
Confesso que estranhei a surpresa dos jornalistas e de alguma opinião publicada com o apelo do Papa Francisco a uma Igreja aberta a todos, todos, mesmo todos. Como a desejou Jesus Cristo que se rodeava de prostitutas, cobradores de impostos, aleijados ou leprosos. Que todos somos convidados à dignidade da filiação divina, que Deus conhece cada um até ao ínfimo cabelo. Para que, entrando na porta larga da Igreja, se faça um caminho, por vezes desafiante e estreito (não tenhais medo!), para a Liberdade. O mais difícil não é entrar na Igreja, é o caminho exigente da Salvação.
Se Jesus Cristo afirmou que “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei eu no meio deles.” (Mt 18, 20) imaginem a força da Sua presença na semana passada aqui em Portugal. Um enorme consolo, que perdurará em forma de memória por muito tempo, que temos de agradecer em primeiro lugar aos peregrinos que acorreram a esta Jornada e nos deixaram tão valioso legado. “Por onde forem, preguem esta mensagem: O Reino dos céus está próximo. Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demónios. Recebestes de graça, dai de graça” (Mt 10, 7-8)
P.S.: Aproveito para assinalar a nomeação pelo Vaticano do novo Patriarca de Lisboa, D. Rui Valério. O antigo bispo das Forças Armadas, de perfil discreto e com apenas 59 anos, com as orações dos católicos da sua diocese terá tempo de se afirmar no exigente cargo – assim Deus o queira.