Pedro Boucherie Mendes apresenta no seu livro A Década Prodigiosa, publicado pela D. Quixote, um trabalho admirável para recordar o Portugal na década de oitenta. Apesar das cerca de 640 páginas, trata-se claramente de um livro Pop, interessante e divertido, dedicado à geração do autor, nascida no início dos anos 70, um (...)
Sendo a nossa vida terrena, mais do que limitada pelo tempo, limitada pelas memórias que guardamos depois de adquirirmos consciência, estou convencido de que a existência de cada um ganha um alcance temporal superior se adicionarmos à razão outros sentidos como o da intuição. Onde eu quero chegar com este raciocínio extravagante? Quero dizer-vos que, se formos dotados com curiosidade suficiente e tivermos convivido com intimidade com pessoas mais velhas que nós, conhecido de (...)
Poucos climas há tão encantadores como o de Portugal. O Inverno é neste país menos áspero que nos países do norte, mesmo menos áspero que a região central de França. A neve só cai nos cumes dos montes. Gozam-se dias admiráveis que rivalizam com os nossos mais amenos dias de Primavera. No Verão, a temperatura é muito mais elevada do que em Espanha. E passam-se aí às vezes calores de abrasar, mal moderados pelos ventos quentes do Oceano Atlântico; mas encontram-se ali tantos (...)
Em Setembro vinha o tempo de férias que sobrava e se arrastava, desenganado e indolente com o sol a baixar e as sombras a crescer, dia após dia, até chegarem as primeiras nuvens e a brisa fresca, como um prenúncio do Outono, o início das aulas, o fim da festa. Eram dias em que fazíamos da rua extensão da casa asfixiante de enfado, a jogar à bola com os outros miúdos desocupados e impacientes, perante a inquietação das mães que espreitavam à janela ansiando pelo novo ano (...)
A «casa da Avenida», como ficou conhecida na família, deixou em mim uma marca indelével, como que um pilar da minha personalidade. Como casa da Avenida entendo não só o primeiro andar direito do n.º 232 da Avenida da Liberdade mas todo um ambiente caloroso de afectos e brilho que lhe imprimiam os meus avós, tios e todo o pessoal que lá servia, que, a seu modo, fazia parte da família. Com esta crónica, que serve de introdução a uma biografia ficcionada que estou a escrever (...)
Esta é uma história de tempos felizes. Quando logo a seguir ao 25 de Abril eu arriscava dar uns passos para mais longe do refúgio familiar, com um espírito inocente e deslumbrado com as promessas da vida ao virar da esquina e ainda distante de perturbações existenciais que prenunciam a adolescência. Curioso como é mais fácil reavivar memórias (...)
Há poucos meses, numa inauguração no Museu dos Coches, fui interpelado no elevador pelo R. que, depois de confirmar a minha identidade, simpaticamente se apresentou e me informou que era possuidor de um retrato meu pintado por Agath V. Radey. Foi quando uma cascata de sentimentos e memórias se desprendeu do meu arquivo de histórias – lembrei-me daquele (...)
Foi um ano depois de eu nascer que se iniciaram as obras de construção da Ponte Sobre-o-Tejo em Lisboa. Tenho difusas reminiscências de atravessar o rio de Cacilheiro, no velho Hillman do meu pai atafulhado de irmãos, e memórias mais sólidas de atravessarmos a ponte no Volkswagen novinho, que o meu pai jurava também ser o meu carro (...)
O Vasco Rosa, meu "analógico" amigo de longa data (daqueles a quem temos o privilégio de apertar os ossos de vez em quando), hoje surpreendeu-me com um presente absolutamente extraordinário: dois contos inéditos escritos pelo me (...)
Com uma pose bem-humorada pouco comum numa fotografia de família do início do século XX (algures em 1908/9) aqui se apresentam, de cima para baixo, a minha tia avó Carlota, o meu avô José Maria de Lancastre e Távora e os meus tios avós, Pedro, Rita e Luísa. Num recanto paradisíaco de Lisboa entre Campo de Ourique e a Lapa, em frente a um prazenteiro chafariz (...)