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João Távora

Um monárquico e as eleições presidenciais

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Com as eleições presidenciais daqui a pouco menos de um ano, por detrás da cortina mediática da epidemia do Coronavírus já se sentem os rumores de duas candidaturas prontas para agitar a modorra doméstica: à direita, a do polémico André Ventura, já confirmada; e à esquerda, a provável da diplomata pouco diplomática Ana Gomes. A eleição, que se previa um passeio tranquilo para Marcelo Rebelo de Sousa, promete revelar-se muito animada — quem sabe até simulando uma espécie de plebiscito ao regime. Com Gomes e Ventura na arena, a peleja promete ser feroz, coisa que terá o mérito de agitar consciências nesta pobre e envelhecida nação, conformada com um destino medíocre.

Mas como podem interessar estes assuntos aparentemente fúteis a um convicto monárquico? Interessam bastante, nem que seja porque as eleições presidenciais são sempre uma oportunidade para dissecar o nosso sistema semipresidencialista, as suas fragilidades e contradições… e trazer para a praça pública outros modelos, vigentes em destinos mais bem-sucedidos. Depois, porque o tema interessa à grande maioria dos simpatizantes realistas, que – com pragmatismo – entendem útil a sua participação cívica na eleição presidencial, numa perspectiva de «gestão do mal menor».

Em contrapartida, já me custa entender aqueles que se deixam seduzir pelos cânticos de sereia dum aprendiz de caudilho que, cavalgando descontentamentos populares que são legítimos, agita a bandeira duma «quarta república» messiânica, um presidencialismo à francesa que outra coisa não é que a hipertrofia do cargo de Presidente da República com a qual André Ventura almeja purgar a vida política do país. Percebo a atracção de tomar partido num “plebiscito ao regime”, mas tenhamos cuidado para não vender a alma por 30 dinheiros. Um pouco como aconteceu com o abraço do urso que resultou da adesão a Salazar de muitos resistentes monárquicos, depois de sofrerem dezasseis anos de tirania e miséria dos «democráticos» republicanos. A esses, convém lembrar que a Coroa viável nos nossos dias — aquela que, afinal, impera nos países mais evoluídos da Europa — é uma instituição politicamente abrangente e aglutinadora: não estigmatiza credos ou clubes. A tolerância e a inclusão constituem, por via disso, o mais valioso argumento político da solução preconizada pelos monárquicos.

Tudo isso nos aponta para um cliché: a fama de Marcelo Rebelo de Sousa se comportar como um monarca constitucional. Trata-se de um enorme equívoco, que nada abona a favor das dinastias reinantes: a actuação do Príncipe caracteriza-se por uma equidistância de máximo rigor face às disputas políticas da governação, a cargo dos partidos no parlamento, e, não menos importante, duma sobriedade de pose e de discurso que é o que lhe confere a reserva de autoridade que ele tem por dever simbolizar, como vértice agregador duma pirâmide de interesses e facções conflituais.

Nas dez monarquias constitucionais europeias e dos seus Chefes de Estado — Filipe da Bélgica, Margarida II da Dinamarca, Henrique, Grão-Duque de Luxemburgo, Guilherme Alexandre da Holanda, Haroldo V da Noruega, Filipe VI de Espanha, Carlos XVI Gustavo da Suécia, Isabel II do Reino Unido, Hans-Adam II do Liechtenstein, Alberto II de Mónaco — não se vislumbram comportamentos minimamente comparáveis aos de Marcelo Rebelo de Sousa. E são todos países, sublinhe-se bem, com forte tradição parlamentar e muito desenvolvidos.

Pela minha parte, e porque gosto de política, assistirei com interesse ao espectáculo das presidenciais de 2021 na certeza de que será digno da final de um campeonato de wrestling. Um dia, o seu vencedor irá instalar-se no Palácio de Belém com a árdua tarefa de fingir que é amigo de todos e representa todos os Portugueses. Mas no momento de preencher o boletim de voto, não deixarei de o anular. Será essa a expressão do meu repúdio por esta mascarada que nos foi imposta à força.

Publicado originalmente no jornal Observador.